terça-feira, 16 de maio de 2023

Portugal | QUANDO O DEBATE POLÍTICO É UMA FARSA

Daniel Oliveira* | TSF | opinião

Daniel Oliveira dedica o habitual espaço de opinião na TSF esta terça-feira à análise do debate político em Portugal, que vê como uma farsa, e começa com o "mantra panfletário" de que duas décadas de socialismo resultaram em duas décadas de estagnação.

"A direita passou, nas últimas semanas, para o oposto. O atual crescimento económico não resulta da ação do Governo. Quando crescemos abaixo da média europeia, a culpa é do Governo. Quando crescemos acima, é o contexto", explica Daniel Oliveira.

Acusa a direita de atirar a culpa para o PS quando se anuncia que Portugal será ultrapassado pela Roménia, "um país com um índice de desenvolvimento humano abaixo do nosso".

"Mais 5% da população a viver na pobreza, menos quatro anos de esperança média de vida, um péssimo sistema de saúde, um mau sistema educativo e que perdeu quase 1/5 da sua população nos últimos 30 anos. Quando crescemos mais do que os outros, o PS não tem nada a ver com isso", refere o jornalista.

Em jeito de retrospetiva, recorda o que aconteceu ao país em 2011, que resultou da maior crise financeira desde os anos 30 e defende que isso "não foi obra do PS", que não governava a Espanha ou a Grécia.

"O acesso aos mercados não foi obra do PSD, foi uma decisão política da União Europeia e a austeridade não foi obra de passos Coelho. Foi uma imposição da troika em troca de acesso ao crédito. A recuperação económica a partir de 2015 não foi obra da geringonça, acompanhou o que acontecia no resto da Europa. A crise inflacionista não foi obra de António Costa, como também não foi sua obra a recuperação económica depois da pandemia", afirma o cronista.

Além disso, Daniel Oliveira explica que Portugal cresceu mais agora porque tinha sido o quarto país com a maior quebra do PIB em 2020 e que, em 2021, ainda não tinha conseguido regressar ao período anterior à pandemia.

"E porque, tal como aconteceu na queda económica durante a Covid, o nosso motor não é a indústria, é o turismo, um setor muito exposto à pandemia e pouco exposto ao aumento de custos como energia. No que toca aos salários, os trabalhadores perdem rendimento real desde o início de 2022. Agora, aproximam-se da inflação, mas não se pode dizer que o Governo esteja a fazer por isso. O que puxa este aumento para baixo, aliás, são os funcionários públicos e o que foi acordado em concertação social", esclareceu.

Para o jornalista, não foi por causa de Sócrates que o país esteve mais exposto à crise de 2009, não aplicou medidas mais violentas do que Espanha por causa de Passos ou não cresce mais do que os outros por causa de Costa. Tudo isto aconteceu por causa das especificidades nacionais num espaço económico comum.

"Decidimos muito pouco da nossa economia e nada na nossa política cambial. Estamos, por exemplo, dependentes do aumento das taxas de juro, irracionais para nós, mas suportáveis para a Alemanha. Sem moeda, sem um verdadeiro banco central, impedidos de ter um setor empresarial do Estado ou apoiar empresas nacionais, muitíssimo limitados na nossa autonomia orçamental, ficámos com o poder de baixar impostos, um convite ideologicamente determinado para que a concorrência entre os Estados seja exclusivamente fiscal", considera Daniel Oliveira.

O jornalista não descarta que há coisas que os governos podem fazer para minorar ou maximizar as decisões tomadas em Bruxelas ou Frankfurt, como escolher se vão além da troika ou se repõem direitos depois dela. Mas não se fica por aqui.

"Pode-se distribuir pior ou melhor a riqueza e isso não se mede pelo crescimento do PIB ou dos excedentes orçamentais, mas o poder que temos é o de um Estado dos Estados Unidos. A diferença é que nem influenciamos o que se decide no poder central, porque, ao contrário dos Estados Unidos, a União Europeia não é uma democracia. É nisto que está o curto circuito do debate político, apesar de quase tudo ser decidido por instituições não eleitas, continuam a ser os eleitos nacionais a responder pelos efeitos de decisões que pouco determinam e isso leva a um embuste político, seja quando os governos se vangloriam pelos bons resultados, seja quando a oposição os responsabiliza pelos maus resultados", defende o jornalista.

Associa também a entrada de Portugal no euro a uma perda de capacidade competitiva, com o PIB a tombar e a ficar quase sempre abaixo dos 2%.

"O peso da indústria no PIB passou de quase 20% para menos de 14%, enquanto as atividades financeiras imobiliárias cresciam acompanhadas pelo comércio e pela hotelaria. Os trabalhadores da indústria passaram de 23% em 1995 para 16% em 2013. Primeiro foram para a construção, depois para o turismo, uma das poucas exportações que prosperou", lembrou o cronista.

Na opinião de Daniel Oliveira, o resultado está à vista com o desemprego e o emprego pouco qualificado a aumentarem significativamente apesar do crescimento histórico.

"Somos uma economia cada vez menos qualificada e que, por isso, perde os seus melhores e distribui mal a riqueza. Que a propaganda associa um partido esta tragédia e que esse partido aproveite os intervalos para se vangloriar, não espanta, mas temos, enquanto comunidade, de abandonar esta farsa que se faz passar por debate político, porque falhando no diagnóstico, nunca acertaremos na cura, mesmo que ninguém tenha a solução por ninguém saber como sair deste beco em que nos enfiámos. Devemos, a nós mesmos, o mínimo de honestidade intelectual", rematou.

*Texto: Cátia Carmo

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