sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

DUAS CABEÇAS DERAM UMA E ZERO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A História é feita pela Humanidade e cada povo constrói a sua. Mas ficam registadas nas suas páginas as grandes e as baixezas, as vitórias e as derrotas, os mártires, os heróis, os grandes líderes, mas também os ditadores, os caudilhos cruéis, as fidelidades ou as grandes traições. Ninguém pode alterar o passado e muito menos falsificar os factos na sua crueza implacável. 

Em Angola, o ano de 2017 marcou o início de uma limpeza geral de factos históricos à custa de falsificações desalmadas, deturpações grosseiras, aldrabices pueris e, no topo do bolo, a inversão de papéis na cena política. O cabeça de lista do MPLA foi eleito Presidente da República. Os deputados do MPLA não foram eleitos à custa do cabeça de lista. O MPLA conquistou os votos e a confiança do eleitorado. João Lourenço é apenas um beneficiário. Deve o cargo ao partido e o partido nada lhe deve. 

Todos os povos têm passado e memória. Todos têm de viver com a sua História, ainda que alguns quadros históricos sejam vergonhosos ou constituam crimes contra a Humanidade. O segredo está em tirar as devidas lições dos tempos idos para que não sejam cometidos os mesmos erros ou crimes. Por isso é importante sabermos quem somos e donde viemos. Só o conhecimento, a investigação e a cultura permitem obter um retrato total e nítido dos caminhos percorridos por um povo. O passado é base para caminhar em direcção ao futuro.

As primeiras eleições multipartidárias, em 1992, foram ganhas estrondosamente pelo MPLA. A “grande família” estava desavinda mas ante o perigo de uma vitória eleitoral da UNITA, houve uma mobilização geral à volta do líder José Eduardo dos Santos e da direcção executiva, protagonizada por Lopo do Nascimento, Kundi Paiama e Marcolino Moco. No aparelho, trabalhando no duro, estava João Lourenço. A vitória eleitoral foi de todas e todos os angolanos. Mas a estes cinco dirigentes se deve a condução política que levou ao sucesso.

Otelo Saraiva de Carvalho e seu amigo Kadhafi, presidente da Líbia, conseguiram fortes apoios financeiros à campanha do MPLA. Deu para tudo, até comprar três estações de rádio, a LAC, a Rádio Morena e a hoje Rádio 2000 do Lubango. Passaram a fazer parte da rede de empresas comerciais e industriais, criada para gerar fundos de apoio à actividade política do MPLA. 

A LAC, pela voz de um comentador encartado e num balanço de 2022, garantiu aos seus ouvintes que João Lourenço é um candidato a Prémio Nobel da Paz. Jorge Luís Borges escreveu a História Universal da Infâmia. Os propagandistas do Presidente João Lourenço estão a escrevinhar, garatujar, a História Universal da Bajulice. Assim vai o “combate à corrupção” corrompendo tudo. Tudo submetendo à voz do dono.

Os grandes políticos conhecem a História, compreendem-na e são capazes de encontrar no presente as melhores soluções para que os seus povos não tenham de suportar as tragédias do passado. O Presidente Agostinho Neto foi mestre neste exercício de alta política e clarividência. O Presidente José Eduardo dos Santos foi um bom discípulo e levou essas políticas até à libertação da Namíbia, de Nelson Mandela e da maioria negra da África do Sul. Angola hoje avança imparável para baixo da pata do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA), pela mão do Presidente João Lourenço. A direcção do MPLA nem uma palavra. Nem um ai. Nem um gritinho de protesto. 

As páginas da História Universal registam a infâmia do “apartheid” nos EUA, mas também estão lá Martin Luther King ou Ângela Davis, heróis da Humanidade, que foram capazes de lutar, sem desfalecimentos, pelos direitos cívicos. A grandeza desses políticos foi projectada na eleição do Presidente Obama. 

Durante décadas o povo da África do Sul teve de suportar a crueldade do racismo como política de Estado. Mas a mesma África do Sul deu à Humanidade figuras como Oliver Tambo, Jo Slovo, Winnie e Nelson Mandela ou Jacob Zuma. Quando a História regista tão belos exemplos de amor à liberdade e à democracia, faz esquecer as gerações dos “Botha” ou dos “Terreblanche” que feriram de morte e de pena todos os sul-africanos.

Durante muitos anos e até 2017 o Povo Angolano soube honrar os Heróis do 4 de Fevereiro e todos os que se seguiram até ao fim da guerra, em 2002. Nas eleições de 2017 outros valores se levantaram. O MPLA ganhou as eleições com maioria qualificada. O seu cabeça de lista beneficiou dessa vitória eleitoral tomando posse como Presidente da República. Não descansou enquanto não se libertou do líder do MPLA, eleito pelos delegados num congresso. O líder do MPLA não é eleito em eleições gerais mas pelos militantes. 

Para dar esse golpe, João Lourenço teve o apoio de respeitáveis figuras da direcção do partido que num documento tornado público pediram o afastamento de José Eduardo dos Santos da liderança do MPLA que só acabaria no próximo congresso. Ele aceitou. Logo a seguir o partido tornou-se um mero instrumento nas mãos do novo líder. Inverteram-se os papéis. O programa de governo submetido a sufrágio popular, os valores e princípios do partido foram simplesmente ignorados e submetidos à vontade do chefe.

Nas eleições de 25 de Agosto o MPLA resistiu a uma aliança negativa que congregou todas as forças da Oposição. Sempre que o seu cabeça de lista, João Lourenço, falava num comício, o partido perdia votos às pazadas. A grande vitória eleitoral deve-se, em mais de 90 por cento, aos militantes e dirigentes. Ao seu passado glorioso. Foi conseguida apesar do cabeça de lista. Era suposto que a direcção partidária aproveitasse para repor tudo no seu lugar. Primeiro o partido, o seu programa, os seus valores. Depois os seus eleitos. 

Quatro meses depois das eleições, a situação política é ainda pior do que no mandato de 2017 a 2022. O MPLA é uma espécie de enfeite para o seu líder trazer à lapela. João Lourenço toma decisões frontalmente contrárias aos estatutos do partido, ao seu programa e aos seus valores. Aqueles dirigentes que acabaram com a bicefalia em 2017 não querem agora arranjar uma cabeça para liderar o partido e Angola? A corrupção de hoje está a minar o MPLA nos seus alicerces. Já não lhes basta o dinheiro dos cofres do Estado. Querem riscar do mapa o próprio partido. Estão a conseguir com grande sucesso. 

Não querem que se saiba enquanto a operação estiver em curso. O silêncio não é dos inocentes mas sim dos coniventes. Por isso eu falo. Com diz um amigo meu, abro a bocarra. Está falado e dito. Mau ano novo espera o Povo Angolano. Os marimbondos que se seguem, falam inglês, exterminaram os índios e são peritos em genoicídios!

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana