quinta-feira, 4 de maio de 2023

Portugal | “É preciso ter calma”, diz Marcelo. E agora, vai fazer o que ainda não foi feito?

João Pedro Barros, editor on-line | Expresso (curto)

Bom dia,

A habilidade de Marcelo, já todos sabemos, é grande: mesmo a gerir silêncios, consegue ser ruidoso. A saída do Palácio de Belém ontem à noite, para jantar e comer um gelado, teve um caráter tão coreográfico como aquela célebre ida ao Multibanco depois do chumbo do Orçamento do Estado, em outubro de 2021. Talvez tenha sido um pouco menos críptica, porque há uma certeza: Marcelo vai falar, quando é que não se sabe. “Talvez um destes dias, amanhã ou assim”, atirou aos jornalistas.

O país fica em suspenso: neste evidente jogo de xadrez entre São Bento e Belém, a próxima jogada é de Marcelo. Olhando para a agenda do Presidente, há uma deslocação a Londres já amanhã, para assistir à coroação de Carlos III, no dia seguinte; depois há uma ida a Espanha, para a entrega do Prémio Europeu Carlos V a António Guterres, na terça-feira, de onde deve seguir para Estrasburgo. Isto faz com que o dia mais livre de agenda seja precisamente o de hoje, mas, como sabemos, o Presidente da República não precisa propriamente de um púlpito para se dirigir ao país – a não ser que se decida por algo mais drástico, como a dissolução do Parlamento ou a demissão do Governo.

Quando Marcelo é criticado tantas vezes por falar demasiado, não deixa de ser irónico que se esteja agora a ler o seu silêncio como especulativo – mas a verdade é que este vácuo permitiu que não haja um único português sem opinião sobre o assunto nem um comentador político que não tenha tentado ler a sina do país. O problema é que, depois da surpreendente cartada de Costa de anteontem à noite, é difícil excluir qualquer cenário, ainda que a maioria dos analistas (contas minhas, feitas a olho) ponha de parte os dois cenários mais drásticos de que falo acima.

Terá Marcelo deixado pistas sobre o que vai fazer a seguir? Talvez ao citar Pedro Abrunhosa: “É preciso ter calma, não dar o corpo pela alma”. E Costa, terá pensado “Não posso mais” ou, pelo contrário, em “Não desistas de mim”? Se o Presidente optar por uma jogada de alto risco, irá fazer o que ainda não foi feito: seria a primeira vez que um Governo com maioria absoluta, de um só partido, ficava a meio do caminho.

Entre os textos de opinião que temos no site do Expresso sobre o tema, destaco o do Bernardo Ferrão, que vê Costa a ganhar no curto prazo mas com dificuldades no horizonte: “Se há certeza que resulta da noite de ontem é que haverá eleições antecipadas, só não sabemos quando”, escreve o diretor-adjunto da SIC. Daniel Oliveira pensa que Costa quer o “tudo ou nada” – ou Marcelo “o deixa em paz” ou “marca novas eleições” – e sublinha o desacerto de Galamba na reação a um desentendimento dentro do seu gabinete, em que parece ter escolhido “atirar tudo para a ventoinha” (leia-se, para a comunicação social). Paulo Baldaia nota outra ironia: Marcelo Rebelo de Sousa promoveu “o debate sobre a utilização da bomba atómica” e está agora “praticamente impedido de a usar”. O comentador e autor do Expresso da Manhã fala de um movimento de “duas placas tectónicas” com consequências ainda difíceis de prever.

Depois do terramoto de terça-feira, com a recusa de Costa em demitir o ministro das Infraestruturas, seguir-se-á um grande sismo ou um abalo de menor escala? Para já, o dia de ontem foi de acalmia, com uma série de “réplicas” que não fizeram manchetes, mas mostram como os vários intervenientes se procuram posicionar neste terreno movediço.

Luís Montenegro ensaiou um discurso mais duro – acusou Costa de “tentar provocar eleições antecipadas sem ter coragem de o dizer” –, mas foi o líder que mais tempo demorou a falar do caso e continuou sem pedir eleições antecipadas, numa atitude dúbia que pode não ser bem assimilada pelo seu eleitorado. Mais claro parece ter sido o sinal dado no almoço com o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha. Em entrevista à SIC Notícias, Rocha admitiu que o objetivo foi abrir um canal de comunicação para um futuro entendimento, mas sem alianças pré-eleitorais.

Num plano mais técnico, o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações considerou que a atuação do SIS no caso do computador do assessor Frederico Pinheiro “não permite concluir no sentido de ter havido uma atuação ilegal”, mas não há uma explicação sobre que legislação dá cobertura a esta ação. O facto já motivou reações políticas, nomeadamente de André Ventura, que frisou que a entidade é composta por uma ex-ministra de Costa, Constança Urbano de Sousa, e um ex-secretário de Estado da Justiça no mesmo Governo, Mário Belo Morgado (há ainda um terceiro elemento, o deputado do PSD Joaquim Ponte).

Mais notas do dia: foi João Galamba quem ligou ao diretor da PJ a fazer queixa do extravio do computador mais famoso do país e o próprio Luís Neves revelou que a polícia que dirige está a trabalhar com o DIAP de Lisboa no caso e tem o equipamento na sua posse. Entretanto, Galamba será ouvido "com urgência" na Comissão de Inquérito à TAP, aonde também vai Frederico Pinheiro e cujos deputados vão ter acesso ao conteúdo relevante do computador do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas. Também com urgência, vão ao Parlamento a secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e o diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS).

Não há dúvidas de que a primavera vai ser quente. E hoje – dia de plenário no Parlamento e de Conselho de Ministros descentralizado em Braga – ainda é apenas o segundo dia depois de Costa ter virado o jogo político ao contrário.

OUTRAS NOTÍCIAS

Mais TAP – Marcelo foi beneficiado em voos da companhia? PS trava requerimentos que peçam diretamente mensagens da Presidência.

Ventura na Hungria – O líder do Chega participa hoje e amanhã na Conferência de Ação Política Conservadora, em Budapeste, onde se vai sentar ao lado de representantes de vários partidos da extrema-direita europeia com posições ambíguas em relação à Rússia.

Insulto no Parlamento – A Iniciativa Liberal, que há poucos dias pediu ao presidente da Assembleia da República que se retratasse após ter criticado o comportamento do partido na sessão com Lula da Silva, convidou dois youtubers a visitar a Assembleia da República. Um deles, Tiago Paiva, acompanhado pelo deputado Bernardo Blanco, insultou o primeiro-ministro no púlpito e apelidou a ex-deputada Joacine Katar Moreira de “a gaga”.

Revisão constitucional – PS recusa redução de deputados e alterações sobre círculos eleitorais.

Inteligência artificial – Devemos travar o ChatGPT? Cientistas reunidos na Aula Magna disseram que é como tentar “parar o vento com os dedos”

Guerra na Ucrânia – A Rússia acusou a Ucrânia de tentar assassinar Putin com drones, mas o Presidente russo não estava no Kremlin aquando do suposto ataque, que Kiev nega. Entretanto, procurámos antever, junto de especialistas, como deve ser conduzida a anunciada contraofensiva ucraniana: pode encontrar várias pistas neste artigo da Catarina Maldonado Vasconcelos e na mais recente edição do podcast Bloco de Leste.

50 Anos, 50 Restaurantes – Uma visita ao Cozinha da Terra, em Paredes, onde Maradona jantou em 2013.

Gigante do entretenimento – A norte-americana Live Nation deve tomar conta da Altice Arena até ao final deste ano.

Jamor à vista – FC Porto e Famalicão jogam hoje, a partir das 20h30, no Dragão, a segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal. Os atuais detentores do troféu venceram no primeiro jogo por 2-1.

Óbito – Morreu Tori Bowie, velocista campeã olímpica nos Jogos do Rio 2016, aos 32 anos.

FRASES

Quando se classifica como segredo de Estado o plano de reestruturação de uma empresa, o modo como foi despedida uma administradora, ou as discussões que houve a esse respeito, penso que há pelo menos um, ou mais, crimes graves: a opacidade e a falta de transparência com que o Governo brinda os seus cidadãos.
Henrique Monteiro, em texto de opinião publicado no Expresso

Sou responsável pela programação do NOS Alive e se houver alguém que eu não queira no festival, não vai. Tenho esse poder.
Álvaro Covões, diretor da promotora de espetáculos Everything Is New, ao podcast Posto Emissor, da Blitz

Não é assim que os homens brancos lutam.
Tucker Carlson, numa mensagem enviada pelo ex-apresentador da Fox News a uma produtora do canal sobre um vídeo em que um militante do Antifa era espancado. O conteúdo desta mensagem terá contribuído para o seu despedimento

PODCASTS A NÃO PERDER

As sugestões da equipa multimédia do Expresso:

Esta terça-feira foi uma montanha-russa política, que terminou com um golpe de teatro: Marcelo Rebelo de Sousa pediu a demissão de João Galamba, o ministro demitiu-se, mas António Costa segurou-o por dever de “consciência” e não aceitou a demissão. Junte-se à Comissão Política com o episódio desta semana para avaliar o caso.

As exportações bateram um novo recorde em 2022. No Brasil, um importante mercado, é um vinho alentejano que lidera no segmento dos vinhos europeus. O diretor da Adega da Cartuxa, em Évora, revela a estratégia neste episódio do Money, Money, Money.

Há muito que se fala da contraofensiva ucraniana. Agora, a resposta militar dos ucranianos parece mais perto do que nunca, com as declarações públicas do presidente Zelensky e do seu ministro da Defesa, para além das movimentações de tropas no terreno. Porque ainda não começou? Se acontecer estamos mais próximos do fim da guerra? Ouça a conversa com a professora universitária e comentadora Sandra Fernandes no podcast Bloco de Leste.

O QUE EU ANDO A VER

Passou no domingo à noite, na SIC Notícias, a terceira e última parte do documentário da BBC “Putin vs. the West” (“Putin contra o Ocidente”, em tradução livre). É uma excelente série documental, que nos ajuda a perceber as motivações do Presidente russo nos últimos anos e que conta com depoimentos tão relevantes como os do ex-Presidente francês François Hollande, do ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso e dos ex-chefes de Governo britânicos Boris Johnson e Theresa May, para além de Volodymyr Zelensky.

Foi precisamente uma revelação de Boris, feita neste documentário, que fez manchete na imprensa internacional em janeiro, quando o programa foi pela primeira vez para o ar no Reino Unido: numa conversa com Putin, o líder russo tê-lo-á ameaçado com um míssil, um ataque que "demoraria apenas um minuto". Claro que, como é prática habitual, o Kremlin rapidamente negou tudo.

As várias personalidades que conversaram com Putin e são ouvidas pela BBC descrevem um negociador implacável, alguém muito difícil de ser pressionado e que se foi radicalizando. O lado de Moscovo, apesar das dificuldades óbvias para obter interlocutores, está representada por Andrey Kelin, embaixador russo no Reino Unido, que é capaz, entre outras coisas, de dizer que os envenenamentos de Sergei e Yulia Skripal foram uma “armadilha” do Ocidente.

A sugestão já vem um pouco tarde, mas ainda pode recuar no tempo e ver o último episódio, se for subscritor de televisão por cabo. A série está disponível no site da BBC, mas apenas a partir do Reino Unido.

O QUE EU ANDO A OUVIR

Uma canção nova de PJ Harvey é sempre a melhor notícia do dia. O anúncio de um novo álbum faz-me contar os dias que faltam: é a 7 de julho que “I Inside The Old Year Dying” vê a luz do dia.


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