quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Angola | Carrinho com Rabo Bico de Pato – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Grupo Carrinho agora é Carrito e daqui a nada vira Toyota Rabo de Pato, acidentado na Via Expressa. Foi expulso da gestão da Reserva Estratégica Alimentar. Carlos Rosado de Carvalho, agente do General Miala, veio logo explicar a metamorfose com argumentos de política económica aldrabada. Pura manobra de diversão. Porque o infausto desfecho se deve ao próprio mandante. Está confirmado e reconfirmado. Os gestores do agora calhambeque pagavam todos os meses o “imposto revolucionário” ao chefe. Quando pensavam que já não precisavam de protecção da máfia mialista, recusaram colaborar na chantagem e extorsão. Optaram pelo suicídio indicado pelo Doutor Tuti Fruti, menino Carlitos.

Admirável! Os jornalistas não tiveram a curiosidade de ouvir os gestores do calhambeque com o semieixo partido. Eles davam leite achocolatado e bolachinhas aos meninos de uma escola e os Media exultavam. Gastavam páginas e páginas, minutos e minutos com o acontecimento. Agora que a Reserva Estratégica Alimentar foi enriquecer outros, nem uma palavra. Nem uma linha. O pessoal Carrinho era protegido há muitos anos. Acaba ingloriamente na valeta por não pagar o imposto revolucionário ao General Miala. 

A sua ajudante Eduarda Rodrigues (a senhora que trata da extorsão de activos) está a actuar em grande. Altíssimo nível. Já tinha dado a um ar da sua graça quando visitou o empresário Carlos São Vicente na cadeia de Viana, alguns dias depois da sua detenção. Ou entrega os bens todos ou fica preso até à eternidade. Mulher de palavra. Está a cumprir. Ontem deu um passo em frente na chantagem e extorsão. Anunciou na TPA, feudo do General Miala, que hoje abria um leilão de viaturas e embarcações arrestados.

Eduarda Rodrigues esclareceu que esses bens iam ser vendidos em leilão porque estavam a deteriorar-se. As embarcações corriam o risco de ir ao fundo! Antes que tudo seja sucata vamos vender. Se no final dos processos as e os arguidos forem condenados, o Estado fica com o produto das vendas. Se forem absolvidos recebem o produto da venda. Dona Dadinha! Leu mal as regras do Mobutu. Ele não era tão primário, tão boçal, tão selvagem. Na TPA lá do sítio descia do céu como um raio, invocava a protecção divina e declarava solenemente que os inimigos do povo colaboraram com os deuses mobutistas e entregaram tudo de boa vontade. As aparências são importantes porque iludem.

O edifício sede da AAA Seguros foi ocupado por instituições do Estado, nessa lógica. Se o maior accionista da empresa for absolvido recebe 100 mil kwanzas pelo prédio e paga 50 por cento de impostos. As redes hoteleiras de Carlos São Vicente foram arrestadas (dezenas de hotéis). Muitas unidades foram saqueadas. Outras estão encerradas e a apodrecer. Todos os edifícios de que era proprietário fazem parte do espólio da quadrilha chefiada por Eduarda Rodrigues e Pita Grós. Alguns estão ocupados até pelo Ministério da Justiça. Se ele for absolvido não há problema nenhum. Recebe um milhão de Kwanzas livres de impostos. Quem é amigo, quem é? Claro que os Tribunais vão condenar toda a gente! Está escrito nas estrelas.

As acções da UNITEL arrestadas aos seus legítimos proprietários foram vendidas pelo Estado com desconto. O que valia 100 foi entregue por 30! Por acaso, nenhum dono das acções foi julgado. Mas se e quando for, caso haja uma absolvição (nem por cima do cadáver do Miala!) não recebe nada porque vai ter de pagar todas as despesas da chantagem e extorsão. As viagens e estadas no Dubai são caríssimas. Só os autores do “Banquete” na TPA ficam com metade da massa mais uns jantares. O resto sempre dá para comprar uma caixa de coxas de galinha e um saco de arroz.

As acções de Carlos São Vicente no Standard Bank já foram vendidas pelo Patrício Bicudo e sua quadrilha. Se Carlos São Vicente for absolvido ainda recebe uns trocos. Por falar em Bicudo. Dona Vera Daves demitiu-o sem uma explicação. Ele era o Chicago Boy da quadrilha. O neoliberal acéfalo. Tinha a missão de “privatizar” os bens roubados. Foi afastado sem uma explicação. A insto chama-se opacidade. A senhora ministra tinha o dever de explicar o porquê da demissão do pateta que dizia despachadamente: Para o ano privatizamos a Sonangol!

Até à hora do fecho do leilão da dona Eduarda Rodrigues, na internet apenas apareciam sete páginas de viaturas. Daí para frente, nada. Embarcações, nem uma! E eu queria comprar um iate daqueles que estão a afundar. As páginas acessíveis provam que Eduarda Rodrigues mentiu descaradamente. Desalmadamente. Porque todas a viaturas em leilão são apresentadas assim: “optimo estado de conservação”. A senhora da extorsão de activos justifica a venda antes de uma sentença transitada em julgado desta maneira: “os bens estão a deteriorar-se!” Afinal estão em excelente estado de conservação.

A quadrilha tem tanto poder que pode bem assumir o esbulho. Anda toda a gente tão borrada de medo que ninguém vai reagir. Entreguem as viaturas de luxo e as embarcações (iates) aos quadrilheiros e deixem-se de truques. No “leilão” um Range Rover com 9.985 quilómetros (novo) vale 29 milhões de Kwanzas. Um Lexus  LX 570 com dez mil quilómetros  custa a módica quantia de 21 milhões. Um Renault Duster seis milhões. Uma carrinha Toyota Hilux cinco milhões. Um Cadillac Escalade com 15 mil quilómetros sete milhões. Um Mercedes 200, quatro milhões. Olha o cambão! Sabem o que é isso? Conluio entre vários indivíduos para conseguirem os melhores lucros nos leilões.

Por falar em medo. Quero informar os generais da morte e seus capangas que se eu tivesse medo tinha aceitado o lugar de gerente que a minha amada, riquíssima, me ofereceu, juntamente com um chevrolet camaro descapotável e um apartamento na Marginal. A minha missão era cobrar as rendas dos prédios da Avenida dos Combatentes. Ficava com metade! Ao enveredar por esta maldita profissão renunciei à boa vida. Optei por viver entre a honra e a dignidade. Para isso não podemos ter medo. 

Adalberto, o chefe de turno dos sicários da UNITA, disse que “Jonas Savimbi escreveu na história do país o exemplo de um homem cujos discursos sempre reflectem a vivência dos compatriotas”. Confirmo. Em 1992, num comício onde apareceu a abanar de bêbedo, levou a mão à pistola que trazia no cinturão e disse com a voz pastosa: “No dia seguinte às eleições os crioulos nem ficam com os pés para fugir!”  Eu estava lá. Senti um arrepio de frio porque sou crioulo. Ele já me tinha ameaçado quando chegou ao Lubango, em Outubro de 1974, às costas dos racistas de Pretória: “Vou tirar o Artur Queiroz da Rádio!”. Não tirou. Saí pelos meus pés que também não cortou.

O Jornal de Angola deu uma notícia que me deixou de rastos. Vergado ao seu peso. O governo do Japão reforçou o sector da saúde em Angola com 20 ambulâncias! Se uma esmola humilhante já é notícia num jornal a dez dias de se tornar centenário, nada mais resta. Mas há mais.

O director administrativo e técnicos do Hospital Josina Machel (Maria Pia) foram presos porque tinham em sua posse 30 milhões de Kwanzas. Cadeia com eles. Uma funcionária detida foi apanhada com 432 mil Kwanzas na gaveta da secretária! A TPA mostrou o produto do crime. Até moedas foram apreendidas. Estamos salvos.

Outros ladrões perigosíssimos, tripulando uma motorizada triciclo Baldex (gosto mais da Kaveseki) roubaram portas do Tribunal de Malange. Uma micro operação deu para prendê-los juntamente com um segurança do edifício onde se faz justiça em nome do povo. Mais três bandidos roubaram cabras. As autoridades prenderam-nos e recuperaram os caprinos. Os presos foram mostrados na TPA. Neste aspecto o canal público procedeu correctamente. Também mostrou o General Miala na Jamba fardado à Zelensky. Hoje mesmo uma senhora funcionária do hospital de Benguela foi presa porque cobrou por um atestado médico. 

A corrupção não passará! Desfila engalanada à frente dos nossos olhos e todos encolhemos os ombros. Todos, vírgula. Alguns ainda têm força para dizer não.

O Doutor Tutti Fruti foi desconstruir o que nunca existiu à boleia do jornal Expansão. Deu-nos a escolher: Suicídio colectivo ou sobrevivência. Eu já lhe disse que há a via da resistência popular generalizada. Mas Aldemiro Vaz da Conceição esmagou o Carlitos Feijó. Até citou Jacques Derrida! Obrigado Tininho. Porque tiveste a coragem de escrever que o nosso problema radica nisto: Temos poucos quadros! Temos muita gente com papéis atestando licenciaturas, mestrados e doutoramentos. Mas são apenas papéis. Sabedoria é outra coisa. Investigação e Desenvolvimento não se fazem com papéis.

Aldemiro Vaz da Conceição ao citar Derrida fez-me lembrar o “necromobil” dos políticos. E a sua (dele Derrida) teoria: A linguagem deixa uma traça, um rasto marcante de ideologia. A linguagem pressupõe uma ideologia! Por isso é que os do Botsuana acabaram com essa massada das ideologias. Assim não fica rasto das nossas misérias e fraquezas. Aqui sou eu a dar uma de gajo culto. Até conheço as teses do Derrida e suas ousadas desconstruções. 

*Jornalista

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