João Céu e Silva | Diário
de Notícias
Mais do que em qualquer outro
momento da história de Portugal, a investigação As Duas Faces de Salazar encaixa
no tempo. Para Rui Carvalheira, «se queremos manter a liberdade de que hoje
beneficiamos, há que impedir o recrudescimento de regimes extremistas e
autoritários que nos deixam a todos sob a ameaça da arbitrariedade e do abuso
de poder». Outras novidades: O Sem Pavor de António da Costa
Neves e Conferências e Discursos de Albert Camus.
A principal razão que levou Rui
Carvalheira a escrever As Duas Faces de Salazar, que não viveu o Estado
Novo, foi a de superar as ideias feitas sobre essa época. Diz: "Tendo
nascido e crescido após o 25 de Abril, tudo o que eu sabia sobre Salazar é que
tinha sido um ditador, que tinha imposto um regime fascista, onde não havia
liberdade. Pouco mais." A investigação, no entanto, fê-lo descobrir que
"nem todas as ideias feitas se revelaram falaciosas, mesmo sendo
redutoras. O regime foi de facto opressivo, a informação era altamente
controlada, não havia liberdade de expressão e milhares de portugueses foram
alvo de perseguição e vítimas de violência política". Houve outra surpresa
no que respeita a outras "ideias feitas", o autor confrontou-se com
várias "menos corretas". Dá como exemplo do que não corresponde à
verdade: "Que a ditadura portuguesa era "branda", ou que o
colonialismo português era integrador e não racista, O regime não só
reprimiu, perseguiu e torturou cidadãos por motivos ideológicos, como o
colonialismo português foi tão opressivo, discriminatório e explorador, como o
das restantes potências europeias." Acrescenta outro exemplo dessas ideias
feitas: "A caracterização de Salazar como um líder abnegado e
desinteressado pelo poder, que se torna pouco credível quando observamos o esforço
que o governante empreendeu ao longo de toda a sua vida, para se manter ao
comando do regime, atitude que parece pouco consistente com a imagem de um
líder que é conduzido ao topo, contra sua vontade." Em resumo, afirma, "as
ideias feitas sobre o Estado Novo serviram como ponto de partida, mas à medida
que fui investigando o regime e o período, tornou-se relativamente simples
desmontar os preconceitos que contrariam a análise dos factos e nesse
sentido, superá-las".
Rui Carvalheira desde 2016 soma
quatro livros sobre a História de Portugal, um tema bem diferente da sua
carreira principal: criativo publicitário, guionista e professor. Um dos
problemas que se colocaram ao autor foi o de não tomar partido a favor ou contra
durante a escrita. Explica: "Procurei analisar as medidas tomadas e as
suas consequências do modo mais honesto que me foi possível. Mas quando falamos
de regimes políticos, é difícil ser isento. Primeiro, porque, enquanto cidadão,
sou parte integrante do regime, cuja natureza se reflete nos meus direitos e
liberdades. Depois, porque sendo os meus valores radicalmente opostos às de um
regime elitista, repressivo e autoritário, que votou a população à ignorância e
à pobreza, tanto material como intelectual, tornou-se difícil aceitar - ou
ignorar - a discriminação legal, a privação dos direitos e a arbitrariedade
jurídica que caracterizaram o Estado Novo. Como tal, a análise das
consequências, o que considero positivo ou negativo, implicou uma escolha, escolha
essa que reflete os meus valores e as minhas crenças e nesse sentido, admito,
foi-me difícil não tomar partido." No entanto, avisa, procurou analisar a
figura e o regime de Salazar tendo em conta o contexto da época e a situação do
país na altura em que as medidas foram tomadas: "Não me limito a condenar
a regime à luz das ideias de hoje, nem escamotear os sucessos que as políticas
salazaristas tiveram, como é o caso da recuperação financeira e da
estabilização da ordem pública que a ditadura conseguiu logo nos seus primeiros
anos, aquelas que em muito serviram como base de legitimação junto da
população."