Timor-Leste mergulhou em mais um empecilho político. Enquanto o Chefe de Governo aceita qualquer decisão do Presidente da República, o Secretário-Geral da FRETILIN, partido político aliado no Governo, não quer eleições antes de Julho. Uma confusão!
As últimas eleições parlamentares realizaram-se em Maio de 2018.
Por esta razão, em 2023, completando-se cinco sessões legislativas, faz todo o sentido realizarem-se novas eleições no próximo mês de Maio para o Parlamento Nacional.
O Chefe de Estado já ouviu o Governo, os Partidos Políticos com assento parlamentar e outras entidades, nomeadamente a Igreja Católica e a Comissão Nacional de Eleições (CNE). Após reunião com o Conselho de Estado, José Ramos-Horta marcará a data das eleições durante o corrente mês, por força constitucional (Artigo 86º da CRDTL).
Governo e todos os Partidos à excepção da FRETILIN aceitam a decisão do PR
O Chefe de Governo, Taur Matan Ruak, também Presidente do PLP, o primeiro a ser ouvido pelo Presidente da República, após a audiência, com convicção inequívoca, prestou declarações públicas afirmando que o Governo aceita qualquer decisão do Presidente da República. Aconteceu o mesmo com todos os partidos políticos já ouvidos, nomeadamente com o CNRT, KHUNTO, PD, PUDD, Frente Mudança e UDT.
No âmbito deste processo de consulta é muito provável que o Presidente da República, similarmente, vá auscultar também a opinião do Partido Socialista de Timor (PST), por ter grande influência social e por ser um Partido político liderado por um dos mais bem conceituados constitucionalistas de Timor-Leste (Avelino Coelho/Shalar Kosi), para além de que foi um Partido político determinante no processo de organização e mobilização das bases populares na candidatura de José Ramos-Horta a Presidente da República.
Enquanto todos os outros partidos políticos com assento parlamentar aceitam qualquer decisão do Presidente da República, Mari Alkatiri, Secretário-Geral da FRETILIN, referiu que a posição do partido que lidera é de discordância porque “a decisão do Presidente da República tem que ter em conta o artigo 99º da Constituição” e também por razões de ordem técnica e logística, o que me parece uma falsa questão.
As competências do Presidente da República à luz da Constituição
O Presidente da República (PR), José Ramos-Horta, nos termos da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL) marcará o dia das eleições porque esta é uma das suas competências evidentes conforme está explanado no Artigo 86º:
“Compete ao Presidente da República relativamente aos outros órgãos: d) Marcar, nos termos da lei, o dia das eleições para o Presidente da República e para o Parlamento Nacional”;
(Artigo 86º da CRDTL)
A leitura do Artigo 99º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (RDTL) também permite inferir que a legislatura contém cinco sessões legislativas, o que obriga a novas eleições parlamentares:
“A legislatura compreende cinco sessões legislativas e cada sessão legislativa tem a duração de um ano.
O período normal de funcionamento do Parlamento Nacional é definido pelo Regimento.
O Parlamento Nacional reúne ordinariamente por convocação do seu Presidente;
O Parlamento Nacional reúne extraordinariamente sempre que assim for deliberado pela Comissão Permanente, requerido por um terço dos Deputados ou convocado pela Comissão Permanente, requerido por um terço dos Deputados ou convocado pelo Presidente da República para tratar assuntos específicos.
No caso de dissolução, o Parlamento Nacional eleito inicia nova legislatura, cuja duração é acrescida do tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição”.
(Artigo 99º da Constituição da RDTL)
A alegação segundo a qual os deputados terão que ter exercido funções durante cinco anos sem interrupções não me parece ter cabimento, porquanto, quando o Parlamento Nacional não funciona, o Parlamento é substituído pela Comissão Permanente (Artigo 102º da Constituição da RDTL).
De facto, segundo o Artigo 102º da CRDTL:
“A Comissão Permanente funciona durante o período em que se encontrar dissolvido o Parlamento Nacional, nos intervalos das sessões e nos restantes casos previstos na Constituição”, com plenos poderes para acompanhar a actividade do Governo e outras actividades previstas na Constituição”.
(Ponto 1 do Artigo 102º da Constituição da RDTL)
Por outro lado, nos termos do Artigo 100º, no seu Ponto 2, recordo, é referido que:
“A dissolução do Parlamento Nacional não prejudica a subsistência do mandato dos Deputados até à primeira reunião do Parlamento após as subsequentes eleições”.
(Ponto 2 do Artigo 100º da Constituição da RDTL)
Adiar a eleição por razões técnicas é argumentação subjectiva
A meu ver, alegar-se que há razões logísticas e técnicas para adiar as eleições trata-se de uma argumentação muito subjectiva, inválida, na medida em que a Comissão Nacional de Eleições (CNE), a entidade que supervisiona o processo eleitoral, já declarou que está preparada para as eleições, restando ao Secretariado Técnico Administrativo Eleitoral (STAE) cumprir com a suas obrigações e atribuições com competência e determinação.
Também, argumentar que é preciso tempo para capacitar funcionários eleitorais para organizarem a “votação por correspondência” parece-me um raciocínio com pouca consistência. De facto, em um mês de formação, os funcionários existentes ficam mais do que capacitados, pois, afinal de contas, não se trata de fazer um curso superior. Outrossim, mesmo que seja necessário recrutar novos funcionários (mas não creio), há tempo suficiente e de sobra porque ainda estamos no início de Fevereiro de 2023.
Opções do Presidente da República
O Presidente da República, o único cidadão que tem poder discricionário para marcar o dia das eleições para o Parlamento Nacional, pode apresentar razões de ordem legal e constitucional, marcando eleições para Maio de 2023.
Se as razões de ordem legal e constitucional que mencionei não forem suficientes para convencer algumas entidades mais cépticas, José Ramos-Horta tem poderes conferidos pela Constituição para dissolver o Parlamento Nacional em caso de crise institucional, na medida em que não há entendimento entre os partidos que estão no governo, com o surgimento de instabilidade no país, e marcar eleições antecipadas para o mês de Maio, portanto, concretizando mais um passo no processo de Reposição da Ordem Constitucional e Democrática iniciado com a sua candidatura a Presidente da República.
*M. Azancot de Menezes -- PhD em Educação / Universidade de Lisboa
*Publicado em Jornal Tornado
Sem comentários:
Enviar um comentário