Thierry Meyssan*
A sorte das armas decidiu. O momento da verdade falou. A contra-ofensiva ucraniana falhou miseravelmente. O considerável armamento da OTAN não serviu para nada. O campo de batalha está juncado de cadáveres. Para nada. Os territórios que aderiram por referendo à Federação da Rússia permanecerão russos. Este « xeque-mate » não marca simplesmente o fim da Ucrânia como a conhecemos, mas da dominação ocidental que tinha apostado nas suas mentiras. O mundo multipolar poderá nascer este Verão por ocasião de várias cimeiras internacionais. Uma nova maneira de pensar na qual a força não fará mais lei.
Este artigo foi redigido em 10 de junho. Nessa altura, as únicas informações disponíveis emanavam da Rússia e dos Estados-Maiores aliados. A Ucrânia tinha decretado um embargo total quanto à sua contra-ofensiva. Teríamos pois que esperar antes de publicar este texto. Entretanto, pensamos que se a Ucrânia tivesse podido romper a primeira linha de defesa russa, mesmo sem chegar a expandir-se na brecha, ela tê-lo-ia anunciado. É, pois, neste contexto que publicamos esta análise.
Em seis dias, de
Durante o Verão, as Forças russas construiram duas linhas de defesa na parte da Novorossia que libertaram e no Donbass. Estas impediam a passagem de quaisquer blindados.
As Forças ucranianas escolheram uma dúzia de pontos de ataque para retomar o território «ocupado pelo inimigo». Mas, os seus blindados não puderam ultrapassar a primeira linha de defesa russa e se acumularam diante desta onde foram destruídos um a um pela artilharia russa e pelos drones suicidas.
Simultaneamente, o Exército russo atirava mísseis sobre os centros de comando e os arsenais no interior do território ucraniano e destruía-os.
A defesa antiaérea ucraniana fora destruída por mísseis hipersónicos logo após a sua instalação. Na sua ausência, os Ucranianos não puderam realizar as manobras que haviam sido planeadas pela OTAN.
A Rússia não recorreu às suas novas armas, exceptuando o seu sistema de empastelamento dos comandos de armas da OTAN e alguns dos seus mísseis hipersónicos.
A fronteira não é mais é do que um longo cemitério de blindados e de homens. Os aeroportos estão cheios de carcaças fumegantes de Mig-29 e de F-16.
Os Estados-Maiores dos Estados Unidos, da Aliança Atlântica e da Ucrânia atiram a responsabilidade de uns para os outros por este desastre histórico. Várias centenas de milhar de vidas humanas e 500 mil milhares de milhão (bilhões-br) de dólares foram desperdiçados para nada. As armas ocidentais, que faziam tremer o mundo nos anos 90, já não valem nada contra o arsenal russo de hoje. A força mudou de lado.
Desde logo duas conclusões se impõem :
NÃO CONFUNDIR O EXÉRCITO UCRANIANO COM OS «NACIONALISTAS INTEGRALISTAS»
Se já não há um Exército ucraniano capaz de travar uma guerra de alta intensidade, continuam, no entanto, a existir as forças de « nacionalistas integralistas » (às vezes ditos « banderistas » ou « ucro-nazis »). Mas elas estão treinadas apenas para combates de baixa intensidade. Os seus chefes foram bater-se na Chechénia, no fim dos anos 90, por conta da CIA e dos Serviços Secretos da OTAN, às vezes na Síria nos anos de 2020. Eles foram treinados em assassínios selectivos, em sabotagens e para massacres de civis. Nada mais.
Assim, eles conseguiram:
– sabotar o gasoduto russo-germano-franco-neerlandês Nord Stream para mergulhar
a Alemanha, e depois a União Europeia, na recessão, em 26 de Setembro de 2022.
– sabotar a ponte do estreito de Kerch (dita « Ponte da Crimeia »), em 8 de
Outubro de 2022.
– atacar o Kremlin com drones, em 3 de Maio de 2023
– atacar com drones o Ivan Kurs, o navio da Inteligência que defendia o
gasoduto Turkish Stream no Mar Negro, em 26 de Maio de 2023.
– sabotar a barragem de Kakhovka para partir a Novorossia em duas, em 6 de
Junho de 2023.
– sabotar o “pipeline” de amoníaco Togliatti-Odessa para destruir a industria
russa de adubos minerais, em 7 de Junho de 2023.
Tal e qual como durante as duas Guerras Mundiais e na Guerra Fria, eles provaram a sua capacidade terrorista, mas não jogaram nenhum papel decisivo no campo de batalha.
Mais do que nunca entre os Ucranianos convêm distinguir, os militares, que pensavam defender o seu povo, dos «nacionalistas integralistas» [1], que nada querem saber dos seus compatriotas e apenas buscam erradicar os Russos e a sua cultura desde há um século .
A UCRÂNIA QUE CONHECEMOS ESTÁ MORTA
Até à data, a Ucrânia tem sido acima de tudo um campeão de comunicação. Kiev conseguiu fazer de crer que o Golpe de 2014, que derrubou um presidente democraticamente eleito em benefício de nacionalistas integralistas, foi uma revolução. Da mesma forma, conseguiu fazer esquecer a maneira como esmagou os seus cidadãos do Donbass, negando-se a dar-lhes acesso aos serviços públicos, a pagar os salários dos funcionários públicos e as pensões aos idosos e, finalmente, bombardeando as suas cidades. Por fim, conseguiu até vender gato por lebre e convencer os Ocidentais que a Ucrânia era um país homogéneo onde uma população única partilhava uma história comum.
Como na maior parte das guerras, há também um aspecto « guerra civil » [2]. Hoje, todos são levados a constatar que, contrariamente ao que se fez constar, a análise publicada por Vladimir Putin não era uma reconstrução da história, mas uma verdade factual. O povo de Donbass é profundamente russo. O da Novorossia (Crimeia incluída) é de cultura russa embora com uma história diferente (ele jamais conheceu a servidão). A Ucrânia nunca existiu como um Estado independente na história, excepto durante uma década, durante os períodos de 1917-22 e 1941-45, e três outras décadas, a partir de 1991.
Durante essas três experiências, Kiev nunca deixou de querer purificar o seu povo e de massacrar os seus cidadãos quando os nacionalistas integralistas estavam no Poder (1917-22 com Simon Petliura, 1941-45 com Stepan Bandera e 2014-22 com Petro Poroshenko e Volodymyr Zelensky) . No total, num século, os « nacionalistas integralistas » — é assim como eles se se designam a si próprios — assassinaram mais de 3 milhões dos seus compatriotas.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a população da Novorossia já se havia levantado à volta do anarquista Nestor Makhno; durante a Segunda Guerra Mundial, a população do Donbass e da Novorossia levantara-se como Soviética; enquanto desta vez, ela se bate contra os «nacionalistas integralistas» de Kiev junto com as Forças russas.
O único meio de fazer cessar
estes massacres é separar os « nacionalistas integralistas » da população de
cultura russa que eles querem matar [3].
Uma vez que a OTAN organizou um Golpe de Estado em 2014 e os colocou no Poder,
não há outra maneira senão constatar a actual divisão do país e deixá-los no
Poder
As operações militares actuais já o fizeram. A parte libertada pelos Russos votou por referendo a sua adesão à Federação. No entanto, o avanço russo do ano passado foi interrompido pelo Presidente Vladimir Putin no quadro das negociações com a Ucrânia, conduzidas na Bielorrússia, depois na Turquia. A cidade de Odessa continua a ser ucraniana pelo Direito, embora ela seja culturalmente russa. A Transnístria continua a ser moldava embora seja culturalmente russa.
A guerra tecnicamente acabou. Nenhuma ofensiva poderá modificar as fronteiras actuais. É certo que os combates podem se eternizar e estamos longe de um tratado de paz, mas os dados foram lançados. Resta um problema na Ucrânia e outro na Moldávia : Odessa e a Transnístria ainda não são russas. Sobretudo, permanece um problema de fundo : em violação dos seus compromissos orais e escritos, os membros da Aliança Atlântica armazenaram armas norte-americanas na fronteira da Rússia, pondo a segurança desta em perigo.
Thierry Meyssan* | Voltairenet.org | Tradução Alva
* Intelectual francês,
presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas
análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana
e russa. Última obra em francês: Sous
nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable
imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand,
2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II.
Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte
Ávila Editores, 2008).
Notas:
[1] “Quem são os nacionalistas integralistas ucranianos ?”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 17 de Novembro de 2022.
[2] “É o conflito na Ucrânia uma guerra civil?”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 22 de Novembro de 2022.
[3] “Ucrânia : a Segunda Guerra mundial continua”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 26 de Abril de 2022.
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