Artur Queiroz*, Luanda
Angola é um país independente há 48 anos. Uma eternidade para quem alugou as armas aos colonialistas, disparando contra os libertadores, matando patriotas e civis indefesos. Naqueles primeiros segundos do dia 11 de Novembro de 1975, quando Agostinho Neto anunciava aos angolanos e ao mundo o nascimento de uma nova nação, invasores estrangeiros estavam estacionados no Morro da Cal (arredores de Luanda), armados até aos dentes, prontos a entrar na capital para impedir a proclamação. O Sul e praticamente todo o Centro de Angola estavam ocupados pelas forças invasoras do regime racista de Pretória.
O momento da proclamação foi uma manifestação de coragem. Um gesto de amor acrisolado à Pátria Angolana. Antes de ir para Kifangondo , ao início da tarde do dia 10 de Novembro, passei pelo escritório de Luandino Vieira para assinar a Proclamação dos Escritores Angolanos. Com a sensação de que esse gesto era apenas para os vivos saberem que não virámos a cara à luta nem traímos. Enquanto decorria a cerimónia no Largo da Independência, onde agora está a estátua de Agostinho Neto, com os meus companheiros de redacção do Diário de Luanda (Luciano Rocha, João Serra e Raimundo Souto Maior) fazíamos o número especial da independência.
Ao meu lado um saco de cores garridas, em pano, que fazia de mochila e pasta. Comprei-o no Algarve quando fui cobrir a cimeira do Alvor. Lá dentro tinha quatro granadas e uma pistola pronta a disparar. Se os invasores entrassem em Luanda e profanassem o jornal Diário de Luanda seriam recebidos com as explosões das granadas. A pistola era para mim, o tiro de misericórdia. A rotativa imprimiu a edição especial e fui para casa, ali perto, na Avenida do Hospital hoje Avenida do Primeiro Congresso do MPLA mas que também se chamou de Álvaro Ferreira. Nem um carro. Nem uma pessoa. Nada. Ninguém. Luanda estava paralisada e vazia.
Angola nasceu assim. Uma pequena parte libertada. A parte maior ocupada por forças estrangeiras. No dia 12 de Novembro de 1975 fui a Kifangondo. Encontrei lá o comandante Ndozi com os seus companheiros Kianda e Dinho Martins. Caía uma chuva miudinha, quase um sereno. Cacimbo tardio. O suficiente para impedir a perseguição aos invasores. E Ndozi dizia-me desconsolado: Estes bandidos têm sorte, até a chuva os ajuda. Quando o tempo permitiu, partiram as forças de libertação. Fui à boleia no blindado do Comandante Rui de Matos até aos Libongos.
Os bandidos continuaram cheios de sorte. Até ao dia em que os Corvos ao Imbondeiro, comandados pelo meu kamba de sempre Nelson Gaspar, e os homens de Ndozi entraram de rompante no Soyo. Uma boa parte do Norte estava libertada. No Sul os bandidos, sob o biombo da UNITA, ocupavam posições, matavam e destruíam. Até chegarem ao Ebo deixaram para trás um rasto de sangue, morte e destruições. Ali no rio, os bandidos perderam a sorte e foram estrondosamente derrotados. Depois escorraçados de Angola como cães vadios.
Angola já era um Estado? Não. Apenas um território de sonhos, uma Pátria amada pelos seus melhores filhos que ousaram empunhar armas para libertá-la a ferro e fogo. A potência colonial, dilacerada por contradições internas que explodiram em 25 de Novembro de 1975, encarregou-se de desmantelar as instituições angolanas. Os quadros técnicos e os operários especializados, funcionários públicos de todos os serviços foram levados em “pontes aéreas” diárias, de Luanda e Huambo para Lisboa. Nada ficou. Zero. Entre os resistentes não tínhamos quadros para gerir Luanda. Após 48 anos o panorama pouco mudou. Mas os bandidos estão com mais sorte do que nunca!
A autoridade do Estado foi fulminada a ferro e fogo desde o dia 11 de Novembro de 1975 e 2002. Continua. Há 48 anos foi posta em causa pelos invasores estrangeiros e seus aliados internos. Hoje pelos próprios agentes do Estado Democrático e de Direito. E pelos legisladores eleitos pelo Povo Angolano. Tomem nota. A Assembleia Nacional aprovou no ano 2000 uma amnistia aos sicários da UNITA que pegaram em armas contra o regime democrático, aos desertores das FAA em 1992 e aos que cometeram gravíssimos crimes de delito comum qualificados como Crimes Contra a Humanidade.
A Lei da Amnistia aos sicários e criminosos de guerra da UNITA, em 2000, foi aprovada por 132 depurados em 222. Apenas 16 votaram contra e 13 abstiveram-se. Adalberto da Costa Júnior, em Roma, disse que a amnistia era “um engodo” e garantiu que “o doutor Savimbi vai continuar a lutar”. A Amnistia Internacional declarou timidamente que “não deve haver amnistia para pessoas que cometeram crimes de guerra”. A ONU tinha imposto peadas sanções à direcção da UNITA, criminosos de guerra e ladrões dos diamantes de sangue!
Ontem estive mais de uma hora a
ouvir o discurso de Adalberto da Costa Júnior num comício comemorativo do
aniversário do criminoso de guerra Jonas Savimbi. Não vou citá-lo. Apenas digo
que o chefe de turno do Galo Negro pisou todas as linhas vermelhas além das
quais a democracia está
A Procuradoria-Geral da República (PGR) está filada nos bens alheios e apostada em destruir as angolanas e angolanos que enriqueceram graças a uma Política de Estado assumida pelo Presidente da República e o partido MPLA (vendedor das eleições livres e justas). Ignora os crimes da UNITA e seus reiterados crimes contra a democracia e a ordem constitucional.
Se Adalberto da Costa Júnior fizesse este discurso nos EUA estava preso ou enfrentava acusações graves. O senhor Donald Trump, por muito menos, num documento da Procuradoria com 45 páginas, enfrenta quatro acusações sobre o seu comportamento durante e após as eleições de 2020: Conspiração para fraudar os Estados Unidos da América, conspiração para obstruir um processo oficial, obstrução e tentativa de obstruir um processo oficial e conspiração contra direitos. Se forem provados, são muitos anos de cadeia. Adalberto e os sicários da UNITA antes, durante e depois das eleições fizeram mil vezes pior e nada aconteceu. No discurso de homenagem a Savimbi pisou todos os riscos.
A acusação contra Trump faz referência às repetidas tentativas de impedir ou minar a certificação da eleição pelo Congresso. Também são citadas notícias falsas, que o candidato espalhou sobre supostas fraudes eleitorais. Adalberto da Costa Júnior e a UNITA fizeram e continuam a fazer, umaano depois do acto eleitoral, mil vezes pior. No discurso de louvor a Savimbi, Adalberto passou todas as marcas. A Procuradoria-Geral da República anda a “vender” viaturas e embarcações de luxo aos amigos e compinchas da quadrilha.
Alexei Navalny levou 19 anos de prisão por apelos à insurreição. Foi acusado de ter criado uma organização extremista que comparada com a UNITA é uma associação de caridade. Navalny foi condenado porque foi provado em Tribunal que “criou uma comunidade extremista, incitação ao extremismo, financiamento de extremismo, reabilitação da ideologia nazi, envolvimento de menores em actos perigosos e criação de organizações não-governamentais passíveis de violar os direitos dos cidadãos”. O mesmo que faz a UNITA e continua a fazer, sob a liderança de Adalberto da Costa Júnior. Oiçam o seu discurso de homenagem a Savimbi.
Carles Puigdemont, presidente do governo da Catalunha, e seus companheiros de executivo catalão foram julgados e condenados a 13 anos de prisão por terem promovido a independência da região, em 2017. Para a Justiça Espanhola cometeram o crime de sedição. A UNITA vendeu a província de Cabinda a troco de um punhado de votos. Apoia abertamente os independentistas. Trocou a democracia pelo banditismo político e uns quantos deputados. A Procuradoria-Geral da República nem uma palavra. O negócio deles é extorsão de activos em nome do combate à corrupção. Quem tem de defender o Estado de Direito bandeou-se com o banditismo político. Fez de Angola o paraíso do banditismo político.
Em Portugal, Mário Machado, nazi, adorador do ditador Salazar e racista foi condenado. Em Angola os nazis da UNITA endeusam o criminoso de guerra e associado dos racistas de Pretória, Jonas Savimbi. Oiçam o discurso de Adalberto em homenagem ao assassino e ficam esclarecidos. A Procuradoria-Geral da República não vê nada, não ouve nada, não fala nada porque se bandeou com o banditismo político. Depois do discurso de Adalberto já devia estar a correr um inquérito às graves violações da Constituição da República, atentados ao Estado de Direito e à democracia.
Na Alemanha, Rüdiger Hoffman, do Partido Nacional-socialista (NPD) com a mesma ideologia da UNITA, foi condenado por tentativa de homicídio. Os sicários do Galo Negro matam mesmo e não lhes acontece nada. Adalberto da Costa Júnior no discurso de endeusamento do nazi Savimbi apelou claramente ao golpe de estado. À sedição. Ao assalto às instituições democráticas. A PGR passa o tempo a contar os biliões que “recupera” em nome do combate à corrupção. Faz tudo para que Angola seja o paraíso do banditismo político.
Na Alemanha, 25 neonazis ligados ao Movimento Reichsbürger (Cidadãos do Reich) foram presos após investigação da Procuradoria-Geral revelar um plano para um golpe de estado com ataques armados a várias autoridades. Adalberto e a direcção do Galo Negro fazem o mesmo, impunemente. No discurso de homenagem ao chefe nazi Jonas Savimbi repetiram os crimes. Nada aconteceu. A PGR está entretida a vender carros e barcos.
No Brasil, Jair Bolsonaro, companheiro de jornada da UNITA, está acusado de Crimes Contra a Humanidade. Arrisca muitos anos de prisão. Em Angola os seus irmãos de banditismo político minam e sabotam o regime democrático e o Estado de Direito. Como se já estivessem no poder e ninguém tenha força ou coragem para lhes fazer frente
Pela fé de quem sou vos digo que estão enganados. O banditismo político não passará!
*Jornalista
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