quinta-feira, 13 de julho de 2023

Angola | Estados Falidos Declaram Guerra – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Maurício Camuto é bispo e secretário-geral da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST). Do alto da sua importância eclesiástica chamou os jornalistas e disse-lhes que anda por aí um grupo de iluminados que actua "como se tivesse uma varinha mágica", mas não consegue resolver os problemas do país. O sujeito pode ter muitos defeitos (se chegou a bispo, está carregado de pecados…) mas gago não é. Disse ele:

 “Há essa necessidade de implementar a participação de todos os cidadãos, que não haja só um grupo que pensa ser iluminado para levar o país avante, estamos a ver onde é que chegámos por causa disso”. Quando os padres se metem na política dá sempre para o torto. Mas se os metediços são bispos é desastre total. Pior do que bêbedos conduzindo viaturas com os travões avariados e os pneus carecas. 

Alimentado pelos vapores da kapuka o homem não tem papas na língua e fala assim dos governantes: “Pequeno grupo pensa ter todas as soluções, como se tivesse uma varinha mágica para resolver tudo. E estamos a ver que não conseguem resolver”. A liberdade de expressão é para todos e os bispos estão incluídos. O Camuto exige mais espaço para a intervenção dos cidadãos na vida púbica e assim “todos possam participar e dar o seu contributo político, social, programático para que ajudemos o país a sair da situação em que se encontra”. 

Quem fala assim, das duas, uma, ou acaba de ser despachado do Céu para Angola e ainda não percebeu onde aterrou ou anda a beber demasiado. As e os cidadãos angolanos participam amplamente na vida publica. Elegem os deputados, titulares do Poder Legislativo. Elegem o Presidente da República, titular do Poder Executivo. Angolanas e angolanos participam na vida dos partidos políticos, motores do regime democrático. Angolanas e angolanos dão vida e expressão a sindicatos, associações de intervenção social, desportiva e cultural. Angolanas e angolanos podem criar órgãos de comunicação social nos termos da Lei. Empresas comerciais, industriais e agrícolas quantas quiserem.

O secretário Camuto ainda quer mais? Pois aí tem. Angolanas e angolanos têm ao dispor um vasto leque de instituições religiosas nas quais podem participar livremente. E participam. Igreja Católica, Igreja Metodista e Igreja Tocoísta têm instituições de intervenção social importantíssimas. Escolas desde a pré-primária à Universidade. Ninguém proíbe ninguém de seguir a sua confissão religiosa. A Universidade Católica de Angola até extravasa largamente a sua função social, congregando no seu seio as forças mais reaccionárias que existem na sociedade angolana. Apesar das suas actividades nefastas têm toda a liberdade para fazer mal a Angola e ao Povo Angolano.

O bispo Camuto (este também vai a ministro sombra da UNITA!) anunciou a Semana Social (de 19 a 21 de Julho) que a CEAST organiza em parceria com o Mosaiko-Instituto para a Cidadania. Camuto deu uma de chefe da UNITA e disse que “é urgente o processo autárquico”. Antigamente os padres eram barras em latim e grego clássico. Mas este Camuto deve ter faltado às aulas e não sabe o que significa autarquia. Eu não sou tão mau rapaz como pareço e vou ensiná-lo. 

Autarquia (em direito administrativo) é uma entidade autónoma, descentralizada da administração pública, porém fiscalizada e tutelada pelo Estado, com recursos próprios (provenientes de dotações financeiras do Poder Central, taxas, licenças e outros impostos), cuja finalidade é executar serviços que interessam à coletividade ou de natureza estatal.

Diz o Camuto com a cabeça toldada pelos vapores da kapuka: "Então, é importante que instauremos as autarquias para soluções locais e não esperar por decisões centrais, o que atrasa o nosso país e lança-nos na miséria em que nos encontramos”. Já cá faltava o populismo dos sicários da UNITA. A miséria em Angola deve-se ao centralismo! Se eu lhe disser que a fome, a miséria, as doenças facilmente curáveis e que levam à morte de crianças se deve à Igreja, mesmo não estando longe da verdade, é abusivo e profundamente injusto.

No Negage, antes de existir escola primária oficial, eram os padres capuchinhos (franciscanos) que ensinavam a miudagem a ler, escrever e contar. E a escola não era só para brancos. Pelo contrário, a esmagadora maioria dos alunos da Missão eram negros.

O Camuto disse ainda que "é urgente e necessário a implementação do processo autárquico que pode nos ajudar a sair do marasmo em que nos encontramos. E quando dizem que há localidades que não têm desenvolvimento suficiente para realização das autarquias estamos a colocar a charrua em frente dos bois, este argumento não colhe”. Por falar em bois, o Camuto está a mugir fora do tom. Ninguém disse que não podem existir autarquias onde não há desenvolvimento. Isso é uma invenção ordenada pelos vapores alcoólicos. Mas há em Angola comunas e municípios que não têm população. Pessoas. E aí vamos imitar os colonialistas que colocaram um chefe de posto na Luiana onde as populações eram nómadas? 

Maurício Camuto não sabe (veio do Céu e ainda não se afeiçoou à Terra) mas Angola tem autarquias desde o tempo colonial. Tome nota na sua agenda da CEAST. Temos comunas, municípios e distritos urbanos. Temos Governos Provinciais. Autarquias! E se formos ao Poder Tradicional temos sobados e regedorias. 

Os municípios são entidades orçamentais autónomas. Os Governos Provinciais também. Sabe o que falta, senhor Camuto? Eleger clientelas partidárias aos magotes, pagas pelo Orçamento Geral do Estado. Falta cobrar derramas, taxas, licenças e outros impostos locais a populações empobrecida ou a ninguém, porque já temos municípios em morte social. Porquê Camuto? Porque os seus amigos da UNITA fizeram a vida impossível aos habitantes das aldeias, obrigando-os a fugir para as vilas. Depois fizeram a vida impossível nas vilas e as pessoas fugiram para as cidades, Nem aí tiveram paz e foram obrigadas a fugir para Luanda ou para o eixo Lobito-Catumbela-Benguela-Baía Farta.

Angola tem autarquias. Sempre teve, desde a Independência Nacional. Mas a guerra do estado terrorista mais perigoso do mundo por procuração ao Zaire de Mobutu e ao regime racista de Pretória não deixou consolidar o Poder Local. Os poucos quadros técnicos fugiram. Os operários especializados seguiram o mesmo caminho. A população activa também. Só ficou no meio dos destroços (a UNITA destruiu todos os equipamentos sociais!),quem não conseguiu mesmo fugir. O Camuto está equivocado mas pode ser que Deus o ilumine e deixe de pensar com o intestino grosso à moda do chefe Adalberto. Os diamantes de sangue ainda dão para comprar a consciências de bispos!

Este diz que não existem autarquias em Angola. Diz que só uma minoria participa na vida política. Mas os seus amigos da UNITA vão mais longe, dizem que Angola está falida, na bancarrota. Como se um país com uma esmagadora maioria de população jovem pudesse falir. Como se um país com os recursos naturais que tem pudesse entrar em bancarrota. 

Basta consultar os últimos números das dívidas públicas em função do PIB para perceber a mentira desses arautos da desgraça reforçados pelo Camuto. A dívida pública de Angola segundo os últimos dados cifrou-se nos 56,1 por cento do PIB. Os nossos vizinhos: Republica do Congo 99,57. Zâmbia 123 e Namíbia 68,9 por cento. 

Países da CPLP. Moçambique 101 por cento, Cabo Verdade 127, Brasil 72,87,Portugal 114 e Guiné Bissau 41,1 por cento porque ninguém lhe empresta dinheiro. Dívidas das grandes potências do ocidente alargado donas do FMI e do Banco Mundial e por isso arrotam milhões: EUA 129 por cento, Reino Unido 101, Espanha 113, Japão 264, Itália 145, França 112 por cento. Querem mais? Zona Euro 91,5 por cento e a União Europeia 84 por cento. O cartel europeu entrou na roleta da guerra os números deste ano vão ser mil vezes piores.

O G7 nasceu como um cartel com os países mais industrializados. A partir de ontem, em Vilnius, passou a ser mais um bloco militar. Os estados-membros declararam guerra à Federação Russa por procuração passada à Ucrânia. Alemanha, Canadá, Estados Unidos da América, França, Itália, Japão e Reino Unido prometeram entrar na guerra até ao último ucraniano. Todos têm uma dívida pública bem mais pesada do que Angola: Alemanha 67,6 por cento. Canadá 106,6 por cento. França 112 por cento. EUA 129 por cento. Reino Undo 101 por cento. Japão 264 por cento. Itália 145 por cento mas o país está rendido à trilogia Deus Pátria Família. O Camuto tem futuro entre os fascistas e os sicários da UNITA. 

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana