sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Portugal | E QUE TAL DEIXAR DE JANTAR FORA À SEXTA-FEIRA?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Aqui há uns dias o CEO do Banco Santander Totta, Pedro Castro de Almeida, depois de apresentar à imprensa os lucros do banco em 2022 (568,5 milhões de euros), tentou limitar ao mínimo possível a possibilidade de aplicar a legislação que permite aos clientes renegociarem os seus empréstimos à habitação para fazerem frente ao aumento das taxas de juro.

Castro de Almeida defendeu que, passo a citar, "nas classes média e média-alta é verdade que há pessoas que se calhar estão a ter de tirar os filhos da escola particular, mas não são pessoas que estejam a passar fome. Quando falamos do aumento das prestações do crédito à habitação não estamos a falar das classes baixas, estamos a falar das classes média e média alta".

Noutro passo alegou, dirigindo-se aos jornalistas: "Podem circular por Lisboa, que estão aqui a jantar fora a uma sexta ou a um sábado de manhã. Podem circular pela rua e continuamos a ver as pessoas com um nível de padrão de consumo, na classe média e média alta, relativamente elevado".

Estão nestas frases considerados três sinais exteriores de "relativa" (para usar a expressão do gestor) riqueza que, segundo Castro de Almeida, distinguem quem pertence à classe média ou média alta dos que são despromovidos para as classes baixa e média baixa: ter filhos numa escola particular, jantar fora à sexta-feira e ter um empréstimo à habitação.

Acontece que temos cerca de um milhão e 250 mil pessoas em risco de pobreza extrema - será que muitos delas não têm, mesmo, um empréstimo à habitação às costas, cujo peso contribui para as empurrar para essa pobreza?... Gostava de apurar isso com rigor, mas adiante, passo à frente.

Imagino um cidadão qualquer que ande aflito por pagar a casa e vá ao Santander (por acaso, avise-se, este é o banco onde tenho conta, mas já paguei a casa onde moro) para tentar renegociar a sua taxa de esforço e reduzir, sei lá, a mensalidade de 400 euros para 350 euros em troca de ficar a pagar o empréstimo durante um período maior do que aquele que foi inicialmente contratado.

Será que, antes de decidir a alteração do pagamento do empréstimo, o gerente do banco pergunta ao cliente por hábitos de consumo "relativamente luxuosos"? Como este de ir ou não ir comer fora?...

E ir ao McDonalds conta como "relativo luxo", ou esse restaurante é para as classes média baixa ou baixa?

E se o cliente for uma vez por semana à cervejaria Portugália, mais cara, já não tem direito de renegociar a forma de pagar o empréstimo?

Será que o banco analisa o movimento de conta do seu cliente para saber os restaurantes que ele frequenta?

E verifica se há outros "relativos luxos" consumistas, como ter filhos num colégio?

E isso é legal?...

Eu até acho que ter os filhos na escola pública é, em quase todas as situações, a medida mais inteligente a tomar para a educação das crianças, mas o problema aqui é outro: Castro de Almeida (e imagino que quase todos os que mandam na banca) pensa que um cliente tem de mudar o projeto educativo que concebeu para o seu filho antes de tentar negociar com o Santander mais anos de pagamento do empréstimo da casa, de forma a reduzir a prestação mensal o que, provavelmente, até evitaria a mudança de escola do menor.

O padrão para este gestor, remunerado a milhão e meio de euros por ano, aceitar renegociar o pagamento dos empréstimos à habitação inclui, aparentemente, obrigar o cliente a passar primeiro por uma hierarquia de cortes de despesas draconianas que começa, nos exemplos dados, pela exclusão da ida ao restaurante e pela retirada dos filhos de uma escola particular. A seguir passará certamente por muitas outras etapas, até chegar ao nível que ele próprio define numa das frases que citei: "passar fome"...

Esta é uma terrível visão da sociedade e uma noção horrível do papel da banca na economia - ser eventualmente caridosa com os famintos, ser naturalmente impiedosa com todos os outros.

Deixo aqui uma conta simples para o leitor refletir: se o Santander tivesse abatido no ano passado 89 euros por mês na prestação da casa a todos os seus 265 mil clientes - valor que poderia recuperar alguns anos mais tarde, com juros - Castro de Almeida não teria apresentado um lucro de 568,5 milhões de euros, teria apresentado um lucro de "apenas" 284,2 milhões...

*Jornalista

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