domingo, 28 de maio de 2023

Portugal | COSTA, O DEMAGOGO

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião 

Há o homem do saco, há o papão, Alberto João Jardim tinha o "continête" e há o populismo. Vá. Quietos e caladinhos, comam a sopinha toda se não vem lá o populista e se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Realmente, este permanente agitar da bandeira deste ismo do século XXI é história para criancinhas comida ao pequeno-almoço. António Costa chama populista a tudo o que mexe: a Rui Tavares, a André Ventura, a Joaquim Miranda Sarmento.

Como se fosse tudo farinha do mesmo saco. Será? Se calhar até é. Inclusive o próprio PS.

Já o bloco de esquerda faz uma Convenção Nacional com o mote de combate ao populismo. Também desfila o pseudo-comentário áudio-visual sobre os perigos dos extremismos populistas. Sobretudo, o presidente da Assembleia da República gosta de insistir nesta tecla e ainda agora numa reunião da JS falou da "contaminação populista, sobretudo através do emocionalismo".

Nestes tempos, quem depois das "horas e horinhas", computadores misteriosos e bicicletas voadoras fala de lodaçal é radical. Quem lembra os velhotes aflitos é um instrumentalizador manipulador rasteiro. Quem recorde o caos nos partos é um latino-americano furioso. Afinal, o primeiro-ministro pretende aniquilar de vez o primado da política?

Mas a sério que acreditam que se, por artes mágicas, pela fada madrinha, desaparecesse o populismo, também sumia, súbito, a inflação, a implacável subida dos juros, as contas, rendas e facturas impagáveis? Eclipsava-se a degradação do SNS ou da Escola Pública? Por favor. Que creiam na fada madrinha ainda é como o outro. Já fazer fé de que o populismo é o nosso principal problema é de bradar aos céus. Esta centralidade dada a estes ditos extremismos na arena pública é areia para os olhos. O velho truque do bode expiatório. Aliás, no limite, toda a Política é Populista já que toda a Política visa conciliar interesses, responder às necessidades dos cidadãos, lançar um rumo. Ou, como se pode ler no dicionário: "Populismo é a doutrina ou prática política que procura obter o apoio popular através de medidas ou discursos que, aparentemente, são favoráveis ou agradam às massas". Agradar as massas. Soa bem, ainda que Populista não signifique Popular e que, muitas vezes, se confunda (propositadamente) populismo com demagogia.

Ou seja, do que a política precisa, como pão para a boca, não é destas histórias da carochinha, mas de uma maior independência relativamente aos poderes fácticos, de alternativas de desenvolvimento económico e social, de salubres contendas e debates.

De resto, é justamente porque essa autonomia não existe, porque essas propostas e soluções são uma miragem, que as demagogias levedam. Se há algo que engorda os discursos e as acções que manipulam as paixões do eleitorado para a conquista fácil de poder político é a debilidade desse mesmo poder, é os políticos que ocupam a cadeira serem corruptos, meros taticistas, incapazes de reformas e mudanças estruturais, em permanente genuflexão ao statu quo. É a pobreza e a injustiça que cospem os desiludidos e desamparados para as bocarras das demagogias e não o oposto.

Enfim, nem os demagogos têm o lugar central que estes políticos perdidos querem que pareça, nem a promessa de oclocracia se combate ignorando o elefante no meio da sala. Ou seja, mais demagogo que António Costa é mesmo difícil.

*Psicóloga clínica.
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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