Artur Queiroz*, Luanda
No dia 23 de Março de 1988, Angola, África e o Mundo triunfaram sobre os racistas de Pretória. O mês começou mal para os invasores. Intensas chuvas com vento “arrasa capim” inundaram as chanas do Cuando Cubango. As tropas do apartheid e o seu biombo UNITA prepararam nessa altura e com essas condições atmosféricas o assalto final ao Triângulo do Tumpo onde as FAPLA se batiam heroicamente contra os invasores.
Aos primeiros minutos do dia 1 de Março, Mike Muller, comandante do 61º Batalhão Mecanizado sul-africano pediu o adiamento do ataque porque considerou as condições “muito adversas”. O seu superior, coronel McLoughlin, aceitou. Às 7h30 a artilharia das FAPLA atacou a posição dos tanques sul-africanos. Mike Muller recuou para posições mais seguras. Às oito da manhã desse primeiro dia de Março, com o céu carregado de nuvens, quatro obuses de “BM21” das FAPLA atingiram um camião de apoio “61 Koppie”. A desorientação instalou-se entre o inimigo. Os que integravam o biombo da UNITA fugiam espavoridos.
Às 11h25 do dia 1de Março de
1988, os “MIG” da Força Aérea Nacional aproveitaram uma aberta no tecto de
nuvens baixas e atacaram os invasores. Alguns minutos depois, os mísseis
“Stinger”, fornecidos pelos Estados Unidos da América à UNITA, entraram em
acção e Mike Muller avançou com os tanques em direcção ao Triângulo do Tumpo.
Este relato está detalhado no livro “War in Angola – The Final South Africa
Phase” do especialista sul-africano em assuntos de Defesa, Helmoed Roemer
Heitman.
Às 13h55 do dia 1 de Março, a
força de Mike Muller estava a pouco mais de dois quilómetros do Triângulo do
Tumpo. Os invasores já viam a ponte sobre o rio Cuito e as árvores gigantes à
entrada da aldeia de Samaria. Um veículo sapador sul-africano accionou várias
minas. A reacção das FAPLA foi contundente. Dispararam com os morteiros de
Mike Muller respondeu com
morteiros de
Nessa ocasião, a tropa de Jonas Savimbi já tinha desaparecido. Para “abrir caminho”, a artilharia dos invasores disparou 500 obuses contra as posições das FAPLA. No auge da batalha, o próprio tanque “Ratel” do comandante Mike Muller foi atingido numa roda. Uma antena foi arrancada pelo fogo das FAPLA.
O tanque de outro oficial
sul-africano, Tim Rudman, também ficou debaixo de fogo. Um obus de morteiro de
Segundo Heitman, a situação era “muito grave”. Mas ia piorar para o lado dos racistas sul-africanos. Uma equipa de reconhecimento dos invasores informou que os tanques das FAPLA foram abastecidos de combustível e munições na aldeia de Samaria e avançavam para o Triângulo do Tumpo.
A população de Samaria nunca abandonou a sua terra e teve um papel importante nos combates no Tumpo e na Batalha do Cuito Cuanavale. As Forças Armadas Angolanas (FAA) têm para sempre a gente Samaria entre aqueles a quem agradecem a ajuda.
O coronel McLoughlin ordenou ao
32º Batalhão que retirasse ordenadamente e aguardasse novas ordens. Mike Muller
estava a enfrentar graves problemas mecânicos nos seus tanques e ordenou a
retirada para longe do teatro de operações. Mas um outro “Ratel” foi atingido
por uma salva de
O coronel McLoughlin contactou de imediato os generais Liebenberg e Meyer. Fez o relato do desastre. A tropa da UNITA tinha desaparecido. Por isso o criminoso de guerra Abílio Camalata Numa hoje diz que a Batalha do Cuito Cuanavale nunca existiu. Ele fugiu muito antes dos combates.
A artilharia das FAPLA atacava com muita força. O comando sul-africano ordenou então a retirada de Mike Muller, que comandava a força principal. A derrota era evidente. “Mike Muller resumiu concisamente o resultado: o inimigo é forte e astuto. Apesar de não terem uma força poderosa na cabeça-de-ponte, as FAPLA possuíam um forte dispositivo de artilharia que fez a maior parte da luta. Planearam e executaram a sua defesa, seguramente de forma muito inteligente”, diz Heitman no seu livro.
Às 17h00 do dia 1 de Março de
1988 o coronel McLoughlin desistiu do ataque ao Triângulo do Tumpo e Mike
Muller regressou ao ponto de partida.
Operação Hooper
No dia 2 de Março os invasores estavam a digerir a derrota. O brigadeiro
Smith, o coronel McLoughlin e outros oficiais sul-africanos estavam no posto de
comando e discutiam as operações para o futuro. O brigadeiro e o coronel
decidiram voar para a base do Rundo, na Namíbia ocupada. Regressaram no dia
seguinte e traziam ordens de retirar a Bateria Quebeque. As baterias “Romeo” e
“Sierra” continuavam no teatro de operações, mas só atacavam de noite. De dia
ficavam escondidas junto à nascente do rio Chambinga.
No dia seguinte chegou à nascente do Chambinga a 82ª Brigada para render o pessoal. O coronel McLoughlin saiu de cena e entregou o comando táctico ao coronel Fouché. O derrotado passou a pasta a um perdido. Mike Muller teve o mesmo destino: Voltou para casa derrotado.
No dia 6 de Março o 4º Batalhão de Infantaria da África do Sul retirou. Os invasores foram mais uma vez escorraçados e terminou a Operação Hooper. O apartheid continuava atolado, desta vez nos pantanais do Triângulo do Tumpo.
Nas guerras a natureza é também
adversário ou aliado. “Hooper” é um pássaro dos pântanos. Naquele dia o pássaro
não emprestou as suas asas aos invasores para voarem do Triângulo do Tumpo até
à vila do Cuito Cuanavale. Estava do lado da Humanidade e da Justiça.
Pilotos Ousados
No dia 9 de Março de 1988, ao fim da tarde, um MIG 23 da Força Aérea Nacional
bombardeou uma unidade dos invasores na nascente do rio Lomba. O comando
sul-africano ficou “muito preocupado”, diz Heitman, pelo ataque inesperado, mas
sobretudo “porque foi um ataque muito audacioso”. Os militares angolanos batiam
onde mais doía e estava traçado o início dos graves problemas que os racistas
de Pretória tinham de enfrentar no Triângulo do Tumpo. Já tinham os pés na
lama, mas haviam de ficar enterrados até ao pescoço.
“O general Meyer começou a ficar
impaciente porque o próximo ataque contra o Triângulo do Tumpo podia nem ter
lugar. A 9 de Março, manifestou a sua preocupação, ao enviar uma mensagem de
desagrado aos homens no terreno, devido às demoras, tendo enfatizado que a
situação só beneficiava as FAPLA, que podiam aproveitar o tempo para melhorar a
sua defesa. Também estava preocupado com a situação internacional, que podia
obrigá-los a retirarem-se do teatro das acções combativas antes que a missão
tivesse sido levada a cabo” escreveu o especialista Heitman no seu livro.
Carne para Canhão
O coronel Fouché decidiu fazer um ataque em força entre 20 e 22 de Março. Mas, na sua opinião, os oficiais e soldados “brancos” tinham de ficar de fora. Apenas entravam em combate, aqueles que fossem indispensáveis. A lógica do chefe dos invasores era a seguinte: “É preciso evitar ao máximo que jovens boers continuem a morrer por uma causa nebulosa e pouco convincente”, escreve Heitman no seu livro.
Fouché apresentou o seu plano aos oficiais da UNITA que, como sempre, deram o seu acordo. Estava garantida a carne de cidadãos angolanos para os canhões do regime racista de Pretória. Assim, inutilmente e sem glória, se perderam muitas vidas humanas, que nunca seriam choradas na África do Sul do apartheid.
No ataque ao Triângulo do Tumpo
também participaram o Batalhão Búfalo, constituído por angolanos do biombo, e
mais dois esquadrões de tanques do 61º Batalhão Mecanizado. Fouché e os
oficiais da UNITA fizeram “um plano provisório” que depois entregaram ao
brigadeiro Smith, para aprovação superior. Mas os invasores e a tropa de
Savimbi tinham uma surpresa reservada. As FAPLA começam a pressionar a
retaguarda das tropas inimigas, desferindo golpes mortíferos de aviação. Dois
MIG atacaram o Regimento Mooi Rivier na noite de 10 de Março.
No dia seguinte, o posto de comando da 82ª Brigada sul-africana avançou para o Cuito e o 61º Batalhão Mecanizado foi para a “área de desmobilização”. O Estado-Maior da 82ª Brigada separou-se do Estado-Maior da 20ª Brigada e no dia seguinte a 20ª Brigada retirou-se em direcção ao Rundo, no então Sudoeste Africano, hoje Namíbia.
A 13 de Março foi declarado o fim
oficial da Operação Hooper. Estava na hora de “embalar” tudo e regressar a
casa. O Cuando Cubango já não era um “campo de treinos” para os cadetes boers
das escolas militares.
Operação Packer
O alto comando sul-africano ordenou então o início da “Operação Packer”. Foi o
último folego dos invasores. A 82ª Brigada, cujas tropas fizeram treinos em
Bloemfontein entre 10 e 26 de Fevereiro, recebeu ordens para entrar
O coronel Fouché assumiu pessoalmente o comando dos ataques ao Triângulo do Tumpo. O derrotado Mike Muller foi substituído por um tanquista experiente, o comandante Gerhard louw, e Boet Schoeman foi nomeado comandante adjunto. Mas o Triângulo do Tumpo era intransponível. Morteiros e canhões anti-tanque estavam prontos para rechaçar qualquer força que tentasse penetrar.
Nas posições principais das FAPLA
estavam cinco “GRAD”. Por trás das forças de Infantaria estavam preparados dez
tanques, escondidos nos refúgios. Os engenheiros angolanos fizeram campos de
minas, algumas não convencionais, em todas as entradas possíveis. O rio Tumpo e
os seus afluentes eram obstáculos naturais intransponíveis num mês de Março
particularmente quente e chuvoso. A artilharia e infantaria angolanas tinham
muito poder. As forças defensoras das FAPLA tornaram-se invencíveis.
Dia da Decisão
Os invasores sul-africanos colocaram no campo de batalha os artilheiros do
Regimento da Universidade de Potchefstroom, a elite da sua artilharia. O
derradeiro ataque ao Triângulo do Tumpo recebeu o nome de Operação Packer. O
brigadeiro Smith marcou o ataque para 23 de Março. O coronel Fouché pediu que a
data fosse adiada para o dia 25, porque estava a enfrentar “grandes
dificuldades logísticas”. Os MIG da Força Aérea Nacional não descansavam e
atacavam com frequência as colunas de reabastecimento. O brigadeiro recusou o
adiamento da acção.
No dia 18 de Março os sul-africanos perderam duas pontes móveis de engenharia, atingidas por “fogo amigo” dos canhões “G5”. A desorientação começou a apoderar-se dos invasores. E foi nesse estado que partiram para a batalha final.
Os racistas de Pretória atacaram
com tudo: A 82ª Brigada, com mais dois esquadrões de tanques do Regimento
Presidente Steyn, um esquadrão de carros blindados do Regimento Mooi Rivier,
dois batalhões de infantaria motorizada do Regimento de
Os “Mirage” da força aérea
sul-africana começaram a atacar no dia 19 de Março. Durante o ataque um
“Mirage”, pilotado pelo major Willie van Coppenhagen, foi atingido e
despenhou-se na área do Cavango. A 22 de Março a 82ª Brigada avançou para o
Triângulo do Tumpo. A infantaria da UNITA ia atrás. Abílio Camalata Numa fugiu
para uma posição a
Às quatro da manhã do dia 23 de
Março de
Resposta Fulminante
As forças armadas angolanas responderam ao ataque do inimigo às sete da manhã,
a norte da nascente do rio Dala. Dez minutos depois desta acção, entraram em
acção os artilheiros do Regimento da Universidade de Potchefstroom, que
bombardearam o Triângulo do Tumpo.
Às oito da manhã, as FAPLA responderam com o flagelamento à força principal de ataque dos invasores. Às 8h35 um tanque “Oliphant”, no flanco direito da linha de ataque, accionou uma mina não convencional feita com uma bomba da aviação! Ficou fora de combate.
Entre as 11h30 e as 11h50 os “G5”
dispararam contra o posto de comando avançado das FAPLA
As FAPLA reagiram em força e às
12h45 Louw retirou. O 5º batalhão regular da UNITA sofreu severas baixas e os
sobreviventes entraram
Às 13h46 os “Oliphant” entram num
campo de minas. Dois ficaram destruídos. Louw tentou atacar de novo, mas mais
uma vez foi travado. Às 13h48 Louw informou o comando que os tanques estavam
sem combustível. Andaram às voltas para evitar os campos de minas o que levou a
um gasto anormal de combustível.
Contributo dos Engenheiros
O excelente trabalho realizado pelos engenheiros das FAPLA na criação de
obstáculos contra a infantaria mecanizada e a técnica blindada do inimigo
atingiu o seu ponto culminante: Os super tanques “Oliphant” estavam confinados
aos campos de minas, consumindo combustível, enquanto procuravam uma saída, no
labirinto, totalmente à mercê da artilharia e da aviação angolana.
Louw viu vários “Oliphant”
atingidos. Deu ordens para que todos fossem retirados. Mas apesar dos esforços,
três tanques foram abandonados. Eu e o repórter Paulino Damião “
O general Meyer enviou um telex ordenando que o Coronel Fouché se assegurasse que os três “Oliphant” abandonados eram destruídos. Mas isto já não foi possível. Os invasores, derrotados, retiraram para Mavinga, vergados ao peso da derrota. Até final de Março, todas as unidades invasoras abandonaram Angola.
O regime de apartheid ficou enterrado no Triângulo do Tumpo. A Humanidade deve aos angolanos a libertação de Mandela, a instauração da democracia na África do Sul e a Independência da Namíbia. Março de 1988 foi o culminar do ano que mudou a face do continente africano. Por isso hoje, dia 23 de Março, é o Dia da Libertação da África Austral. Dedico este trabalho à memória do General José Domingues (Ngueto) e a todos os Heróis Nacionais que se bateram contra os invasores estrangeiros no Cuando Cubango e na Batalha do Cuito Cuanavale. Ao General Fernando Amândio Mateus (Nando Cuito) e à direcção do Fórum dos Combatentes da Batalha do Cuito Cuanavale (FOCOBACC) os meus agradecimentos pela colaboração.
*Jornalista
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