terça-feira, 27 de setembro de 2022

Angola | LIÇÕES DE DEMOCRACIA E A LÁPIDE – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Adalberto Costa Júnior disse que vai levar o MPLA de rastos atrás da UNITA. Depois pensou melhor e colocou o partido que ganhou as eleições a seu lado. Lado a lado para lhe ensinar a democracia. Sabem o que é democracia? Eu, chefe do Galo Negro, digo-vos: Reforçar os Flechas da PIDE na luta dos colonialistas contra os guerrilheiros libertadores do MPLA. Sabem o que é democracia? Ficam a saber: Alinhar ao lado dos independentistas brancos em 1974 e 1975. Matar as populações indefesas dos musseques de Luanda. Querem mais?

Democracia à moda da UNITA é assinar o Acordo de Bicesse e ao mesmo tempo esconder milhares de militares e as melhores armas em bases secretas no Cuando Cubango, às ordens dos racistas de Pretória, já derrotados pelas FAPLA. Democracia à maneira da UNITA é fazer da base militar da Jamba paraíso de traficantes de droga, diamantes e marfim. Os democratas do Galo Negro exterminaram milhares de elefantes nas savanas do Cuando Cubango.

Sabem o que é a democracia da UNITA? Fazer um atentado no Zenza do Itombe contra o comboio cheio de civis, matando quem viajava. Os poucos sobreviventes ficaram horrivelmente queimados porque um vagão levava combustíveis e a explosão causou um incêndio que ninguém foi capaz de apagar. Ardeu tudo até ao fim.

Democracia à moda da UNITA? Assassinar a sangue frio milhares de civis no Huambo, em 1975. Assassinar o médico David Bernardino quando tinha acabado de dar consultas as pobres no centro médico da Bomba, Huambo. Muito depois do Acordo de Bicesse e das eleições multipartidárias de 1992. Um crime horrendo que continua sem castigo. Democracia da UNITA é assassinar o engenheiro Marcelino e sua irmã, freira da Igreja, à porta de casa. Assassinaram o único angolano que fazia investigação científica na área da agronomia.

A democracia da UNITA é disparar armas pesadas contra as cidades do Cuito e Luena, durante longo cerco militar, matando milhares de civis inocentes. É dar golpes de estado armados para ganhar pela força das armas o que perdeu nas eleições de 1992. E como os seus sicários foram derrotados pelos luandenses, puseram a circular que os dirigentes foram massacrados em Luanda. A democracia à maneira dos aldrabões e vigaristas!

A democracia que a UNITA de Adalberto da Costa Júnior tem para ensinar é esta: Disparar contra o Povo Angolano ao serviço do regime racista de Pretória. É partir todos os equipamentos sociais para tornar a vida impossível às comunidades. É destruir as instalações do Estado. É ocupar militarmente as províncias mais vulneráveis porque o Governo, ao cumprir o Acordo de Bicesse, desmobilizou as FAPLA e desarmou. 

A coroa de glória da democracia da UNITA é o Setembro Vermelho que os seus dirigentes querem repetir hoje em toda a Angola. Sabem o que é? As fogueiras da Jamba. O extermínio das elites femininas do partido. Algumas foram atiradas para as chamas com os seus bebés ao colo. Dizem-me que a UNITA já não é assim. É mil vezes pior. Porque além dos sicários de sempre recrutou todos os grupos de marginais de Luanda e dos grandes centros urbanos. 

A democracia da UNITA é o assassinato de famílias inteiras só porque Savimbi acordava mal disposto e mandava matar quem lhe apetecia. Jorge Sangumba, ministro dos negócios estrangeiros do Galo Negro. Assassinado cruelmente por Jonas Savimbi. Porque era um potencial líder. António Vakulukuta, um intelectual angolano que conheci em Grenoble. Morto à paulada por Savimbi porque cometeu o crime de ser muito querido no Cuanhama. Wilson dos Santos, que foi secretário de Estado no Governo de Transição, assassinado cruelmente por Savimbi. O criminoso de guerra não poupou a esposa, Helena Chingunji, e os seus filhinhos, Koly e Rady. 

A família Chingunji foi martirizada. Em 1979, Savimbi assassinou o patriarca, Estêvão Jonatão Chingunji, sua esposa Violeta Jamba, alguns filhos e netos. Um deles, Tito Chingunji, foi assassinado com a esposa Raquel (Romy) e os três filhos menores, dois dos quais eram gémeos. General Bock, assassinado à paulada pelos sicários às ordens de Savimbi. Dona Isabel Paulino, a senhora Savimbi, enterrada viva na cova de uma fera, no Bailundo. 

Até hoje, ninguém da direcção da UNITA pediu perdão por estes crimes hediondos. Pelo contrário, Adalberto da Costa Júnior quer ser alternância para nos matar a todos. E anda armado em professor de democracia, ele que foi sancionado pela ONU por ser terrorista de papel passado e disparar contra a Democracia Angolana!

 O senhor engenheiro agrónomo Frenando Pacheco deu um a extensa entrevista ao jornal de sobrinhos e madalenos. Diz que “pelos resultados eleitorais, sim, a UNITA já tomou Luanda. A UNITA, neste momento, tem a maioria dos eleitores em Luanda”. Isto dito desta maneira parece uma verdade indesmentível, porque a fraude eleitoral deu a vitória aso Galo Negro na província da capital. Mas é uma mentira habilidosa.

Não querendo responder por ele, até porque não estou ressabiado por ter perdido tachos que nunca tive, permito-me rectificar. A UNITA não tem “a maioria dos eleitores de Luanda”. Teve a maioria dos eleitores que foram votar, o que é muito diferente, sabendo nós que a parte de leão dos 55 por cento de abstenção se concentra neste círculo provincial. Nada de aldrabices. A maioria dos votos expressos não é a maioria dos votantes.

Quanto ao resto, o senhor Biden diz que vai dar uma resposta dura aos russos se aceitarem os resultados dos referendos que estão a decorrer no Leste e Sul da Ucrânia. O homem é dos tesos. No intervalo de uma soneca vai mostrar à Federação Russa como elas mordem.

Eu andava angustiado e não sabia a causa de tanta angústia. Até que a casa real britânica me salvou, ao divulgar a lápide na tumba de Isabel II, a rainha dos mercenários, corsários racistas e outros dromedários. Hoje sou um homem aliviado e feliz. Bendita lápide.

Tristeza, mas tristeza pesada, é a morte do jazzista Pharoah Sanders, o maior saxofonista tenor do mundo do jazz. Fez parte do quarteto de John Coltrane, em 1965, quando eu nasci para a Grande Música Negra. 

Pharoah Sanders e john Coltrane fizeram pela Humanidade, numa só noite de concerto, do que os Biden desta vida hão-de fazer em mil eternidades. Tenho na memória uma actuação da  Sun Ra Arkestra, em Portugal, onde o saxofonista brilhou como um firmamento de estrelas. Foi nessa noite que descobri o nosso chingufo transformado em “bateria infinitiva” e apresentado pelo genial Sun Ra como um instrumento egípcio!  No final do espectáculo pedi-lhe para ir comigo ao Cassai, ver o berço daquela bateria. O assombroso chingufo, cujo som avisava as comunidades distantes, quando chegavam os sipaios e chefes de posto para levarem nas cordas os jovens como “contratados” com destino às fazendas de café do Norte.

No programa radiofónico Contacto Popular, produzido e apresentado por Zé Andrade (ZAN), realizado por mim, o edifício musical era erguido, diariamente, com temas do álbum “Karma” de Pharoah Sanders. Ele e Archie Shepp (música afrocêntrica) eram os nossos favoritos. Mas também Sofia Rosa e David Zé.

Quando Zé Andrade (ZAN) faleceu, escrevi esta crónica que foi censurada pela direcção do Jornal de Angola nessa época. Aí vai o texto como homenagem também a Pharoah Sanders, nosso companheiro nas noites de Contacto Popular:

O Rio da Noite e o Voo Popular

Hoje morreu o músico e cronista angolano Zé Andrade. O artista plástico ZAN. Um dia resolvi ser editor e publiquei o seu poema heróico “A Grande Fumarada”. Releio a obra e recolhi dela alguns fragmentos que vão publicados neste texto, em itálico. 

Abro o diário e escrevo sobre pássaros. Descobri que eles só fazem ninho para criar os filhos. Quando ganham asas nunca mais entram em casa e sobrevoam as nossas vidas vazias, até à eternidade. Por vezes cantam, mas andamos tão angustiados que nada sentimos. Se Belita Palma nos sussurrasse canções aos ouvidos, todos os instantes de cada dia, também nada ouviríamos. Há uma couraça de indiferença, angústia e medo que nos impede de seguir o voo livre do pássaro com a única visão que conta: a palavra sentida.

Hoje telefonou-me a Teresa, filha dilecta de mestre Carlos Ferreira (Lito) e da tia Mercedes. O Zé Andrade Foi! Reagi ordenando às lágrimas que se acomodassem naquela tristeza que me faz ver em cada dia, a morte definitiva. Nada de choros. O amigo é mais que um rio. Não se perde. Quando muito, seca. 

(Era o tempo das secas.

As chuvas passadas só tinham salpicado com pingos mornos de chuviscos.

A batata-doce estava seca e o bombô tinha bicho verde passeando como em jardim de damas coloridas de guarda-sóis!)

 Agora que partiste, meu irmão longínquo, ficou um rasto de cristais partidos. E eu navegando nos destroços sem saber de que lado sopra o vento. Mas isso pouco importa: ainda me restam os últimos acordes da sinfonia de violetas que escutámos na casa da Samba, quando Luanda se transformou na frente da grande batalha pela Liberdade e a Independência Nacional. Desenhavas tu o percurso: O voo de Parker, a omnipotência de Mingus, o carma de Pharoah Sanders, a suprema suavidade de Lady Day.

(Gosto de ti porque me vais buscar vinho às europas e nem sabes, ou talvez saibas, que as recordações e os amores são de cartas loucas fazendo chuva nos olhos e caindo, caindo, pingando sobre os meus versos de rimas descontentes. Mas ainda consigo gostar das pessoas e mentir no ódio, esse ódio de fazer-por-não-gostar!)   

O jazz chegou à Imprensa Angolana nas tuas crónicas. E a nossa vida tão precária entrou na casa dos ricos e de quem sabia ler. A ti devemos muito do que somos. Por isso, a tua partida é a perda absoluta, um soluço de luto e a outra mão que nos falta.

Mas a partir de hoje vai faltar-nos mais: a palavra, o poema, o teorema, uma alameda de coqueiros e uma defesa sem castelos nem soldados. Já nos falta a sorte, um vício bem guardado, um segredo desvendado e a angústia da morte. Estamos condenados a um eterno entardecer, a chorar uma gaivota afogada, o coração a bater, a espada em riste e o sangue a ferver. 

Eras ao mesmo tempo o cavaleiro andante, o músico ambulante, o pintor sem tintas nem paleta. Inventaste os dias luminosos e as mulheres amorosas, que são todas as que conhecemos e desconhecemos.

(Muitos perdem-se em viagens e ficam no último degrau de quem desce. Outros estão abandonados em gaiolas, como quem tenta arrancar corações e vão permanecendo na podridão do esquecimento.)

Agora que partista vai faltar-nos a flor, o frémito do amanhecer, a verdade nua e uma luz crua. Falta-nos o silêncio e a feira, o pólen e a poeira, o rio aos pés do mar e um encontro romântico na margem do Atlântico. Vão faltar-nos todas as horas, um pouco mais de nada, a ternura silenciosa, as manhãs frescas e os poentes serenos. 

A partir deste instante falta-nos o abraço, a contra corrente e um gesto inocente. Falta-nos atirar a primeira pedra, o perigo à vista, o salto, o voo rasgado, o ninho à espera e um sonho dourado. Falta-nos o mar à vista, um rochedo estilhaçado e a cavalgada sem destino. No fim de cada caminho o eco dos gritos é um silêncio pesado.

(Silêncio nas bocas e no olhar de uns para uns.)

*Jornalista

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