domingo, 4 de dezembro de 2022

Angola | LUANDA E A DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A divisão administrativa herdada do colonialismo é contra o desenvolvimento harmonioso porque favorece a desertificação humana nas províncias do interior. Agudiza e promove os problemas da interioridade. Privilegia as províncias do Litoral como se ainda vivêssemos no tempo do esclavagismo. Dá expressão prática ao velho ditado Angola é Luanda, capital Mutamba e o resto é paisagem. 

Logo nos primeiros dias da Independência Nacional defendi uma mudança drástica dessa estrutura velha e anquisolada. Quem sabia mais do que eu e pensava melhor, alertou-me para o perigo de mudanças drásticas numa fase em que UNITA e FNLA cavaram ainda mais fundo divisões tribais e regionais. 

Sim, Angola tinha então e tem ainda hoje graves problemas de tribalismo e regionalismo. Mas se isso é verdade para alterar a divisão administrativa herdada do colonialismo também é verdade quando se trata de criar o Poder Local e avançar para eleições autárquicas.

O Presidente João Lourenço anunciou, muito antes das eleições de Agosto, que mandou estudar alterações à divisão político-administrativa. O tema foi colocado à discussão pública. Foram recolhidos contributos importantes. O processo está no fim. Ontem o Conselho de Ministros aprovou a nova estrutura do Poder Local.

Mas enquanto decorriam os trabalhos para levar a cabo as mudanças com o maior consenso possível, a UNITA exigia eleições autárquicas. Contribuiu com confusão e populismo. Os dirigentes do Galo Negro olham para o Poder Local apenas pela possibilidade de arranjarem lugares para as suas clientelas eleitorais. Mais nada do que isso. Até porque os sicários da seita não têm a mínima noção do que é um país, quanto mais uma democracia.

Em Luanda está a decorrer o Fórum dos Municípios e Cidades de Angola. O Presidente da República confirmou que foi aprovada a nova divisão administrativa. Anunciou a descentralização e desconcentração como bases do reforço da autonomia financeira. Duas províncias, Moxico e Cuando Cubango, gigantescas, vão dar mais duas. Ficamos com 20. Acabam as comunas e distritos urbanos. A vida vai fazer-se em 581 municípios. 

O processo de mudança fica concluído em 2024, quando os deputados aprovarem a proposta na Assembleia Nacional. Mas a UNITA queria eleições autárquicas ontem. Mesmo sabendo que está em marcha a nova divisão político-administrativa. 

Os municípios só funcionam se tiverem quadros técnicos à altura. Para isso é preciso garantir-lhes incentivos. O Presidente da República anunciou hoje que essa política vai ser executada, assim que esteja aprovada na Assembleia Nacional a nova divisão administrativa. Problema difícil de resolver: Angola não tem quadros técnicos suficientes para servirem nos 581 municípios. Vamos importar os técnicos que não temos ou o processo de implantação das autarquias vai ser gradual? 

Não temos infraestruturas básicas em muitos municípios. Primeiro há que dotá-los de tudo o que é necessário para a vida se fazer nos municípios, com um mínimo de qualidade. Será que os apressados continuam a exigir eleições autárquicas como se estes problemas não existam? Para os sicários da UNITA a resposta é sim. Para eles, quanto pior, melhor.

O fórum dos municípios e cidades está a decorrer em Luanda. Eis uma oportunidade perdida. O Executivo tem em mãos o processo de descentralização e desconcentração. O projecto da nova divisão político-administrativa. A reunião podia ter decorrido em Nambuangongo, Chongorói, Nharea, Belize, Rivungo, Banga, Ebo, Quilengues, Lóvua, Calandula, Bundas, Negage,  Tomboco ou Camucuio. Era um sinal importante que chancelava a vontade política de descentralizar mesmo. De desconcentrar a sério. De caminhar no sentido de mais autonomia para os municípios e a institucionalização do Poder Local Democrático.

Claro que em alguns (provavelmente todos…) os municípios que apontei podem não existis condições para o fórum. É muita gente a participar. Mas criavam-se essas condições a tempo e horas. Mais uma vez, foi tudo desaguar a Luanda que, como é visível, tem cada vez menos qualidade de vida. O que justifica o lema da reunião magna dos autarcas: A Vida Faz-se nos Municípios. Em vilas e cidades pequenas. À escala humana.

Os professores reataram hoje as aulas, depois de uma longa greve. Os estudantes estão felizes. Os próprios grevistas ficaram contentes por voltarem às salas onde dão aulas. Mas o problema laboral não está resolvido e já paira no ar uma nova ameaça de greve. Os seus salários são de miséria. Verdadeiros atentados à dignidade dos profissionais

A senhora ministra da tutela e o titular do Poder Executivo precisam de saber que se queremos políticos com qualidade temos de lhes garantir boas condições. Mas o mesmo se passa com os professores. Se um deputado ou ministro tem direito a mordomias milionárias, por maioria de razão deviam proporcionar as mesmas regalias aos professores. A não ser que os detentores do poder já não acreditem no futuro nem considerem importante educar as crianças e os jovens.  

*Jornalista

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