domingo, 28 de maio de 2023

Portugal | Bloco de Esquerda. Convenção da transição centrada em ataques ao PS

Catarina Martins fez último discurso aos militantes do BE enquanto coordenadora do partido, prometendo que está apenas a "tomar balanço para o futuro".

Catarina Martins fez ontem o discurso de despedida da liderança do Bloco de Esquerda e hoje o que se espera, na XIII Convenção Nacional partido, a decorrer no pavilhão do Casal Vistoso, em Lisboa, é que lhe suceda no cargo a deputada Mariana Mortágua, delfim política (e até académica) do fundador e líder histórico do partido, Francisco Louçã.

Nas intervenções que ontem as duas fizeram o tom de foi de samba de uma nota só - ou seja, forte concentração de críticas no PS.

Catarina Martins acusou os socialistas de usarem "o aparelho do Estado" e, ao mesmo tempo, perderem-se "em guerras internas", assistindo o país "incrédulo" a "um governo paralisado e enredado nos seus próprios erros".

Segundo acrescentou, o PS de António Costa pode até "vitimizar-se" mas "não foram a covid e a guerra que criaram as dificuldades atuais" nem "nenhuma oposição que criou qualquer dos problemas que os ministros inventam". O que se passa é que os socialistas "se entretém uma degradação da vida pública", sendo agora o PS o partido "padrasto de todo o populismo": "Mesmo no confronto com a extrema-direita, na defesa de valores de dignidade e respeito, da igualdade e das liberdades, ao negar as condições concretas do salário, do serviço público, da habitação, ao fazer dos serviços secretos um misterioso joguete, ao propor restrições constitucionais perigosas, o PS está a contaminar todo o debate democrático e a estender a passadeira ao regresso dos piores fantasmas do passado."

Porém, disse ainda Catarina Martins, é "preciso constatar que esta triste telenovela da crise governamental é a menor das adversidades do país". A maior dificuldade, continuou, é "um modelo de economia e de injustiça social que destrói Portugal", com "baixos salários e alta especulação", lamentando um modelo de economia "devorada pelo turismo, mesmo que quem o sirva já não tenha onde morar" e "onde nunca há regadio intensivo a mais, mesmo que a seca se agrave a cada ano que passa".

A líder cessante aproveitou para reafirmar que no seu entender o BE fez bem em chumbar o OE2022 - facto que, conjugado com o voto contra do PCP, deu origem à crise política que nas legislativas de janeiro de 2022 daria ao PS a sua atual maioria absoluta.

"Fizemos o que tínhamos de fazer e voltaríamos a fazer o mesmo enfrentamento com o Governo nos Orçamentos a propósito da saúde e dos direitos laborais", defendeu Catarina Martins. Acrescentando: "Não nos arrependemos da coerência. Que ninguém se engane sobre quem somos e como somos: respeitamos quem tinha votado no Bloco e que, por medo da direita ou por preferir uma maioria absoluta, apoiou o PS há um ano; mas faremos sempre o mesmo que nos disserem para escolher entre uma conveniência partidária e o cuidado que a democracia deve ao SNS ou ao direito de quem trabalha."

Catarina despediu-se pedindo aos congressistas que não ouvissem este discurso como "uma despedida". "Termino um mandato, continuo a caminhar aqui. Como sempre. E se olho este percurso, muito mais do que balanço do passado, quero tomar balanço para o futuro", disse, recordando que, ao longo de uma década, deu com a sua equipa "uma volta ao mundo de carro e comboio por cada ano, talvez duas em ano eleitoral." Nas listas que hoje serão votadas, Catarina Martins ficou em 7º lugar na que é encabeçada, à Mesa Nacional (o "parlamento" do partido), por Mariana Mortágua.

Esta, ao discursar, defendeu que "levar o país a sério" é dizer aos portugueses que não estão condenados "ao vexame" que "a maioria absoluta impõe", considerando que "o pântano supera-se com democracia". "Levar o país a sério é dizer ao povo que não estamos condenados à degradação e ao vexame que a maioria absoluta impõe a Portugal", disse.

Para a bloquista "não há atalhos" e o "ódio combate-se com esperança", assim como o ressentimento se cura "com respeito". "O pântano supera-se com democracia e não com uma chantagem ridícula que acusa de populista qualquer voz crítica do PS ou do Governo", apelo, dizendo também que "o dever da esquerda é recuperar forças, unir as vontades sociais que não desistem de lutar por uma vida boa". "O dever da esquerda é ser unitária e combativa, é falar claro e é mobilizar o povo", enfatizou.

Pedro Soares, o líder da oposição interna (encabeça uma lista à Mesa Nacional), criticou a direção afirmando que o BE perdeu "influência política e social" com a geringonça, secundarizando o seu programa: "Estamos aqui porque queremos lutar pelo diálogo e pela pluralidade. Por um Bloco com uma política de esquerda, polarizadora, com compromissos claros. Sim, com linhas vermelhas claras que não dê cobertura a uma espécie de social-democracia fora de tempo, cada vez mais liberal."

João Pedro Henriques | Diário de Notícias

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