Rui Gustavo, jornalista | Expresso (curto)
As interjeições religiosas não
são um exclusivo dos crentes católicos. Por exemplo: já ouvi um ateu exclamar
que “graças a Deus” não estará em Lisboa durante a Jornada Mundial da Juventude
e um fiel da Igreja dar as mesmas “graças a Deus” por estar na capital e poder ver o Papa, poupando assim uma sempre dispendiosa
viagem a Roma e ao Vaticano.
Por um acaso certamente divino, as iniciais em português da Jornada
Mundial da Juventude - que arranca hoje de manhã em Lisboa - são as mesmas de
Jesus Maria José, uma interjeição de espanto muito usada em clássicos da
literatura medieval entretanto caída em desuso e que dará bastante jeito para a
jornada que hoje se inicia.
Para começar, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, celebra
missa às sete da tarde no altar montado no Parque Eduardo VII, no coração
de Lisboa. São esperados mais de 300 mil fiéis e o incómodo é tão inegável como inevitável.
À hora da missa – 19h00 – vão estar fechadas quatro estações de metro e as ruas
próximas do local da celebração estão interditas à circulação automóvel. Os
moradores são aconselhados a “não” se deslocarem em viatura própria e mesmo que
tenham dístico de residente não poderão estacionar nas zonas de segurança
marcadas a vermelho. Os que não conseguiram fugir, nem sentem vocação para
participar no momento litúrgico poderão sentir-se tentados a soltar
interjeições menos cristãs.
O próprio altar é motivo para um bom Jesus Maria José. Teve um preço previsto
de dois milhões de euros, mas perante o bradar geral, o projeto diminuiu
de tamanho e de custo: 450 mil euros suportados pela Fundação JMJ. Ainda assim, toda a estrutura ligada ao Parque Eduardo XVII vai
ultrapassar os 3 milhões de euros: 430 mil para instalações sanitárias, 1,8
milhões para écrans, som e estruturas, 300 mil para infraestruturas e
equipamentos, 360 mil para luz e som de palco, 250 mil para produção e
vigilância dos equipamentos. A fatura é nossa. Ou do Estado, se preferir.
No final da festa, será desmontado.
No local, decorrerá uma via-sacra e um dos momentos mais espirituais e
puramente religiosos da semana.
Em Belém, logo pela fresca, abrem-se as portas a “Cidade da Alegria” com
stands de várias organizações religiosas e 150 confessionários construídos por
reclusos das cadeias portuguesas. Alguns deles vão ter um encontro em Fátima com o Papa no
próximo sábado para rezarem e, possivelmente, cantarem uma música que
criaram para a ocasião.
Manuel Clemente é, oficialmente, o pai da ideia de trazer a JMJ para Lisboa e na última edição do Expresso, falou do enorme elefante no meio
da sala: “A questão dos abusos feriu-me pela dor de quem sofreu o que nunca
devia ter sofrido.” O religioso, que deixará o cargo de cardeal-patriarca
no final do verão, referiu-se à sombra que irá pairar sobre o “maior
evento que já decorreu em Portugal” e que deverá juntar 1,5 milhões de pessoas: o
horror dos abusos sexuais cometidos por religiosos destapado por um relatório de uma comissão independente a
que a Igreja reagiu atabalhoadamente, vendo-se depois obrigada
a emendar a mão e a admitir “infelicidade” na comunicação.
O memorial às vítimas, cuja inauguração chegou a estar prevista para esta
semana, foi adiado e já foi criticado pela representante das vítimas. “É
ofensivo.” E até o presidente da Fundação JMJ, bispo Américo Aguiar — que
será elevado a cardeal em setembro — considerou que “não é a forma mais
feliz” de evocar as vítimas. O monumento parece morto e sem grande
possibilidade de ressurreição.
Amanhã, chega a Portugal a grande estrela do evento. O Papa Francisco, que será
lembrado pela História por ter imposto à Igreja uma atitude diferente contra os
abusos sexuais de menores no seio da instituição, aterra
O Sumo Pontífice tem uma agenda carregada com encontros com altos dignatários e
vai participar num acolhimento, numa via-sacra e numa vigília. Domingo, celebra
a missa do envio no altar do Parque Tejo que custou 2.9 milhões de euros.
Será o maior evento jamais realizado
E durante esta semana vai encontrar-se, falar e tentar confortar vítimas
de crimes de abuso sexual cometidos por membros da Igreja portuguesa. O dia e o
local do encontro estão no segredo dos deuses.
OUTRAS NOTÍCIAS
Primeira dor de cabeça da Jornada: 106 peregrinos de Angola e Cabo Verde foram dados como
“ausentes” pela organização. Entraram em Portugal, mas não se apresentaram
na Diocese de Leiria – Fátima. As autoridades recusam usar a palavra
“desaparecidos”.
A nossa seleção feminina de futebol bem precisa de uma mão divina para
ultrapassar esta montanha dos Estados Unidos da América. À hora do
fecho deste curto, Portugal, que participa pela primeira vez num mundial, está empatado com as campeãs do mundo (venceram as
duas últimas edições) e uma das grandes favoritas à conquista do cetro. Se
vencermos (seria a primeira vez em onze jogos), seguimos para os oitavos de
final. Um empate também pode chegar, mas só por milagre. Por outras
palavras: as “navegadoras” (nome original, hein) só dependem de si mesmas.
No Tribunal de Setúbal, é lida a sentença do caso Jéssica Biscaia, uma
criança de três anos morta à pancada por causa de uma suposta dívida de
bruxaria ou de tráfico de droga. Os acusados pelas agressões – um casal e a
filha - negam o crime brutal. A mãe da criança está igualmente acusada de homicídio
qualificado por não ter prestado auxílio ou cuidados médicos à filha.
Arriscam todos a pena máxima de 25 anos de prisão. As lesões da vítima
impressionaram o médico legista que a autopsiou.
Ricardo Salgado vai ser julgado pelos 65 crimes de que estava acusado pelo
Ministério Público. A decisão instrutória do juiz Pedro Correia atinge 25
arguidos que serão julgados pela derrocada do Grupo Espírito Santo,
ocorrida há nove anos.
As Nações Unidas registaram 26.015 vítimas civis na Ucrânia (9.369 mortos e
16.646 feridos), desde o início da invasão russa a 24 de fevereiro de 2022. O
número real deverá ser bastante mais alto. Moscovo foi atacada por drones pelo
terceiro dia consecutivo.
Se acredita no milagre da sorte hoje é o dia de apostar no Euromilhões: há
um 'Jackpot' de 71 milhões de euros.
FRASES
“É preciso muita imaginação para procurar problemas onde devemos ver
satisfação”
António Costa, de copo cheio na
mão
"Entre hoje e amanhã vamos assistir ao primeiro grande momento da jornada
com um número elevado de peregrinos que se vão deslocar das dioceses de
acolhimento para Lisboa, Setúbal e Santarém, e que poderá provocar alguns
constrangimentos consideráveis no funcionamento habitual da vida quotidiana dos
residentes, nomeadamente na mobilidade e acesso a serviços"
Paulo Vizeu Pinheiro, Secretário-geral
de Segurança Interna a cumprir a ingrata missão de constatar o óbvio
“Há problemas desde
Magina da Silva, que não é
diretor da PSP desde a fundação, mas que admite não ter resolvido os problemas
da instituição em três anos de mandato
“A minha crítica é ao Estado, ao seu enorme envolvimento financeiro e
à perturbação que impôs à vida de milhões de pessoas. A conversa de que o
catolicismo é a religião da maioria dos portugueses não pode chegar”
Daniel Oliveira e os 38 milhões
que o Estado laico investe num acontecimento religioso
“Peço desculpa aos lisboetas e assumo o incómodo, mas é um momento tão único
para a cidade, é o retorno de sermos o centro do mundo durante cinco dias. Acho
que vale a pena o sacrifício, mas peço desculpa por qualquer incómodo”
Carlos Moedas, presidente da
Câmara de Lisboa, e um dos maiores entusiastas da Jornada
“Sou lésbica, sou católica, sou pessoa”
O testemunho impressionante de uma jovem voluntária da JMJ várias vezes ameaçada com o inferno por membros da Igreja em que acredita
O que eu ando a ler
Rebeca
Daphne du Maurier
Livros do Brasil
Quinto livro da autora britânica, é o pináculo do romance gótico e conta o
intenso drama psicológico de uma ingénua dama de companhia que se casa com um
viúvo vinte anos mais velho atormentado pela lembrança da primeira mulher,
Rebeca, o antónimo exato da nova esposa. Escrito em 1938, foi um êxito imediato
e seria adaptado ao cinema por Alfred Hitchcock numa fita magistral que ganhou
o Óscar do melhor filme de 1941 (estou a ignorar de propósito a inútil nova
versão feita agora para a Neflix). A mansão onde decorre a trama – Manderley –
existia mesmo e passou a ser a casa da autora quando se casou com Frederick
Browning, um tenente-general do exército britânico que se notabilizou na I e na
II guerra mundial e foi nomeado tesoureiro de Isabel II. O herói de guerra leu
o primeiro romance da autora – “The Loving Spirit” – e ficou tão impressionado
que decidiu escrever-lhe a pedir-lhe um encontro. Um ano depois estavam
casados. Du Maurier, que era neta do escritor George du Maurier, escreveu até
ao fim da vida e é autora de clássicos como “Os Pássaros” e “A Pousada da
Jamaica”, adaptados ao cinema por Hitchcock; e “Aquele Inverno em Veneza”,
outro sucesso que também passou ao grande ecrã pela mão de Nicolas Roeg com
Donald Sutherland e Julie Christie nos principais papéis. Morreu aos 82 anos em
Menabilly, o verdadeiro nome da mansão de Rebeca.
Por hoje é tudo. Um dia santo com as sagradas recomendações da equipa
multimédia do Expresso:
“A minha esposa goza comigo porque eu digo a toda a hora 'Just Do It', que é o
mote da concorrência, mas é difícil usar na rotina diária o 'Impossible is
Nothing'” Quem o diz é o vice-presidente global da Adidas, português
natural de Fão, Rui Pedro Silva, em entrevista no podcast O CEO é o limite
A escritora cubana Karla Suárez e a investigadora do Instituto de História
Contemporânea da Universidade Nova, Raquel Ribeiro, que viveu em Cuba, falam da
desesperança no futuro pela população cubana, que enfrenta neste momento um dos
períodos de maiores carências das últimas décadas no podcast O Mundo a seus pés
Gosta de passear a pé? Conheça aqui o trilho do Caldeirão, uma lagoa
deslumbrante no centro de um vulcão. Primeiro de seis episódios do novo podcast
da SIC Notícias com dicas de caminhadas para este Verão. Oiça e subscreva o podcast Ao Km: Descobrir Portugal a Caminhar
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