sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

A QUALIDADE DO PODER JUDICIAL E DA DEMOCRACIA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Angola é uma democracia assente no pluripartidarismo e na Constituição da República. Por isso, a liberdade de expressão está garantida, sem qualquer constrangimento que não decorra das Leis. Todos os cidadãos angolanos são livres de pertencer aos partidos políticos existentes ou fundar um partido novo. Está garantida a liberdade de estabelecer órgãos de comunicação social e os Media que existem são a prova de uma real e indesmentível Liberdade de Imprensa.

A Constituição da República define a natureza do regime e contém o catálogo das liberdades, direitos e garantias. Quem está fora da ordem constitucional, sofre as consequências previstas na Lei. Os cidadãos que considerem violados os seus direitos, têm ou deviam ter livre acesso à Justiça. O Poder Judicial em Angola, em comparação com outros sectores, foi o que mais cresceu e melhorou desde a Independência Nacional, porque foi o que mais acautelou a formação dos seus agentes. 

No primeiro ano da Independência Nacional contavam-se pelos dedos das mãos, os magistrados judiciais e do Ministério Público, os oficiais de Justiça, os funcionários, os advogados, notários e conservadores. O mapa judicial era diminuto. Apesar da guerra de agressão estrangeira, esta realidade foi sendo alterada ao longo das quase cinco décadas que Angola leva como país independente.

O regime colonialista nunca consentiu em Angola uma Faculdade de Direito. Percebem-se as razões. Mas uma ano depois da Independência Nacional, o Governo começou  a lançar acções que culminaram com a abertura, em Luanda, da primeira escola superior para formar juristas angolanos. A Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra apoiou os esforços do Governo. Nessa cooperação especializada é justo destacar a figura do Professor Doutor Orlando de Carvalho e do Doutor Teixeira Martins.

Desde então, o Poder Judicial foi evoluindo, ainda que sujeito aos inevitáveis constrangimentos da guerra de agressão estrangeira. Hoje Angola tem excelentes magistrados judiciais e do Ministério Público. Tem oficiais de justiça e funcionários de grande competência. Há milhares de advogados espalhados por todo o território. Na esmagadora maioria são competentes, honestos e esforçados. Também existem falsos profissionais e uns quantos desonestos, mas são excepções. O mapa judiciário levou a Justiça aos cidadãos em todas as províncias.

Ainda há muito por fazer e ainda mais para corrigir. A Procuradoria-Geral da República está sequestrada. O Procurador-Geral, Hélder Pita Grós, é apenas um funcionário às ordens de poderes ilegítimos. O Ministério da Justiça desapareceu em combate, desde 20217. A Provedoria de Justiça mergulhou na clandestinidade.. Esta realidade, facilmente comprovável por quem quiser ver, mostra uma realidade inquietante que urge mudar e corrigir.  

O Presidente da República tem o dever de operar as mudanças e fazer as correcções. Os sinais que nos chegam do Palácio da Cidade Alta mostram que não existe essa vontade. Os servidores do Poder Judicial são chamados a recusar interferências do Poder Político que são autênticos atentados ao Estado de Direito e Democrático. A Provedoria de Justiça tem o dever de denunciar imediatamente essa perversão. Remete-se a um silêncio cúmplice e ensurdecedor.

Ninguém tem o direito de pressionar os Tribunais. Isso é socialmente inaceitável, politicamente ilegítimo, manifestamente ilegal e põe em causa o regime democrático. Não é por grupos sociais fazerem manifestações em nome da Justiça e da Liberdade que deixam de ser pressões intoleráveis sobre os Tribunais e os magistrados. Não é por catalogar cidadãos em conflito com a Lei de “presos políticos” que os crimes desaparecem e a responsabilidade civil e criminal é escondida debaixo do tapete. 

O regime democrático exige acima de tudo respeito pelo Chefe de Estado, pela Constituição da República e por um dos seus pilares fundamentais: o Poder Judicial. Mentiras, manipulações e insultos são atentados à liberdade de expressão. Todos os abusos põem em causa valores e princípios que dão expressão e espessura à democracia. Sobretudo o abuso da Liberdade de Imprensa porque é um crime grave contra o Jornalismo e os Jornalistas.

Todos os angolanos são chamados a enfrentar quem quer subverter a ordem democrática. Desde logo, a maioria absoluta que existe na Assembleia Nacional. As próximas eleições são em 2027. Até lá, todos têm de respeitar os titulares dos órgãos de soberania e as instituições democráticas. Não é inteligente nem sensato desafiar a esmagadora maioria dos angolanos. Mas os titulares dos órgãos se soberania eleitos têm de se dar ao respeito. As eleições não são uma licença especial para abusar do poder outorgado pelos eleitores.

Muda o disco. Angola tem mais de 32 milhões de habitantes mas destes apenas sete milhões vivem no mundo rural. As assimetrias são cada vez mais profundas e muitas regiões do interior estão em morte social. Uma tragédia humanitária. Hoje a TPA organizou um debate sobre “como melhorar as condições de trabalho dos professores e assegurar a qualidade de ensino”. 

O Estado assume que este ano lectivo, cinco milhões de crianças ficaram fora do sistema de ensino. Não há a menor dúvida de que a maioria vive no interior. No debate participaram um representante do Ministério das Finanças, um do Ministério da Educação, outro do Ministério da Administração Pública Trabalho e Segurança Social e o Professor Hamilton, dirigente do Sindicato Nacional de Professores.

 No debate ficou claro que pelo menos os representantes dos ministérios que participaram no debate deviam ser demitidos na hora. Tratam a Educação como se fosse uma cantina e os professores cantineiros. Agentes do Estado arrogantes, cínicos, péssimos burocratas a pedirem para serem colocados no Camucuio, hoje mesmo. E ficam lá até à reforma, sem terem direito a ser acomodados pelos padrinhos.

*Jornalista

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