Bom dia,
A Europa viveu o verão mais quente da história e atravessa a pior seca dos
últimos 500 anos, em África a falta de chuva deixa milhões de pessoas à fome,
no Paquistão ou no Bangladesh somam-se mortes provocadas por inundações. Um
pouco por todo o mundo multiplicam-se eventos climáticos extremos cada vez mais
devastadores. Nenhum país está imune. Mas apesar dos avisos, a comunidade
internacional continua a não se comprometer seriamente no combate ao
aquecimento global, que ameaça o futuro de toda a humanidade. “Estamos numa autoestrada para o inferno, com o pé no
acelerador”, resumiu ontem o secretário-geral das Nações Unidas, António
Guterres, no discurso inaugural da 27ª conferência da ONU sobre alterações
climáticas (COP27).
Mais uma vez, Guterres não poupou nas palavras. Perante os 197 países ou blocos
representados na cimeira, que decorre até ao final da próxima semana em Sharm
el-Sheikh, no Egito, voltou a avisar que o planeta “aproxima-se
perigosamente do ponto de não retorno”, que “estamos a perder a luta das nossas
vidas” e que “a humanidade só tem uma escolha: cooperar ou morrer”. A
equação é simples: ou há um “pacto de solidariedade climática”, em que todos os
países fazem um esforço extra para reduzir as emissões esta década, ou estaremos
a assinar um “pacto de suicídio coletivo”, advertiu.
O apelo não podia ser mais dramático. Mas o mais provável é que volte a cair em
saco roto. Os líderes da China, Rússia e Índia, que estão entre as maiores
e mais poluidoras economias do planeta, nem sequer estiveram presentes para
ouvir. Muitas das nações mais ricas e desenvolvidas, como os EUA ou o
Reino Unido, não estão a cumprir os pagamentos que se comprometeram a fazer para
compensar as perdas e danos dos Estados mais pobres, que são simultaneamente os
mais atingidos, e para os ajudar a mitigar os efeitos do aquecimento global. E
a crise energética provocada pela guerra na Ucrânia desencadeou em vários
países uma nova corrida aos combustíveis fósseis. Ainda ontem, Espanha, por exemplo, reativou a maior central a
carvão, que há dois meses, e supostamente em definitivo, tinha desativado.
Do lado de cá da fronteira, já não há nenhuma a funcionar e António Costa garante mesmo que Portugal está em condições de
antecipar em cinco anos a meta da neutralidade carbónica. Ainda assim,
está longe de ser o suficiente, pelo menos para os jovens ativistas que ontem ocuparam várias escolas em Lisboa.
A verdade é que já ninguém acredita que seja possível limitar a 1,5ºC a
subida da temperatura média do planeta até ao final do século. Os cortes de emissões de gases com efeitos de estufa adotados
até agora a nível global encaminham o mundo para um aquecimento de 2,8ºC –
quase o dobro do valor traçado como meta nas outras cimeiras do clima
realizadas desde 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris. Nesta COP, o
objetivo dos 1,5ºC mantém-se, tal como a probabilidade de se repetir o fracasso
das anteriores. Para a jovem ativista sueca Greta Thundberg, que decidiu não
marcar presença, o problema é que estas cimeiras “não são realmente
destinadas a mudar o sistema”, mas antes uma oportunidade para muitos líderes
fazerem um “greenwashing” – uma lavagem de imagem, sem resultados.
Por outras palavras, um exercício global de hipocrisia e irresponsabilidade.
Nos próximos dias se verá se esta COP será (mais) um flop.
OUTRAS NOTÍCIAS
Nos Estados Unidos, realizam-se hoje as eleições intercalares que
vão determinar qual o partido que assumirá o controlo das duas câmaras do
Congresso e que vão funcionar como um teste à popularidade de Joe Biden,
numa altura em que Trump volta a dar sinais de que pretende candidatar-se às
presidenciais de 2024. Muitos dos republicanos que concorrem a estas midterms não
acreditam na legitimidade do atual Presidente e podem vir a ter uma influência decisiva nas próximas eleições.
Para já, uma derrota dos democratas pode transformar num inferno os dois
últimos anos do mandato de Biden. E pode mesmo vir a significar uma derrota da própria democracia.
Quem já veio a público anunciar alto e bom som a sua posição
foi o dono do Twitter, Elon Musk, que apelou ao voto nos Republicanos.
Qualquer que seja o resultado das eleições, Biden garante que os EUA manterão
um apoio “infalível e inabalável” à Ucrânia, onde têm vindo a aumentar nos
últimos dias os bombardeamentos das forças russas no norte do país. Já no
sul, as autoridades pró-russas anunciaram ontem o fim da retirada
organizada de civis de Kherson, avisando os que ainda pretendem sair da
zona que terão de fazê-lo por meios próprios.
Ainda faltam alguns dias para a divulgação das previsões económicas do outono,
mas a Comissão Europeia já começou a preparar-nos para o pior. Para quem tinha
esperança que o próximo ano fosse mais brando, Bruxelas já veio avisar que a economia vai desacelerar ainda
mais em 2023. A inflação deverá continuar elevada, embora a expectativa é
de que comece a abrandar.
Por cá, o Governo pondera estender aos novos contratos o travão à subida das rendas que
anunciou em setembro para proteger os inquilinos de uma escalada de preços.
Para evitar abusos, o ministro Pedro Nuno Santos está a estudar uma extensão do
limite de 2% imposto à atualização das rendas em 2023 aos contratos que vierem
a ser celebrados.
A indicação de Paulo Raimundo para suceder a Jerónimo de Sousa no cargo de
secretário-geral do PCP não agradou a renovadores comunistas como Carlos Brito
e Domingos Lopes, que criticam a escolha de um militante "totalmente desconhecido" e uma
"completa incógnita" no palco político. Raimundo herda o partido em mínimos históricos eleitorais,
reduzido a seis deputados e com menos 200 mil votos do que tinha quando
Jerónimo chegou à liderança.
Se está a pensar viajar no Natal ou no Réveillon, saiba que a TAP prevê cancelar quase 400 voos até ao final do ano, período em que
há habitualmente maior procura, a par do verão.
No futebol, FC Porto e Benfica conheceram ontem o adversário dos
oitavos-de-final da Liga dos Campeões: os portistas vão jogar com o Inter de Milão, enquanto os
benfiquistas enfrentarão o Club Brugge. Os clubes portugueses foram cabeças
de série do sorteio e por isso vão jogar a segunda mão em casa (a 15/22 de
fevereiro o primeiro jogo e 7/14 de março o segundo). Já o Sporting enfrentará o Midtjylland no playoff da Liga
Europa, prova que vai ter também um Ronaldo-Lewandowski (o mesmo é dizer um
Manchester United-Barcelona). Na Liga Conferência, o Braga vai a Itália jogar
com a Fiorentina.
FRASES
“Estamos a tratar a atmosfera como um esgoto”,
Al Gore, ex-vice-presidente norte-americano na COP27
“Estamos cada vez mais conscientes da dureza da vossa dor e gostaríamos de
poder colaborar convosco na superação destes injustos e, a todos os títulos,
inadmissíveis atentados",
José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, dirigindo-se às
vítimas de abusos sexuais cometidos no seio da Igreja
"Um programa que é para ser executado até ao final de 2026 não é para
estar concluído no final de 2022. É para ser cumprido nos exatos termos em que
foi contratado e programado - e assim está a acontecer",
António Costa sobre a execução dos fundos do PRR, desvalorizando os avisos do Presidente da República à ministra da Coesão
SUGESTÕES DE PODCASTS
Vhils:
“Há um trabalho muito invisível feito pela minha equipa. Tenho um bocado de
conflito em ser o patrão, mas sim, são 54 pessoas” Oiça a entrevista de
Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils, a Francisco Pinto Balsemão no podcast Deixar o Mundo Melhor
Chegou ao fim a sangrenta Guerra na Etiópia? Oiça a análise de
Alexandra Magnólia Dias, professora assistente do Departamento de Estudos
Políticos da Universidade Nova de Lisboa, no podcast África Agor a
Alice,
Leonor e Ideal: até onde tem de ir o ativismo climático para o ouvirmos? No dia
em que centenas de jovens estão, num ato de desobediência civil, a ocupar
quatro faculdades e duas escolas secundárias em Lisboa, Daniel Oliveira
conversa no podcast Perguntar Não Ofende com três jovens ativistas
ambientais.
O QUE ANDO A LER
“Declarei a Guerra que Não Queria – Memórias de Portugal do Embaixador Alemão”,
de Friedrich Rosen (Aletheia Ed.)
Quando, em 1912, o embaixador alemão Friedrich Rosen foi destacado para Lisboa,
teve de ouvir repetidamente de amigos e colegas, até à data da partida,
“expressões de pesar” e de alguma compaixão por ser enviado para um país que
estava então “à margem dos grandes acontecimentos mundiais”. Mal sabia na
altura que a missão, que chegou a considerar a mais importante da sua carreira
diplomática, haveria de terminar abruptamente com a entrega, pelas suas
próprias mãos, de uma declaração de guerra a Portugal.
Na essência da sua missão estava o tratado secreto que Alemanha e Inglaterra
haviam assinado sobre as colónias portuguesas. Baseado no pressuposto de que “o
Estado português, com a sua desordem financeira crónica, não poderia
permitir-se a longo prazo o luxo de um império colonial extenso e pouco
produtivo em matéria de receita”, o acordo germano-britânico estabelecia que,
no momento
Nas suas memórias, com tradução de José Lamego, Rosen descreve, com detalhe, a
sua atividade em Lisboa até ao dia 9 de março de 1916, quando recebeu
instruções de Berlim para comunicar uma declaração de guerra a Portugal,
considerado pela Alemanha como um “vassalo da Inglaterra”. Apesar de não
concordar com a ordem, Rosen cumpriu-a e no dia seguinte foi obrigado a deixar
o país a que se afeiçoara. Na despedida, um funcionário do Ministério dos
Negócios Estrangeiros entregou-lhe um ramo de “flores magníficas” em nome do
Governo português – um gesto de “cavalheirismo” próprio da “cordialidade
portuguesa”, característica nacional que tanto impressionou o embaixador alemão
nos quatro anos em que cá viveu.
Um dos aspetos mais interessantes do livro é precisamente o retrato que traça
nas suas memórias sobre as idiossincrasias dos portugueses.
Por hoje é tudo. Com “cordialidade” e simpatia me despeço, desejando-lhe uma
ótima terça-feira.
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