João Pedro Barros, editor on-line | Expresso (curto)
Bom dia,
A habilidade de Marcelo, já todos sabemos, é grande: mesmo a gerir silêncios,
consegue ser ruidoso. A saída do Palácio de Belém ontem à noite, para jantar e
comer um gelado, teve um caráter tão coreográfico como aquela célebre ida ao
Multibanco depois do chumbo do Orçamento do Estado, em outubro de 2021. Talvez
tenha sido um pouco menos críptica, porque há uma certeza: Marcelo vai
falar, quando é que não se sabe. “Talvez um destes dias, amanhã ou assim”, atirou aos
jornalistas.
O país fica em suspenso: neste evidente jogo de xadrez entre São Bento e Belém,
a próxima jogada é de Marcelo. Olhando para a agenda do Presidente, há uma
deslocação a Londres já amanhã, para assistir à coroação de Carlos III, no dia
seguinte; depois há uma ida a Espanha, para a entrega do Prémio Europeu Carlos
V a António Guterres, na terça-feira, de onde deve seguir para Estrasburgo.
Isto faz com que o dia mais livre de agenda seja precisamente o de hoje, mas,
como sabemos, o Presidente da República não precisa propriamente de um púlpito
para se dirigir ao país – a não ser que se decida por algo mais drástico,
como a dissolução do Parlamento ou a demissão do Governo.
Quando Marcelo é criticado tantas vezes por falar demasiado, não deixa de ser
irónico que se esteja agora a ler o seu silêncio como especulativo – mas a
verdade é que este vácuo permitiu que não haja um único português sem opinião
sobre o assunto nem um comentador político que não tenha tentado ler a sina do
país. O problema é que, depois da surpreendente cartada de Costa de anteontem à
noite, é difícil excluir qualquer cenário, ainda que a maioria dos
analistas (contas minhas, feitas a olho) ponha de parte os dois cenários mais
drásticos de que falo acima.
Terá Marcelo deixado pistas sobre o que vai fazer a seguir? Talvez ao citar
Pedro Abrunhosa: “É preciso ter calma, não dar o corpo pela alma”. E
Costa, terá pensado “Não posso mais” ou, pelo contrário, em “Não desistas de
mim”? Se o Presidente optar por uma jogada de alto risco, irá fazer o que ainda
não foi feito: seria a primeira vez que um Governo com maioria absoluta, de um
só partido, ficava a meio do caminho.
Entre os textos de opinião que temos no site do Expresso sobre o tema, destaco o do Bernardo Ferrão, que vê Costa a ganhar no
curto prazo mas com dificuldades no horizonte: “Se há certeza que resulta
da noite de ontem é que haverá eleições antecipadas, só não sabemos quando”,
escreve o diretor-adjunto da SIC. Daniel Oliveira pensa que Costa quer o “tudo ou nada” –
ou Marcelo “o deixa em paz” ou “marca novas eleições” – e sublinha o desacerto
de Galamba na reação a um desentendimento dentro do seu gabinete, em que parece
ter escolhido “atirar tudo para a ventoinha” (leia-se, para a comunicação
social). Paulo Baldaia nota outra ironia: Marcelo Rebelo de Sousa
promoveu “o debate sobre a utilização da bomba atómica” e está agora
“praticamente impedido de a usar”. O comentador e autor do Expresso da Manhã
fala de um movimento de “duas placas tectónicas” com consequências ainda
difíceis de prever.
Depois do terramoto de terça-feira, com a recusa de Costa em demitir o ministro
das Infraestruturas, seguir-se-á um grande sismo ou um abalo de menor escala?
Para já, o dia de ontem foi de acalmia, com uma série de “réplicas” que não
fizeram manchetes, mas mostram como os vários intervenientes se procuram
posicionar neste terreno movediço.
Luís Montenegro ensaiou um discurso mais duro – acusou Costa de “tentar
provocar eleições antecipadas sem ter coragem de o dizer” –, mas foi o líder
que mais tempo demorou a falar do caso e continuou sem pedir eleições antecipadas, numa atitude dúbia
que pode não ser bem assimilada pelo seu eleitorado. Mais claro parece ter
sido o sinal dado no almoço com o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha. Em
entrevista à SIC Notícias, Rocha admitiu que o objetivo foi abrir um canal de comunicação para um
futuro entendimento, mas sem alianças pré-eleitorais.
Num plano mais técnico, o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações considerou
que a atuação do SIS no caso do computador do assessor Frederico Pinheiro “não
permite concluir no sentido de ter havido uma atuação ilegal”, mas não há
uma explicação sobre que legislação dá cobertura a esta ação. O facto já
motivou reações políticas, nomeadamente de André Ventura, que frisou que a
entidade é composta por uma ex-ministra de Costa, Constança Urbano de Sousa, e
um ex-secretário de Estado da Justiça no mesmo Governo, Mário Belo Morgado (há
ainda um terceiro elemento, o deputado do PSD Joaquim Ponte).
Mais notas do dia: foi João Galamba quem ligou ao diretor da PJ a fazer queixa do
extravio do computador mais famoso do país e o próprio Luís Neves
revelou que a polícia que dirige está a trabalhar com o DIAP de Lisboa no caso e tem o
equipamento na sua posse. Entretanto, Galamba será ouvido "com urgência" na Comissão de
Inquérito à TAP, aonde também vai Frederico Pinheiro e cujos deputados vão
ter acesso ao conteúdo relevante do computador do ex-adjunto do ministro das
Infraestruturas. Também com urgência, vão ao Parlamento a secretária-geral do Sistema de Informações
da República Portuguesa (SIRP) e o diretor do Serviço de Informações de
Segurança (SIS).
Não há dúvidas de que a primavera vai ser quente. E hoje – dia de plenário
no Parlamento e de Conselho de Ministros descentralizado em Braga – ainda é
apenas o segundo dia depois de Costa ter virado o jogo político ao contrário.
OUTRAS NOTÍCIAS
Mais TAP – Marcelo foi beneficiado em voos da companhia? PS trava requerimentos que peçam diretamente mensagens da
Presidência.
Ventura na Hungria – O líder do Chega participa hoje e amanhã na Conferência de Ação Política
Conservadora, em Budapeste, onde se vai sentar ao lado de representantes de
vários partidos da extrema-direita europeia com posições ambíguas em relação à
Rússia.
Insulto no Parlamento – A Iniciativa Liberal, que há poucos dias pediu ao
presidente da Assembleia da República que se retratasse após ter criticado o
comportamento do partido na sessão com Lula da Silva, convidou dois youtubers a
visitar a Assembleia da República. Um deles, Tiago Paiva, acompanhado pelo
deputado Bernardo Blanco, insultou o primeiro-ministro no púlpito e apelidou a
ex-deputada Joacine Katar Moreira de “a gaga”.
Revisão constitucional – PS recusa redução de deputados e alterações sobre círculos
eleitorais.
Inteligência artificial – Devemos travar o ChatGPT? Cientistas reunidos na Aula Magna disseram que é como tentar
“parar o vento com os dedos”
Guerra na Ucrânia – A Rússia acusou a Ucrânia de tentar assassinar Putin com drones,
mas o Presidente russo não estava no Kremlin aquando do suposto ataque, que
Kiev nega. Entretanto, procurámos antever, junto de especialistas, como deve
ser conduzida a anunciada contraofensiva ucraniana: pode encontrar várias
pistas neste artigo da Catarina Maldonado Vasconcelos e na mais recente edição do podcast Bloco de Leste.
50 Anos, 50 Restaurantes – Uma visita ao Cozinha da Terra, em Paredes, onde Maradona jantou em 2013.
Gigante do entretenimento – A norte-americana Live Nation deve tomar conta da Altice Arena até ao final deste
ano.
Jamor à vista – FC Porto e Famalicão jogam hoje, a partir das 20h30, no Dragão, a segunda mão das
meias-finais da Taça de Portugal. Os atuais detentores do troféu venceram
no primeiro jogo por 2-1.
Óbito – Morreu Tori Bowie, velocista campeã olímpica nos Jogos do
Rio 2016, aos 32 anos.
FRASES
Quando se classifica como segredo de Estado o plano de reestruturação de uma
empresa, o modo como foi despedida uma administradora, ou as discussões que
houve a esse respeito, penso que há pelo menos um, ou mais, crimes graves: a
opacidade e a falta de transparência com que o Governo brinda os seus cidadãos.
Henrique Monteiro, em texto de opinião publicado no Expresso
Sou responsável pela programação do NOS Alive e se houver alguém que eu não
queira no festival, não vai. Tenho esse poder.
Álvaro Covões, diretor da promotora de espetáculos Everything Is New, ao podcast Posto Emissor, da Blitz
Não é assim que os homens brancos lutam.
Tucker Carlson, numa mensagem enviada pelo ex-apresentador da Fox News a
uma produtora do canal sobre um vídeo em que um militante do Antifa era
espancado. O conteúdo desta mensagem terá contribuído para o seu despedimento
PODCASTS A NÃO PERDER
As sugestões da equipa multimédia do Expresso:
Esta
terça-feira foi uma montanha-russa política, que terminou com um golpe de
teatro: Marcelo Rebelo de Sousa pediu a demissão de João Galamba, o ministro
demitiu-se, mas António Costa segurou-o por dever de “consciência” e não
aceitou a demissão. Junte-se à Comissão Política com o episódio desta
semana para avaliar o caso.
As
exportações bateram um novo recorde em 2022. No Brasil, um importante mercado,
é um vinho alentejano que lidera no segmento dos vinhos europeus. O diretor da Adega da Cartuxa, em Évora, revela a estratégia
neste episódio do Money, Money, Money.
Há muito que se fala da contraofensiva ucraniana. Agora, a resposta militar dos ucranianos parece mais perto do que nunca, com as declarações públicas do presidente Zelensky e do seu ministro da Defesa, para além das movimentações de tropas no terreno. Porque ainda não começou? Se acontecer estamos mais próximos do fim da guerra? Ouça a conversa com a professora universitária e comentadora Sandra Fernandes no podcast Bloco de Leste.
O QUE EU ANDO A VER
Passou no domingo à noite, na SIC Notícias, a terceira e última parte do
documentário da BBC “Putin vs. the West” (“Putin contra o Ocidente”, em
tradução livre). É uma excelente série documental, que nos ajuda a perceber as
motivações do Presidente russo nos últimos anos e que conta com depoimentos tão
relevantes como os do ex-Presidente francês François Hollande, do ex-presidente
da Comissão Europeia Durão Barroso e dos ex-chefes de Governo britânicos Boris
Johnson e Theresa May, para além de Volodymyr Zelensky.
Foi precisamente uma revelação de Boris, feita neste documentário, que fez
manchete na imprensa internacional em janeiro, quando o programa foi pela
primeira vez para o ar no Reino Unido: numa conversa com Putin, o líder russo
tê-lo-á ameaçado com um míssil, um ataque que "demoraria apenas um
minuto". Claro que, como é prática habitual, o Kremlin rapidamente
negou tudo.
As várias personalidades que conversaram com Putin e são ouvidas pela BBC
descrevem um negociador implacável, alguém muito difícil de ser pressionado e
que se foi radicalizando. O lado de Moscovo, apesar das dificuldades óbvias
para obter interlocutores, está representada por Andrey Kelin, embaixador russo
no Reino Unido, que é capaz, entre outras coisas, de dizer que os
envenenamentos de Sergei e Yulia Skripal foram uma “armadilha” do Ocidente.
A sugestão já vem um pouco tarde, mas ainda pode recuar no tempo e ver o último
episódio, se for subscritor de televisão por cabo. A série está disponível no site da BBC, mas apenas a partir do
Reino Unido.
O QUE EU ANDO A OUVIR
Uma canção nova de PJ Harvey é sempre a melhor notícia
do dia. O anúncio de um novo álbum faz-me contar os dias que faltam: é a 7 de julho que “I Inside The Old Year Dying” vê a luz do dia.
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