terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Portugal | OS BISPOS QUE NOS PRESTAM CONTAS

Depois do relatório da Comissão Independente, "que através de 512 depoimentos, chegou a cinco mil vítimas prováveis de abuso sexual na Igreja, com uma média de idades de 11 anos", Daniel Oliveira considera que os bispos transmitiram "tímidos e burocráticos pedidos de perdão".

Daniel Oliveira* | TSF | opinião

"Talvez esperem três ave-marias, cinco padres-nossos e seis salve-rainhas como penitência pelos seus pecados. Mas não funciona assim. Os crimes dos abusadores teriam de ser respondidos na justiça se a hierarquia não tivesse passado décadas a ocultá-los, fazendo cada um saltar de paróquia em paróquia, de seminário em seminário, de escola em escola, aumentando assim o número de vítimas", defende o jornalista no seu espaço habitual de Opinião na TSF.

Os cem padres denunciados e que ainda estão no ativo "não são obrigatoriamente culpados", diz Daniel Oliveira, porque "uma denúncia não chega para isso". "Cabe à Igreja avaliar o risco e, nos casos que não seguiram para o Ministério Público, porque prescreveram, afastá-los de menores até se perceber da solidez da acusação."

Segundo o cronista, "tudo isto é o que teria de ser feito em qualquer instituição onde houvesse abusadores de menores, que são muitas".

"O lugar mais perigoso até é - já se sabe - na própria família. Só que não é nada disso que a Conferência Episcopal Portuguesa, que reúne na próxima sexta-feira, tem de debater. E digo que tem de o fazer, apesar de não ser católico, porque isto não é um assunto interno na Igreja. Assunto interno da Igreja é se mantém o celibato e insiste numa moral sexual totalmente desfasada da vida dos seus próprios fiéis. As consequências destes abusos dizem-nos respeito a todos, católicos ou não", sublinha.

Daniel Oliveira explica que o que tornou o abuso num problema "sistémico" - e por isso foi criada a comissão independente para estudar "o fenómeno" - foi a "ocultação organizada e sistemática". "Foi ela que transformou isto em mais do que um problema na Igreja para um problema da Igreja e que faz com que não tenha qualquer sentido continuar a falar da árvore e da floresta."

"Claro que a esmagadora maioria dos sacerdotes e leigos não são abusadores. A questão é o silêncio, a pressão para o silêncio, a estratégia do silêncio. E aí, a responsabilidade recai sobre aqueles 19 bispos, seis bispos auxiliares, 13 administradores diocesanos e 17 bispos eméritos. Todos homens que se encontrarão em assembleia no dia 3 de março. Se o problema está na hierarquia que, durante décadas, criou as condições para a ocultação e, com ela, a impunidade que fez da Igreja Católica um dos melhores refúgios para abusadores, então é ali que tem de procurar os responsáveis", acredita o comentador.

Na opinião de Daniel Oliveira, os bispos que "não colaboraram" ou "resistiram a colaborar" com a comissão independente "têm explicações a dar". "Quem nomeou para responsável para uma comissão diocesana para receber denúncias de abusos sexuais um suspeito de ser abusador tem de esclarecer com foi isso possível. As comissões diocesanas que não apresentaram qualquer caso ou o contributo foi apenas de 26 têm de se perguntar porque as vítimas não confiam neles. E isto é só o aconteceu nos últimos meses. A autorreflexão é bem mais profunda do que isto", afirma.

Na próxima sexta-feira, estará reunida a Conferência Episcopal. Se deste encontro "não saírem mais do que pedidos de perdão e promessas genéricas, esta comissão independente terá sido uma tragédia para a Igreja, porque depois da inspiração que estas denúncias foram para quem sofreu décadas calado, muito mais denúncias vão aparecer. Cada vez mais. E os bispos não terão onde se esconder".

"Ou isto é o começo de alguma coisa, a começar pela responsabilização de quem nada pretende mudar, de quem esconde ou escondeu, de quem soube ou sabe e não denunciou ou denuncia, ou isto é a busca sem medo dos responsáveis pelo encobrimento de um debate sobre as indemnizações às vítimas de mais do que palavras piedosas, ou este será o toque de finados por uma Igreja que está de péssima saúde. Não sou católico e, apesar de preferir uma Igreja organizada em torno de valores que também me são caros às Igrejas empresa que andam a tomar o seu lugar, viveria bem com isso. Só que, mais uma vez, estas décadas de abuso não são um problema da Igreja. Desta vez, os bispos não prestam contas aos fiéis, prestam contas a todos nós. Desta vez, a Igreja não tem séculos para responder a cada pressão que vier de fora. Ou reage ou será devorada pela sua própria culpa", conclui.

*Texto redigido por Carolina Quaresma - TSF

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