sábado, 23 de setembro de 2023

Angola | O Voo Rasante do Racismo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O colonialismo impôs aos angolanos o analfabetismo durante séculos. A abolição da escravatura nesse aspecto pouco mudou. Em 1961, no início da luta armada de libertação nacional, o Estatuto do Indigenato foi abolido e milhares de angolanos negros tiveram acesso ao ensino. Mas o analfabetismo continuou. Em 1963, os Estudos Gerais Universitários abriram em Luanda, Huambo e Lubango. Até 11 de Novembro de 1975, pouco mais de uma década depois, algumas dezenas de angolanos negros tinham cursos superiores. Mas o analfabetismo continuou em doses maciças. 

Os ocupantes mesmo que fossem analfabetos estavam no top da escala social. Mal atravessavam a linha do Equador ganhavam logo o estatuto de patrão mesmo que fossem apenas capatazes. Os negros, mesmo que fossem licenciados eram discriminados socialmente. Vítimas de racismo. 

Durante o ano de 1975 Lisboa e Washington organizaram pontes aéreas que esvaziaram Angola de funcionários, públicos, operários especializados, técnicos, quadros superiores. Escolas sem professores, hospitais sem médicos e outros técnicos de saúde, serviços essenciais paralisados. Nas pontes aéreas partiram de Luanda e do Huambo milhares de portugueses e angolanos que punham a máquina económica e os serviços a funcionar. O analfabetismo regressou em força. Pior do que nunca.

Neste quadro trágico, os angolanos mestiços e brancos que ficaram depois da Independência Nacional, ajudaram a salvar Angola da paralisação total. Os guerrilheiros que fizeram a luta armada, reforçados com jovens que prestaram serviço militar obrigatório, sobretudo os que fizeram cursos de oficiais e sargentos, mais os “Comandos” conseguiram vencer a Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial. Entre esses Heróis Nacionais estavam mestiços e brancos, por razões óbvias. Eram os que tinham habilitações para frequentar os cursos de oficiais e sargentos milicianos no tempo colonial. Os negros estavam em minoria. 

A DTA (hoje TAAG) tinha angolanas e angolanos ao seu serviço. Foram os primeiros comandantes de aeronaves da Angola Independente. Formaram as primeiras tripulações. Como consequência das políticas coloniais, mestiços e brancos estavam em maioria. O esforço de guerra agravou o problema do analfabetismo. E a qualidade de ensino caiu. De tal maneira que hoje temos muitos papéis de licenciaturas, mestrados e doutoramentos, Mas poucos licenciados, mestres e doutores. 

Uma conversa na Internet decorreu à volta do “Colorismo na TAAG. Não Brinquemos com o Fogo”. Luzia Moniz escreveu que “estamos a virar Brasil, onde é preciso quotas para a maioria negra”. Está desculpada. É uma vítima do analfabetismo ainda que tenha desempenhado cargos só para quem tem formação específica. Mas quem não tem quadros especializados caça mesmo com analfabetas e analfabetos.

Inocência Matta, tem papéis que lhe dão o estatuto de professora universitária em Portugal. Não é analfabeta. Na “conversa” da Internet escreveu: “O colorismo na TAAG não é de hoje! Aliás, reflecte os preconceitos da sociedade angolana – uma sociedade em que os preconceitos raciais ainda prevalecem. Qual Brasil? Angola é outro Brasil!!! “

Como não é analfabeta este discurso é de uma racista em estado terminal. Que pertence à Academia Angolana de Letras. E da qual tenho pena. Já convivemos, já discutimos, já participámos numa conferência sobre o 4 de Fevereiro. Se puder ajudá-la a vencer a doença, estou disponível. 

As angolanas e os angolanos só saem do seu país, deixam família e amigos, porque querem ter uma vida melhor. Todos os que emigram procuram melhores condições de vida. Ninguém vai de Luanda para Lisboa ganhar 40.000 Kwanzas por mês ou viver numa casa sem água e luz. Ninguém sai de Lisboa rumo a Luanda para ganhar o mesmo que ganhava no seu país. Mal por mal ficam em casa e com a sua gente.

Se há estrangeiros em Angola ganhando mais do que os angolanos é exactamente porque têm qualificações que nos faltam e não porque os mestiços e os brancos estejam no poder e explorem ou discriminem a maioria negra como acontece no Brasil onde 56 por cento da população é negra descendente dos escravos angolanos. Em Angola os mestiços não chegam a dois por cento da população. E os brancos nem um por cento. O MPLA fez a diferença. 

A maioria negra (98 por cento!) é dona da terra. No passado foi escravizada. Sofreu todas as injustiças e abusos dos ocupantes. Mas entre 1961 e 1975 foi possível destruir o império colonial, libertar Angola e colocar a maioria negra no poder. Um só povo. Uma só nação. A luta continua. A vitória é certa. Mestiços e brancos estavam e continuam a estar em todas as frentes de combate. Luandino Vieira. António Jacinto, Pepetela e Mena Abrantes são escritores angolanos.

Inocência Matta. Vai-te curar. Se precisares de ajuda, estou sempre disponível. Uma das coisas mais importantes que fiz na vida foi participar nas brigadas de alfabetização sob a bandeira do MPLA e a coordenação de Pepetela.

Também sou próximo de alguns comandantes da TAAG: Pestana (piloto de Agostinho Neto e do MPLA), Praça (branco do Bairro Operário) ou Zé Maria Castro e Silva mestiço do Bairro do Café. Querem mandá-los para o vosso Tarrafal da intriga, da traição e do racismo? Como diz a Luzia Moniz, não brinquem com o fogo! O racismo também é um crime de ódio. E as penas são pesadas.

*Jornalista

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