quarta-feira, 31 de maio de 2023

Portugal | PCP E BLOCO DEVIAM ALIAR-SE?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Na Assembleia da República a oposição à esquerda da maioria absoluta conquistada pelo Partido Socialista ficou, após as últimas eleições, com seis deputados do PCP e cinco do Bloco de Esquerda. Em relação ao parlamento anterior a CDU, do PCP, e o BE perderam um total de 20 deputados.

Outro facto relevante saído dessas eleições de 30 de janeiro de 2022, para além da maioria absoluta conquistada pelo PS e da derrota do PSD, como todos se lembram, foi o da ascensão da direita revanchista no Parlamento, seja a de inspiração caceteira do Chega, seja a do fanatismo financeiro-capitalista da Iniciativa Liberal: apesar de divididos em muitas questões, apesar de a IL até recusar participar numa solução governativa com o Chega, eles têm em comum o facto de trabalharem politicamente, com afinco e militância, para eliminar do regime qualquer influência do PCP e do Bloco, bem como das políticas económicas e sociais que as duas formações de esquerda defendem.

Chega e IL são, neste momento, um inimigo político comum muito mais poderoso, mais financiado, mais ágil, mais influente nos media e mais votado pelo povo português do que os dois partidos de esquerda, que se juntam ao PSD nesse combate "anti-comunista" ou "anti-radicalismo de esquerda", um combate a que adere, com alegria, sempre que lhe convém, o próprio PS.

PCP e Bloco resolveram, entretanto, mudar as suas lideranças: Paulo Raimundo substituiu Jerónimo de Sousa; Mariana Mortágua, no fim-de-semana passado, substituiu Catarina Martins... mas, na verdade, tirando alguns ajustes de discurso e de estilo, ninguém pensa que a essas alterações de chefias corresponda uma mudança substancial das linhas políticas das duas formações.

Acontece que, quer num caso, quer no outro, face ao precipício político à beira do qual o Presidente da República colocou o governo de António Costa - que, face à facilidade com que se multiplicam os casos e casinhos que destroem a credibilidade do governo, parece estar disposto a dar um passo em frente, rumo ao abismo - Bloco e PCP têm de encarar a hipótese de um cenário de eleições antecipadas durante o próximo ano (ou até antes) e não em outubro de 2026, como estava previsto.

Se assim for, com a direita vitaminada pela crença de que chegou a sua hora de voltar ao poder, com o PS a pedir o voto útil aos eleitores que ideologicamente se colocam à esquerda para evitar o acesso do Chega ao governo, Bloco e PCP correm o risco de terem novas perdas em cima das perdas que já tiveram, e enfrentarem um ciclo político posterior de, ainda, maior dificuldade de afirmação, de penúria política extrema, de objetiva irrelevância institucional.

O PCP, o meu partido, e o Bloco teriam melhores hipóteses de preparar o seu futuro político se em vez de alimentarem o tradicional e histórico rancor que os separa (que vai das bases ao topo, diga-se) fossem capazes de construir algo que trouxesse uma proposta política progressista e eleitoralmente atraente, mantendo e respeitando as diferenças que os separam (por exemplo, em questões como a eutanásia ou a guerra na Ucrânia), continuando, separados, a competir entre si na conquista de maior influência social (por exemplo, nos sindicatos, nas autarquias, nas lutas das minorias, em diferentes extratos sociais), mas multiplicando parlamentarmente a força para o que, para quem pensa nesta área ideológica, é essencial defender: os valores democráticos da Constituição saída da Revolução dos Cravos, a defesa dos serviços públicos e das classes trabalhadoras, a resistência e o combate ao ascenso fulgurante do neofascismo, do racismo e do neoliberalismo desenfreado.

PCP e Bloco, para sobreviverem, têm de ser muito diferentes entre si. Mas, também para sobreviverem, neste momento político, PCP e Bloco deveriam saber trabalhar entre si.

Como já disse noutra altura, esse trabalho conjunto não vai acontecer. O rancor vindo do passado histórico e a desconfiança na lealdade recíproca parecem-me obstáculos intransponíveis. Sairá cara essa infantilidade.

*Jornalista

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