Vinícius Vieira: "Há uma ação coordenada para provocar guerra constante e fazer Lula renunciar"
Cientista político considera que proximidade ideológica entre manifestantes bolsonaristas e forças de segurança abriu caminho à invasão
Esta barbárie era anunciada?
Esta destruição era anunciada porque a base dos militares e das polícias, muito
permissiva no ataque, é muito próxima dos valores dos bolsonaristas que se
manifestaram. Além da proximidade por causa da "bala", as polícias
defendem a flexibilização do armamento, um dos pilares do bolsonarismo, há
ainda a aproximação por causa da "bíblia", com associações de
militares e polícias a realizarem cultos evangélicos, outro dos pilares do
bolsonarismo, nas suas dependências.
Só as bases das forças de
segurança estão, então, com Bolsonaro?
Não exatamente, porque, entretanto, este caso de domingo indica que houve uma
falha também na cadeia de comando: temos relatos na imprensa de que a
Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal tinha passado instruções
mas a polícia militar não as cumpriu, logo há participação do baixo clero mas
também de cabeças coroadas das polícias, a começar por Anderson Torres [o
secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e último ministro da
Justiça de Bolsonaro]. Como é que ele, recém-empossado no cargo no Distrito
Federal, não está em Brasília e sim na Florida, o mesmo lugar em que está
Bolsonaro? É muito suspeito, para se dizer o mínimo, que o ex-ministro da
Justiça de Bolsonaro esteja no mesmo local do ex-presidente enquanto isto
acontece, ainda para mais quando se viu que nos ataques foram roubadas armas do
Gabinete de Segurança Institucional no Planalto. Não é, pois, apenas o baixo
clero envolvido - há também elementos do alto clero.
Há mais indícios de conivência
dos comandos militares com os invasores?
No Palácio do Planalto há pelotões de soldados em permanência no subsolo.
Porque não agiram? Ou seja, pode haver conivência até do comando geral do
exército. A passagem dos comandos do exército de Bolsonaro para Lula também não
foi pacífica, o que indica muita resistência ao novo presidente. Enfim, tem de
se investigar a fundo esta tentativa de golpe, porque o que se passou foi uma
tentativa de golpe - eu nunca previ que o bolsonarismo iria fazer um golpe
bem-sucedido, mas sempre disse que iria tentar, e foi isso que se viu no
domingo.
Havendo participação do
"alto clero" das forças de segurança, falar em eventualidade de golpe
no futuro não é, então, exagerado?
Ninguém vai individualmente tentar um golpe, mas vai estimular este tipo de
convulsão social de forma a tentar, no longo prazo, o pedido de renúncia de
Lula... Pode ser essa a tática do bolsonarismo, porque o problema ainda não
está debelado. Houve bloqueios
A ideia é então criar uma
situação insustentável para Lula no longo prazo?
Há uma ação articulada para inviabilizar o governo do Lula, de tentar um
impeachment ou uma renúncia. O Congresso está muito à direita, ou seja, Lula
vai enfrentar um legislativo hostil e venceu as eleições por pouca margem.
Deve, portanto, estar atento, porque a sua situação se assemelha às de Collor
de Mello e de Dilma Rousseff, ambos derrubados. Vejo uma tentativa de guerra
constante para fazer Lula renunciar a partir de uma direita radical, e não só -
até alguns dos que assinaram notas de repúdio destes atos ficariam felizes ao
vê-lo renunciar. Temos uma situação de guerra.
Mas Lula tem o apoio da
comunidade internacional.
É mais necessário do que nunca manter esse apoio democrático internacional da
UE, dos Estados Unidos, dos outros países da América do Sul à democracia
brasileira e ao seu chefe de Estado legitimamente eleito.
João Almeida Moreira | Diário de Notícias | Imagem: Sebastião Pereira / EPA
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