segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Portugal | O QUE ESPERAR DE MARCELO?

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

Se quisermos dar valor aos estudos de opinião que olham para a popularidade dos políticos, temos de perceber que em momento nenhum, nos últimos sete anos, Marcelo Rebelo de Sousa deixou de ser "o Marcelo", o político mais amado entre todos os políticos. Mais ou menos fustigado pelas críticas da direita (radical e moderada) e dos analistas/comentadores (de esquerda e de direita), Marcelo continua a ser o último reduto para o povo português.

Teremos Marcelo por pouco mais de três anos em Belém, com a tarefa dificultada pela existência de uma maioria absoluta no Parlamento, onde a oposição está muito enfraquecida à esquerda e onde, à direita, apenas os radicais do Chega marcam pontos. A direita civilizada, mesmo mudando de liderança, continua refém do populismo xenófobo e racista do partido de Ventura, porque esse retrocesso civilizacional tem permitido que o Chega mantenha o potencial de crescimento eleitoral, tornando-o imprescindível para tirar os socialistas do poder.

O perigo não é apenas o de fazer o caminho para levar a extrema-direita ao poder. Talvez o perigo maior seja, aliás, o de corromper os valores da social-democracia e do liberalismo, alinhando num discurso mais populista, que procura na diferença a explicação do que corre mal, que odeia os outros por causa da sua origem geográfica ou étnica, que recusa a identidade e igualdade de género ou a livre orientação sexual. Há um perigo real na contaminação do discurso político pelo que vai sendo tomado como luta contra o politicamente correto.

Não é tarefa exclusiva do Presidente da República, mas ninguém tem cumprido tão bem a tarefa de evitar que o fenómeno populista xenófobo e racista seja ainda maior em Portugal. Seja porque, como Chefe de Estado, tem feito pedagogia em defesa da diversidade da nação, enaltecendo o papel das minorias, seja porque, como ser humano, tem dado o exemplo ao movimentar-se de forma igual em todos os contextos sociais. De uma ironia extraordinária, a forma como lembrou, no 1.º de Dezembro, "o "cavaleiro fidalgo" Jerónimo da Costa e muitos dos duzentos e cinquenta outros ciganos que serviram nas fronteiras", ajudando à Restauração da Independência. Nesse dia, o Presidente recebeu Ventura para falar da eutanásia, mas o que ficou registado foi o embaraço do líder do Chega com a história daqueles ciganos.

Bem sei que a Democracia necessita da alternância e que o Palácio de Belém parece o melhor local para ter um sniper a fazer oposição, mas ela não se defende trocando os papéis dos seus principais protagonistas, nem o Presidente atirador de elite cumpre o seu papel se não souber hierarquizar os seus alvos. Devemos esperar que Marcelo combata os abusos de poder da maioria absoluta, devemos esperar ainda mais que defenda a Democracia dos populismos racistas e xenófobos, mas não que faça o caminho que tem de ser feito pela oposição. Menos ainda com uma oposição que não consegue ser alternativa de poder sem o Chega.

A memória, às vezes, atraiçoa-nos. Quando olhamos para Soares com Cavaco e Cavaco com Sócrates, podemos ser levados a pensar que os presidentes foram cruciais para acabar com os governos maioritários e pôr lá a sua família política. Na verdade, tanto Soares como Cavaco surfaram o momento, em circunstâncias bastante diferentes, mas começando ambos por serem aliados dos governos que acabaram a combater. Pode até vir a acontecer o mesmo com Marcelo, mas isso não é o mais importante que o Presidente tem para dar ao país.

*Jornalista

Imagem em Cartoon Movement

Sem comentários:

Mais lidas da semana