sábado, 6 de agosto de 2022

Angola | JUSTIÇA PREMEDITADA E FORA DA LEI – Artur Queiroz

Carlos São Vicente foi condenado sem provas

Artur Queiroz*, Luanda

Noite agradável com restos de um Cacimbo ameno. Estou a jantar com duas pessoas acima de qualquer suspeita, o senhor Procurador-Geral da República e meritíssimos juízes desembargadores da secção da Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Luanda. Eram exactamente 20 horas quando nos sentámos à mesa e depois da refeição ainda ficámos longo tempo a falar do espantoso desenvolvimento do Poder Judicial em Angola. Era quase meia-noite quando nos despedimos e cada qual foi à sua vida.

No dia seguinte, mal o sol nasceu, fui visitado por agentes da Investigação Criminal que me exibiram um mandado de detenção. Confrontado com as autoridades competentes, soube que era suspeito de ter assaltado o banco BFA na noite anterior, por volta das 21 horas. A minha reacção foi de alívio. A essa hora estava refastelado a jantar. E indiquei os nomes das pessoas que me acompanhavam e podiam testemunhar que à hora do assalto, eu estava a trincar uma cocha de galinha kabiri. Não se comoveram. Fiquei detido preventivamente porque havia o perigo de me transformar num príncipe encantado ou mesmo num monstro sagrado e desaparecer das vistas humanas.

O processo seguiu seus termos, fui acusado, julgado e condenado. Levei 10 anos de prisão por assalto à mão armada! As minhas testemunhas nunca foram ouvidas. No recurso, o meu advogado enumerou uma lista enorme de iniquidades e vícios processuais mas ninguém se comoveu. Por favor, pelo menos oiçam as testemunhas que jantaram com o suposto salteador naquele dia, à hora do assalto. Resposta de quem apreciou o recurso: “Não é preciso ouvir as testemunhas porque no processo existem provas abundantes contra o arguido!”

O meu advogado, um craque, recorreu para um Tribunal superior. Não perca tempo, senhor causídico! Esse traste leva mesmo a pedrada. E como nos deu muito trabalho, a pena vai ser agravada!

Tudo o que acabaram de ler é mera ficção. Mas existe mesmo o senhor Procurador-Geral da República, Também existem (desejo-lhes longa vida e muito sucesso profissional) os meritíssimos desembargadores do Tribunal da Relação de Luanda. Também é uma realidade dolorosa que o empresário Carlos São Vicente está preso acusado de várias crimes, como peculato, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Condenado no Tribunal na Comarca de Luanda, recorreu para a Relação. 

O Ministério Público, nas alegações ao recurso, cometeu uma ilegalidade gritante, não apresentou as CONCLUSÕES como manda a Lei. Mesmo assim, ferida de ilegalidade, a posição de uma parte (Acusação) foi aceite!

O arguido protesta inocência. E considera que foi gravemente violado o seu Direito de Defesa. Por vários motivos, mas este pesa muito. O Tribunal da Comarca de Luanda não ouviu duas testemunhas chave, o Presidente da República José Eduardo dos Santos e o então presidente do conselho de administração da Sonangol,  Manuel Vicente. Se fossem ouvidos, os “crimes” constantes da acusação tinham ficado reduzidos a nada. Não foram. Os meritíssimos desembargadores do Tribunal da Relação de Luanda acham que daí não vem mal ao mundo. Porque no processo há outras “provas abundantes”. Pois é, mas a prova faz-se durante a audiência, não é com base no que sustenta a Acusação. 

Os testemunhos do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e da Sonangol, Manuel Vicente, tinham deitado por terra os argumentos do Ministério Público. Os meritíssimos desembargadores acham que não fizeram falta nenhuma.

A Acusação apresenta como “prova” um papelito anónimo, apócrifo, sem qualquer valor. Os meritíssimos desembargadores da Relação de Luanda dizem que isso não conta nada. Está bem, o papelito é apócrifo mas não altera nada porque existem no processo provas abundantes! E é tudo assim. O arguido no seu recurso não tem razão em nada. Porque no processo existem “provas abundantes”. 

As provas apresentadas pela Defesa, não servem de nada. O Acórdão do Tribunal da Relação de Luanda assinado pelos meritíssimos desembargadores, João Carlos António, José Sequeira Lopes e Salomão Raimundo foi redigido EM NOME DO POVO. Tudo leva a crer que seja uma gralha. Devia estar escrito em nome do general Fernando Garcia Miala que, pelos vistos, é o topo das ordens superiores. 

As angolanas e os angolanos não podem aceitar a justiça da Jamba, que consiste nas mortes à paulada, os fuzilamentos, mulheres enterradas vivas, elites femininas atiradas para as fogueiras. Mas também não podemos aceitar a Justiça ditada (ou soletrada) pelo chefe do chefe Miala.

Carlos São Vicente, até prova em contrário, é inocente. Não cometeu os crimes de peculato, branqueamento der capital e fraude fiscal. Por isso devia ser absolvido em primeira instância. Foi condenado. O Tribunal da Relação de Luanda não só confirmou a sentença mas também agravou a pena para dez anos. Nem Franz Kafka nos seus dias mais absurdos fazia melhor.

O Acórdão do Tribunal da Relação de Luanda revela perseguição política e pessoal, vingança, inveja e outras miudezas que definem claramente a baixeza humana, no seu pior. Os órgãos de Justiça estão a ser usados para um verdadeiro assalto aos bens de Carlos São Vicente. Ainda não existe uma sentença transitada em julgado e ele já ficou sem tudo o que tinha. Num prédio sua propriedade até instalaram um Tribunal! Claro que se fosse à moda da Jamba, seria muito pior e o arguido já não existia.

O Direito Penal rege-se pelo Princípio da Legalidade: Nullum crime sine lege. Só são crimes, aqueles que forem definidos na Lei. O Ministério Público não conseguiu encontrar um único facto que servisse de base à acusação contra Carlos São Vicente pelos crimes de peculato, branqueamento capitais e fraude fiscal. Tudo inventado. E assim sendo, o arguido não teve direito à Defesa. Um exemplo gritante. O Dr. Fernando Faria de Bastos, advogado, representou Carlos São Vicente em vários negócios jurídicos. Foi impedido de ir a Tribunal! Os meritíssimos desembargadores da Relação de Luanda dizem que isso não faz mal nenhum, o arguido foi representado por outros advogados! Mas desses, nenhum conhecia os factos com a profundidade e extensão de Fernando Faria de Bastos!

Carlos São Vicente foi condenado sem provas. Carlos São Vicente foi preso em 22 de Setembro de 2020 por duas razões: Para não se defender e para ser humilhado. Lembram-se do “Banquete” na TPA? É isso mesmo. Afirmaram que um jovem criado no Bairro Indígena não pode chegar a milionário. Por acaso, Carlos São Vicente até foi criado na Vila Clotilde e no Bairro de São Paulo. Isto só interessa para todos poderem avaliar o peso das mentiras em todo o processo e particularmente no canal público de televisão. 

Quase todos os milionários angolanos que conheço vieram dos bairros indígenas. E ninguém questiona as suas fortunas nem os prende. Ainda bem! Aplausos, para o Poder Judicial. Essa, sim, é a face da Justiça que Angola merece. Não é a da perseguição, da vingança, da prepotência, do abuso.

O Ministério Público mente desalmadamente quando afirma que a AAA Seguros é pública. Desde o seu primeiro minuto de vida era uma empresa mista. E Carlos São Vicente seu líder e accionista. Apresentou no processo provas de que comprou e pagou as acções de que é titular. Logo, a sua prisão e a condenação são ilegais.

O recurso de Carlos São Vicente segue agora para o Tribunal Supremo. É o topo da Justiça Angolana. E sendo assim, o empresário vai ser absolvido. Só pode, porque não cometeu qualquer crime de que foi acusado. Nos Tribunais faz-se Justiça em nome do Povo. Mas até agora, Carlos São Vicente só teve direito às mais gritantes injustiças. Abusos. Humilhações. Roubos descarados do seu património. 

Os venerandos conselheiros do Tribunal Supremo vão seguramente ler o parecer do insigne penalista Professor Doutor Manuel Costa Andrade. E analisar a douta acusação e o recurso da Defesa. Vão obrigatoriamente analisar as contas auditadas da AAA Seguros  no atinente à realização do capital. A Justiça Angolana merece esse cuidado. O empresário Carlos São Vicente também merece. Em primeiro lugar, porque é inocente. Mas também pelo que fez no sector económico e financeiro, pela riqueza que criou para o país e os postos de trabalho criados com a sua actividade empresarial.

Em Angola há separação de poderes. E o Poder Judicial não pode ser um mero instrumento nas mãos de vingadores que dão mau uso ao Poder Político de que foram investidos pelo voto popular.

*Jornalista

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