terça-feira, 20 de junho de 2023

ANGOLA-PORTUGAL: NÃO FALTA NADA?

João Melo* | Diário de Notícias | opinião

Acompanhei com a merecida atenção a recente visita do primeiro-ministro português, António Costa, à capital angolana, incluindo as repercussões dessa visita na imprensa dos dois países. Uma comparação entre o tipo e o nível de cobertura desse acontecimento por parte dos medias angolanos e portugueses seria bastante eloquente e esclarecedora quanto à diferenciada importância que as duas sociedades conferem, neste momento, às relações angolano-portuguesas, mas não é disso que falarei na coluna de hoje. O que quero comentar é tanto aquilo que me parece ser uma lacuna séria nos acordos alcançados.

Estou a referir-me à ausência de quaisquer entendimentos na área da educação e da cultura, pelo menos a avaliar pela informação que foi tornada pública. De facto, as principais manchetes da visita do chefe do governo português a Luanda destacam os trezes acordos assinados entre as duas partes, a começar pelo Programa Estratégico de Cooperação Angola-Portugal para o período 2023-2027. No âmbito desse programa, Portugal aumentou a sua linha de crédito a Angola de 1,5 mil milhões de euros para dois mil milhões de euros.

No âmbito dessa linha de crédito, empresas portuguesas vão participar na construção de infraestruturas públicas definidas por Angola, como o Santuário da Muxima, a reabilitação de duas estradas nacionais consideradas importantes nas províncias do Zaire, Cabinda e Moxico, bem como na construção de parques de produção de energia fotovoltaica no centro e leste do país. Uma empresa portuguesa faz igualmente parte do consórcio ao qual foi concessionada a gestão do Corredor do Lobito, na sequência de um concurso internacional.

Tudo normal, por conseguinte. É assim - sabemos todos - que funcionam as linhas de crédito. Por outro lado, e segundo a imprensa, o presidente angolano manifestou também o interesse de ver um maior investimento privado direto dos empresários portugueses no agronegócio, nas pescas, hotelaria, turismo, comércio, construção civil, imobiliária, indústria de confeções, indústria de curtumes, do calçado e em outros ramos da economia.

Olhando-se o estado atual da economia angolana, entende-se a manifestação de interesse. Por outro lado, há que reconhecer, sem complexos, que essa possibilidade agrada aos empresários portugueses, tal como um deles, Bruno Bobone, reconheceu aqui neste jornal (e também no Jornal de Angola): - "(...) para nós, empresários portugueses, que sabemos que necessitamos da economia internacional para fazer progredir as nossas empresas e que precisamos desse crescimento para conseguir aumentar a riqueza do nosso país, a perspetiva de mantermos e aumentarmos a nossa presença e capacidade de investimento no mercado angolano é absolutamente indispensável".

Tudo certo. Tudo certo? Para um empresário angolano com quem conversei sobre o assunto, podemos estar perante um equívoco. Segundo ele, as empresas portuguesas que se instalarem em Angola, pelo seu porte, irão, na realidade, competir com as incipientes empresas nacionais, dificultando o crescimento destas últimas. Não sendo eu economista, nem tendo quaisquer pretensões empresariais, deixo a discussão sobre esse hipotético equívoco aos interessados.

Assim, e incluindo-me entre aqueles - talvez cada vez mais minoritários nos dias de hoje, submetidos à lógica da financeirização e do lucro infinito - que consideram a cultura e a educação verdadeiramente estruturantes para o desenvolvimento e a cooperação, volto ao ponto deste artigo: a aparente ausência de quaisquer entendimentos nessas duas áreas.

Só para mencionar um exemplo concreto e que me é muito caro, será que, entre os treze acordos assinados entre os dois países, nenhum deles prevê, por exemplo, a possibilidade de contratação de professores portugueses, para trabalharem, desde logo e necessariamente, no nível de base, assim como na formação de professores angolanos? Angola precisa disso como de pão para a boca. Portugal tem, neste momento, um problema com os seus professores, muitos dos quais, talvez, estejam interessados em emigrar, em condições adequadas. Angola deveria tomar uma iniciativa nesse sentido.

*Escritor e jornalista angolano e diretor da revista África 21

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