sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

O CIRCO DOS GALOS E O INTERROGATÓRIO DA CIA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O circo da UNITA continua imparável. Adalberto da Costa Júnior organizou uma “cerimónia” de cumprimentos de Ano Novo e na presença do chefe Tulinabo S. Mushingi (embaixador dos EUA em Angola) e aproveitou para fazer um balanço. Disse ele: “O ano de 2022 não foi fácil. Foi o ano da mais renhida disputa eleitoral. Pela primeira vez se retirou ao partido que governa a maioria absoluta”. O homem confunde os seus desejos com a realidade. O MPLA ganhou as eleições com maioria absoluta e ele ainda não sabe.

O MPLA sozinho contra o mundo averbou a mais saborosa vitória eleitoral desde que existe democracia representativa. A UNITA gastou os últimos cartuchos para nada. Ficou provado que o Galo Negro não tem a confiança do eleitorado, seja qual for o disfarce com que se apresente ante os angolanos. Adalberto e a UNITA estão fora de prazo. São impróprios para consumo.

E o MPLA o que está a fazer com a sua vitória estrondosa? A entrevista do seu cabeça de lista à Voz da América, instrumento de propaganda da CIA mas apenas para consumo externo, mostra que a direcção do partido foi canibalizada pelo seu líder. O que é gravíssimo quando afirma, sem gaguejar, que vai colocar as Forças Armadas Angolanas sob a pata do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) e até da OTAN (ou NATO) que como se sabe é um pseudónimo do senhores de Washington. A direcção do MPLA deu-lhe carta-branca para tomar tão gravosa decisão para Angola e o Povo Angolano? Se o fez é gravíssimo.

Os eleitores confiaram o voto no MPLA para o partido defender os interesses nacionais e não permitir que o seu líder se ajoelhe aos pés dos EUA. E hipoteque a Independência Nacional. Isto para não falar da sua manifestação pela Liberdade de Imprensa, uma operação pífia que pôs em causa as práticas correctas do partido no sector da Comunicação Social. O Presidente João Lourenço não foi mandatado, nas urnas, para aderir à NATO ou colocar as Forças Armadas Angolanas às ordens de Washington.

O Presidente José Eduardo dos Santos, no discurso de final do ano de 2014 fez um discurso do qual publico este excerto, por der muito actual. Recordem: 

“Quatro anos depois da proclamação da Independência Nacional, faleceu Agostinho Neto, o primeiro Presidente de Angola, quando o país ainda estava em guerra, a Namíbia estava ilegalmente ocupada pelo regime do apartheid da África do Sul e o Zimbabwe oprimido pelo regime de minoria branca racista de Ian Smith.

A República de Angola emergiu assim de um conflito regional longo que o opunha à África do Sul, dirigida pelo sistema do apartheid, a toda a África e em que Angola se encontrava na linha da frente do combate pela libertação total do nosso Continente. 

O apartheid era um regime de minoria branca racista que discriminava a maioria negra e não respeitava os seus direitos civis e políticos. A África e o mundo apoiavam a luta do ANC, dirigida por Oliver Tambo enquanto Nelson Mandela se encontrava na prisão. 

Foi uma época em que o mundo estava dividido em dois blocos: o Bloco Ocidental ou Capitalista e o Bloco do Leste ou Socialista. O apartheid tinha grandes apoios no Bloco Ocidental. As forças amantes da paz e do progresso, e as do Bloco Socialista, apoiavam o povo sul-africano e a África. 

Nesta luta, o apartheid foi derrotado e perderam a face todos os seus aliados e apoiantes. A República de Angola desempenhou um papel de grande relevo ao participar exemplarmente com as FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola) em batalhas de grande envergadura contra unidades do exército sul-africano nas províncias do Cunene e do Cuando Cubango, que ocupavam ilegalmente, e onde foram derrotadas nas localidades do Cuito Cuanavale, Chipa e Calueque.

A batalha do Cuíto Cuanavale foi uma das mais importantes que ocorreram na África ao sul do Sahara, entre Angola e a África do Sul, depois da  IIGuerra Mundial. Nela participaram mais de 24 mil homens. Do lado de Angola combateram mais de nove mil homens, com 62 tanques, 51 carros blindados, 113 peças de artilharia, 288 veículos de transporte, duas esquadras de aviões de combate e uma de aviões de apoio e reconhecimento, uma esquadra de helicópteros de ataque e outra de helicópteros de apoio e resgate.

As vitórias abriram caminho para a assinatura em Nova Iorque, em Dezembro de 1998, do acordo entre Angola, África do Sul e Cuba, sob mediação dos Estados Unidos da América, pondo fim ao conflito regional e permitindo a independência da Namíbia, a libertação de Nelson Mandela e a abolição do sistema do apartheid. Deste modo, foi conquistada a libertação total de África e realizado um dos maiores sonhos do nosso Continente! 

CAROS COMPATRIOTAS,

Como uma Nação orgulhosa da sua História e dos feitos heróicos dos seus filhos, rendemos uma vibrante homenagem a todos os patriotas que com o seu sacrifício e com o seu sangue regaram generosamente a nossa terra para construir a nossa liberdade.

Exprimimos os nossos agradecimentos pela ajuda material e pela solidariedade que nos brindaram os países amigos, individualidades e organizações durante a Luta de Libertação Nacional. Sublinhamos a Argélia, o Egipto, Marrocos, o Congo Brazzaville, a Tanzânia e a Zâmbia. 

Agradecemos e enaltecemos a ajuda internacionalista de Cuba, cuja solidariedade combativa foi decisiva para a resolução do conflito regional da África Austral. Uma palavra de agradecimento à Rússia, herdeira da União Soviética, que colocou a sua pedra na construção de uma grande epopeia nesta parte de África. 

Com o termo deste conflito regional, Angola encontrou os caminhos para a resolução do seu conflito interno. O Governo e a UNITA, depois de um longo percurso entre a guerra e a paz, acabaram por virar para sempre a página da guerra. Falou mais alto a voz dos sábios, dos bravos e das mães que esperavam pelos seus filhos. 

A paz chegou para ficar! O país entrou na via da estabilidade, da paz, da unidade e da reconciliação nacional. Em 2002, iniciámos uma nova marcha sob o signo da esperança e da confiança em nós mesmos. Foi abandonado o princípio segundo o qual a guerra é a continuação da política por outros meios. 

Hoje a política é feita por meios pacíficos e democráticos. Na política não vale tudo. Ela pressupõe o respeito pelo próximo, pelos princípios éticos, morais e cívicos. Felizmente, na luta política pacífica e democrática surgiu uma Constituição moderna ajustada à nossa realidade e que indica como devemos organizar o Estado, a sociedade e a economia.

A Constituição da República define o Estado Angolano como um Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentos a separação dos poderes e a interdependência de funções. Consagra a independência dos Tribunais e a legitimação do poder político através de eleições livres, periódicas e multipartidárias, baseadas no sufrágio universal, e consagra também o respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais, pelo direito de participar em actividades políticas e associativas, assim como uma economia assente nas regras do mercado.

A defesa dos interesses de África é uma prioridade absoluta da nossa diplomacia. Continuamos a desenvolver como no passado uma diplomacia activa e construtiva, tanto no plano bilateral como no multilateral, para fortalecer a amizade e a cooperação e estabelecer parcerias vantajosas para as partes envolvidas.

A roda da História gira para frente e revela as novas facetas, vitórias e sucessos dos que ousam ser perseverantes e determinados. Angola tem condições para continuar a evoluir e ser sempre uma estrela nos céus de África. 

Honremos sempre a nossa História”.

A entrevista do Presidente João Lourenço à Voz da América não honrou a nossa História. Nem honrou sua excelência. O agente que o interrogou tratava o Presidente da República de Angola por “você”. Que falta de respeito! Quando eu era miúdo e tratava minha mãe por você, ela dizia-me: Você é lá na estrebaria onde devias estar. Aqui é Mamã! 

Custou-me ver um careca mental interrogar o Chefe de Estado naquele instrumento da CIA, tratando-o por “você ”. 

A propósito, os conselheiros de Imprensa do Presidente da República acharam mesmo que a Voz da América, um instrumento de uma organização terrorista, era o Media adequado para a entrevista? Puseram sua excelência ao nível do Luaty Beirão e do condecorado Rafael Marques!

Só para esclarecer: Este deve ser o primeiro interrogatório a um Chefe de Estado no instrumento de propaganda da CIA! A Voz da América está proibida, por força da Lei Smith-Mundt, de 1948, de transmitir diretamente para os EUA. Triste. Muito triste. 

*Jornalista

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