terça-feira, 10 de janeiro de 2023

GUERRA CONSTANTE PARA FAZER LULA RENUNCIAR À PRESIDÊNCIA DO BRASIL?

Vinícius Vieira: "Há uma ação coordenada para provocar guerra constante e fazer Lula renunciar"

Cientista político considera que proximidade ideológica entre manifestantes bolsonaristas e forças de segurança abriu caminho à invasão 

Esta barbárie era anunciada?
Esta destruição era anunciada porque a base dos militares e das polícias, muito permissiva no ataque, é muito próxima dos valores dos bolsonaristas que se manifestaram. Além da proximidade por causa da "bala", as polícias defendem a flexibilização do armamento, um dos pilares do bolsonarismo, há ainda a aproximação por causa da "bíblia", com associações de militares e polícias a realizarem cultos evangélicos, outro dos pilares do bolsonarismo, nas suas dependências.

Só as bases das forças de segurança estão, então, com Bolsonaro?
Não exatamente, porque, entretanto, este caso de domingo indica que houve uma falha também na cadeia de comando: temos relatos na imprensa de que a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal tinha passado instruções mas a polícia militar não as cumpriu, logo há participação do baixo clero mas também de cabeças coroadas das polícias, a começar por Anderson Torres [o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e último ministro da Justiça de Bolsonaro]. Como é que ele, recém-empossado no cargo no Distrito Federal, não está em Brasília e sim na Florida, o mesmo lugar em que está Bolsonaro? É muito suspeito, para se dizer o mínimo, que o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro esteja no mesmo local do ex-presidente enquanto isto acontece, ainda para mais quando se viu que nos ataques foram roubadas armas do Gabinete de Segurança Institucional no Planalto. Não é, pois, apenas o baixo clero envolvido - há também elementos do alto clero.

Há mais indícios de conivência dos comandos militares com os invasores?
No Palácio do Planalto há pelotões de soldados em permanência no subsolo. Porque não agiram? Ou seja, pode haver conivência até do comando geral do exército. A passagem dos comandos do exército de Bolsonaro para Lula também não foi pacífica, o que indica muita resistência ao novo presidente. Enfim, tem de se investigar a fundo esta tentativa de golpe, porque o que se passou foi uma tentativa de golpe - eu nunca previ que o bolsonarismo iria fazer um golpe bem-sucedido, mas sempre disse que iria tentar, e foi isso que se viu no domingo.

Havendo participação do "alto clero" das forças de segurança, falar em eventualidade de golpe no futuro não é, então, exagerado?
Ninguém vai individualmente tentar um golpe, mas vai estimular este tipo de convulsão social de forma a tentar, no longo prazo, o pedido de renúncia de Lula... Pode ser essa a tática do bolsonarismo, porque o problema ainda não está debelado. Houve bloqueios em São Paulo e invasão a refinarias em Curitiba hoje [segunda-feira, dia 9] e outras chamadas à convulsão social do tipo numa articulação sem um comando central definido mas que envolve Jair Bolsonaro. Aliás, a meu ver, ele tem de ser deportado dos Estados Unidos o quanto antes. Joe Biden deve reconsiderar a permanência dele.

A ideia é então criar uma situação insustentável para Lula no longo prazo?
Há uma ação articulada para inviabilizar o governo do Lula, de tentar um impeachment ou uma renúncia. O Congresso está muito à direita, ou seja, Lula vai enfrentar um legislativo hostil e venceu as eleições por pouca margem. Deve, portanto, estar atento, porque a sua situação se assemelha às de Collor de Mello e de Dilma Rousseff, ambos derrubados. Vejo uma tentativa de guerra constante para fazer Lula renunciar a partir de uma direita radical, e não só - até alguns dos que assinaram notas de repúdio destes atos ficariam felizes ao vê-lo renunciar. Temos uma situação de guerra.

Mas Lula tem o apoio da comunidade internacional.
É mais necessário do que nunca manter esse apoio democrático internacional da UE, dos Estados Unidos, dos outros países da América do Sul à democracia brasileira e ao seu chefe de Estado legitimamente eleito.

João Almeida Moreira | Diário de Notícias | Imagem: Sebastião Pereira / EPA

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