quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

VERDADES A PRAZO E FORA DO TEMPO -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Tira-me o pão. Tira-me o ar. Mas morro se me tiras o teu sorriso! Isto foi escrito por Pablo Neruda. A CIA derrubou o governo progressista de Salvador Allende no Chile. Aconteceu um banho de sangue nunca antes visto. O poeta foi friamente assassinado pelos esbirros de Washington. Em Paris fizemos uma manifestação gigantesca de solidariedade para com o povo chileno. Um dirigente do MIR denunciou o assassinato de Neruda pelos golpistas capitaneados por Pinochet. Ontem, “especialistas” confirmaram que o poeta foi mesmo assassinado. Mais de 50 anos depois! A verdade chegou quando já não aquece nem arrefece.

Josep Borrel o chefe da diplomacia da União Europeia, disse aos Media que “os russos sabotaram o gasoduto Nord Stream 2 para prejudicar a Europa”. Londres, Berlim, Paris, Estocolmo e Washington fizeram coro. Os Media do “ocidente alargado” amplificaram a propaganda. Hoje sabemos que afinal a sabotagem foi efectuada durante manobras da Marinha de Guerra dos EUA. Uma acção do estado terrorista mais perigoso do mundo.

O gasoduto que liga a Federação Russa à Alemanha começou a ser construído em 2011, para expandir o Nord Stream I  a fim de duplicar a capacidade anual de fornecimento de gás russo para 110 bilhões de metros cúbicos (3,9 triliões de pés cúbicos). Foi concluído em Setembro de 2021. Os Media do “ocidente alargado” inundaram o mundo de “notícias” e comentários contra o projecto. Diziam que a Federação Russa ia obter vantagens geopolíticas e que os EUA perderiam influência política sobre a Ucrânia.

O Nord Stream foi sabotado e os sabotadores atribuíram a sabotagem aos russos! Agora sabe-se quem sabotou. Mas ninguém dá a notícia verdadeira! Hoje a verdade pouco interessa. A guerra da União Europeia, da OTAN (ou NATO), do Reino Unido e dos EUA contra a Federação Russa por procuração passada à Ucrânia está aí. Ucranianos e russos morrem aos milhares. A Ucrânia está destruída. O estado terrorista mais perigoso do mundo ganha biliões. A nazi Úrsula von der Leyen também despacha biliões para os seus sócios ucranianos. Negócios…

A campanha terrorista contra o Poder Judicial vai de vento-em-popa. Na maior. Hoje chegou a vez de enlamear Exalgina Gamboa, presidente do Tribunal de Contas, Os “portais”, redes sociais e outros boçais da aldrabice (até o Maka Angola entrou na operação), controlados pelo Miala, dizem que “o Presidente da República retirou a confiança política à veneranda juíza presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa”.  

Até agora a notícia não foi desmentida pelos serviços da Presidência da República. Para quê? Já se sabe a quem interessa atirar com o Poder Judicial para a lama. Mas também não era preciso envolver directamente o nome do chefe nas “notícias”. Está em curso uma campanha maciça para sanear do Estado, quem for suspeito de pertencer ao MPLA! Em 2027 as obras de demolição ficam concluídas. 

O General José Luís Caetano Higino de Sousa (Zé Grande) foi exonerado do cargo de director-geral do Serviço de Inteligência Externa (SIE). Fernando Garcia Miala não ficou satisfeito com a reacção do exonerado, que se remeteu ao silêncio absoluto. Convocou os seus “portais”, redes sociais e outros boçais e aí vai disto. Leiam o que Miala pôs a circular: “Há muito que Zé Grande estava a ser monitorado pelo Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), chefiado por Fernando Garcia Miala, e já não era consultado por João Lourenço para dossiers sensíveis e relevantes”.

Mais esta: “A exoneração de Zé Grande traz um grande e urgente desafio ao seu sucessor, Matias Bertino Matondo, a refundação do SIE. É preciso devolver a alma, o espírito e o ADN da instituição, que se foi perdendo desde a saída compulsiva de Fernando Garcia Miala, em 2006. Os doze anos sob liderança de André Sango, a chamada Era Sango (2006-2018), não deram continuidade a uma estratégia que vinha sendo implementada por Fernando Miala e sua Task-Force com Miguel André, Conceição Domingas ‘chefe São e Constantino Vitiaka, no período de 1998-2006”. A partir de agora Miala vai mostrar a verdadeira face do mobutismo.

Agora vamos ao princípio do mundo. Entrevistei Lúcio Lara em 1992 e já depois do trabalho ficámos à conversa. Às tantas diz o Herói Nacional: “Gostava de saber quem foi o malandro que convenceu Zé Eduardo de que a democracia burguesa e o capitalismo vão libertar o Povo Angolano”. Paulo Jorge dizia-me: “Não sei onde vai parar este vosso MPLA”. Nessa altura fui com o comandante Xietu a casa de Armando Guinapo. Fiquei alarmado. Os dois estavam radicalmente contra a mudança de regime porque “não foi isto que combinámos!”

Em Cabinda passei noites e noites à conversa com o Comandante Margoso. Fiz-lhe uma entrevista que é um documento histórico. Está publicada no caderno central do jornal “Diário de Luanda”. Fui visitá-lo na sua casa de Luanda e ele estava zangado. Não aceitava a mudança de regime. Disse-me isto: “Mataram a República Popular de Angola para matarem os combatentes da luta armada de libertação nacional”. O comandante Margoso era um revolucionário daqueles que não transigiam nem abdicavam dos seus princípios. Afastou-se radicalmente. Adoeceu e vendeu a casa para se tratar. Não pediu nada ao novo regime!

O Comandante Ndozi ficou em estado de choque com o fim da República Popular de Angola. Foi para o Soyo onde tinha uma pequena fazenda de hortícolas. Adquiriu uma traineira e também se dedicava à pesca. Fui visitá-lo. Não vou reproduzir as suas opiniões sobre a mudança de regime em Angola porque tínhamos liberdades de linguagem que são irreproduzíveis num texto que pode chegar a ouvidos mais púdicos. Ele também dizia: “Não é nada disto. Não foi isto que combinámos!”

Basta. Dezenas (ou mesmo centenas) de antigos combatentes e dirigentes do MPLA não aceitaram a mudança de regime preconizada no Acordo de Bicesse. Afastaram-se. Não quiseram atrapalhar o Presidente José Eduardo e a sua equipa. As eleições gerais operaram a unidade no seio da Grande Família do MPLA. Todos demos o nosso contributo para a tremenda vitória eleitoral em 1992. Mas depois dos votos, cada qual voltou para o seu canto. Não foi isto que combinámos. Democracia burguesa e capitalismo, jamais!

Um tal “Michel”, dono da verdade dos assassinos golpistas do 27 de Maio, ventilou lixo sobre a História e serviu-se de um truque habitual quando esses falsários resolvem absolver os traidores e assassinos fraccionistas condenando as suas vítimas. Fazem de conta que Angola em 1977 era como hoje. O regime era o de hoje. A Constituição da República era a de hoje. O Poder Judicial estava de pé. Os Tribunais existiam aos pontapés. Os magistrados judiciais e agentes do Mistério Público eram aos milhares. Mentias hediondas. O regime era revolucionário. Imperava a Justiça Popular Revolucionária. Angola estava em guerra contra invasores estrangeiros entre os quais o regime racista de Pretória. Verdadeiramente só funcionavam as FAPLA!

O “Michel” usou o truque de uma forma criminosa. Diz que os comandantes Nodzi e Margoso, depois do 27 de Maio de 1977, foram afastados e ostracizados. Falsidade insultuosa. Eles afastaram-se! Cortaram com o regime. Porque “não foi isto que combinámos”. 

A UNITA tomou o Soyo em 1992. O Comandante Ndozi conseguiu escapar dos que tentaram matá-lo. Quando soube que ele estava em Luanda fui a casa do tio, na Ilha, onde ficou alojado. Encontrei-o debilitado e doente. Quis levá-lo para o hospital mas teimosamente recusou. Fui ao Hospital Militar e falei com o director, meu amigo do bairro. Enviou imediatamente uma ambulância e uma equipa médica para socorrer o Comandante Ndozi.

Algum tempo depois foi transferido para Portugal onde esteve em tratamento médico até falecer. Nunca foi abandonado pelo Estado e muito menos pela família. Ele, sim, afastou-se quando acabou a República Popular de Angola. Quem lutou pela liberdade e a dignidade de um Povo não transige com as aldrabices da democracia burguesa nem se deixa embalar pelos cantos de sereia do capitralismo, sempre assassino, sempre selvagem. O Papa Francisco diz que este capitalismo, que estamos com ele, mata!

O tal “Michel” (um porco que ventila porcaria sobre o MPLA e sobre gente honrada que, ao contrário dele, serviu a Pátria Angolana) diz que o General Higino Carneiro não conheceu Nito Alves. E o porcalhão conheceu? De onde? Quando era professor de posto nos Dembos? Quando usurpou o cargo de comandante? Quando se apresentou em Luanda como representante da I Região sem que o Comandante Kiluanje o tivesse mandatado? 

O “Michel” sabe que a actual liderança do MPLA não vai publicar os depoimentos escritos de quem fazia parte da direcção política e militar do golpe de estado em 27 de Maio de 1977. Provavelmente esses documentos foram destruídos a mando de João Manuel Gonçalves Lourenço e Francisco Queiroz para cometerem aquele crime sem nome que foi dar cobertura de Estado à “verdade” dos assassinos golpistas: As vítimas hoje são assassinas e os assassinos são as vítimas. Por isso, o Estado Angolano pediu perdão aos golpistas e excrementou os Heróis que enfrentaram o golpe de estado militar.

Alto lá! O “Michel” não sabe que o depoimento escrito de Nito Alves no Tribunal Marcial estava arquivado num local diferente dos outros. E foi encontrado por alguém que não se vende, não pactua com o banditismo mobutista e não se rende. O depoimento manuscrito pelo golpista assassino está a salvo. Eu li tudo. E tomem nota. Depois de declarar como participou no golpe, assinou e datou o documento. Horas mais tarde pediu papel e caneta para escrever mais. Começa assim: “Perguntaram-me quem ordenou as mortes dos comandantes das FAPLA. Eu esqueci-me de responder. Digo agora que foi José Van-Dúnem e Sita Vales”. 

Os falsificadores do mobutismo reinante não vão conseguir matar a História Contemporânea de Angola.

*Jornalista

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