terça-feira, 3 de outubro de 2023

Angola | Abutres e Hienas de Estimação -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Na Floresta da Ilha existia um pequeno zoo que só podia ser visto por quem tinha cartão para entrar naquele espaço, pessoas e viaturas. Os guardas florestais tinham toda a gente debaixo de olho. Fogueiras  nem pensar. Lixo no chão dava expulsão. Os animais podiam ser apreciados mas era proibido dar-lhes comida. A população do pequeno jardim zoológico era pouco variada: Macacos, chipanzés, muitas aves de rapina com destaque para os abutres e um casal de hienas que se escondia dos olhares intrusos. 

A Mocidade Portuguesa fazia lá um acampamento todos os anos. O hábito acabou quando o Sousa Vales arranjou um pistolão e de madrugada entrámos na Floresta aos tiros para o ar. Saímos pela baía numa canoa. O canoeiro cobrou-nos cinco paus e uma garrafa de Vinul. O tiroteio deu uma maka mundial. Os jornais falavam em forças subversivas e o Reis Ventura disse mesmo que os inimigos da pátria portuguesa invadiram Luanda. Obriguei o meu amigo a jurar que se voltasse a embebedar-se não usava a pistola. 

Ernesto Lara Filho era regente agrícola, formado na escola de Coimbra. E foi funcionário da Secretaria Provincial de Agricultura e Florestas até ser expulso por razões políticas. Enquanto esteve no exílio foi locutor do programa Angola Combatente na Rádio Brazzaville. Quando a irmã, Alda Lara, faleceu ele regressou e foi preso. Expulso de tudo. Sabia por que razão existia a Floresta da Ilha. Em Angola, muito de vez em quando, surge um  El Niño” que provoca terríveis calemas. A última varreu mais de dois terços da Ilha do Cabo e a Fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa, maior que a de São Miguel.

A contra costa foi protegida por pedregulhos e a Baía pela Floresta da Ilha. As casuarinas amainam os ventos dominantes e travam a areia. Aquele espaço protegido e protector recebeu dezenas de refugiados da guerra que nos foi imposta pelo estado terrorista mais perigoso do mundo, entre 1961 e pelo menos 1998. Era no tempo dos abutres colonialistas, famintos, que debicavam em Angola até encher o papo. 

Os abutres que comiam até regurgitar eram os norte-americanos, ingleses, franceses, holandeses e belgas. Até 1961 mandava a Robert Hudson, a Casa Americana, a Hul Blyth, a Casa Holandesa (Zeud) e outros ninhos de abutres. Depois do início da Luta Amada de Libertação Nacional chegaram os abutres mais famintos: Cabinda Gulf (Chevron). Os colonialistas de Lisboa ofereciam o petróleo e os terroristas de Washington davam apoio político e diplomático às mortandades da Guerra Colonial. O festim continua.

A Floresta da Ilha, já depauperada, foi vendida a uns milionários do Dubai que vão construir lá um hotel de luxo. Quando o nosso “El Niño” libertar calemas gigantescas vai ter o mesmo fim da Fortaleza de Nossa Senhora da Flor da Rosa. As populações são varridas pelas ondas gigantes afamadas de tsunami. Até a minha amiga Maria Emaculada e a sua menina Yusane, que dança ballet clássico. Espero não estar cá. Já cantei mil vezes aquele tema do Nat King Cole: Quero, Chorar Não Tenho Lágrimas Que Me Rolem nas Faces Para Me Socorrer.

Agostinho Neto estava certo quando disse que África é um corpo inerte onde todos os abutres debicam. Mal imaginava que na Angola que ele proclamou independente, os abuitres iam ser substituídos por hienas fétidas, pastadas pelo nosso Mobutu. Olhemos para o passado. Mas com olhos de ver. Se estivermos atentos, protegemos o presente e salvamos o futuro.

Olho para trás e vejo os colonialistas de Lisboa, costas quentes pela OTAN (ou NATO), torturando, massacrando e assassinando milhares de angolanos indefesos. Uma cobardia sem nome. Para cumprirem o seu programa de assassínio e latrocínio tiveram o apoio empenhado dos EUA e das grandes potências europeias hoje chamadas de “ocidente alargado”. 

As forças de libertação, sob a bandeira do MPLA, avançavam imparáveis rumo à Independência Nacional. Os EUA despejaram milhões na FNLA para o movimento defender os seus interesses e os do Mobutu de Kinshasa. Atrasaram a libertação dez anos. Uma década de torturas, prisões arbitrárias, latrocínio e morticínios em larga escala. Até usaram napalm, armas químicas e biológicas contra os nossos guerrilheiros.

Mesmo assim os lutadores pela Liberdade avançavam. Os serviços secretos do ocidente alargado, em estreita cooperação com a CIA, criaram a UNITA. Assim impediram que a guerrilha do MPLA chegasse ao Planalto Central e ao Planalto de Malange. Mais um atraso na Libertação. Ante a força esmagadora da coligação mais reaccionária e agressiva do planeta Terra, o Sul Global deu-nos uma mão através da União Soviética, República Popular da China, Jugoslávia, Cuba, Argélia e outros países amigos.

O ocidente alargado fez de Angola um imenso campo de concentração e um grande cemitério de civis inocentes. O Sul Global ajudou-nos a conquistar a Liberdade. As nossas riquezas ficaram para nós. Fizeram tudo para ficarmos sem quadros, operários especializados e oficiais de todos os ofícios. Até os cantineiros e taxistas bazaram nas pontes aéreas montadas para nos deixarem sem recursos humanos. Assim não gerimos bem as nossas riquezas.

Os países do Sul Global protegiam-nos. Ajudavam-nos a lutar. Armavam-nos. Formavam os nossos combatentes. O estado terrorista mais perigoso do mundo corrompia angolanos e despejava milhares de milhões nas forças que se opunham à Independência Nacional. Isto foi assim até pelo menos 2017. Daí para cá o nosso Mobutu é que sabe. Montou a corrupção dele com o estado terrorista mais perigoso do mundo.

O ocidente alargado virou as costas a Angola depois das eleições de 1992. Marcolino Moco sabe bem como correu aquela conferência de doadores em Bruxelas onde o seu Governo esperava receber fundos para a Reconstrução Nacional. Nem pó. Nem cascas de jinguba (são afrodisíacas…). Nada vezes nada. Tinham assumido o compromisso de financiar as obras da reconstrução mas como a UNITA perdeu as eleições, deram o dito pelo não dito. Quem se chegou à frente? O Sul Global. 

Os abutres não quiseram pegar no Caminho-de-Ferro de Benguela. Era preciso muito milhão para recuperá-lo. Foi a República Popular da China que fez a obra, desde os carris às estações e ao material circulante. As grandes obras públicas de Capanda, Barragem de Laúca, alteamento da Barragem de Cambambe tudo a cargo de países do Sul Global. A Mota-Engil, empresa de um país do ocidente alargado, recebeu milhões para construir a Base Naval do Soyo.  É nossa? Perguntem ao nosso Mobutu quem vai usar esse equipamento militar importantíssimo na parceria de “segurança marítima” com o estado terrorista mais perigoso do mundo. 

O nosso Mobutu tornou realidade, um antigo sonho do ocidente alargado (vem desde a Conferência de Berlim) que é dominar o que resta do território angolano a Norte da foz do Rio Zaire. Com a base do Soyo ao dispor, a energia passa para as mãos dos gringos. Eles viraram hienas de estimação do zoo de João Lourenço.

Alto e acabou a confusão. Não falem mais em terceiro mandato porque isso é impossível. O nosso Mobutu é o abono de família dos sicários da UNITA. A “destituição” é pura manobra de diversão, para acreditarmos que eles estão contra o chefe. O terceiro mandato só é possível com uma revisão da Constituição da República e isso é impossível porque o Grupo Parlamentar do MPLA não dá um só voto para esse peditório. Esqueçam.

No próximo congresso do MPLA o nosso Mobutu entrega a pasta e sai pela porta do cubico, mais ou menos de cócoras. Não é candidato e ai de quem tenha o seu apoio. Vai directamente para o lixo. As suas hienas vão comendo os restos enquanto é tempo. Mas o relógio da História não os favorece. 

Os Media públicos têm chusmas de peritos em ciência política e relações internacionais, mestres e doutores em Direito, analistas de primeira. Ninguém até agora foi capaz de explicar que Jair Bolsonaro foi condenado em última instância. Não pode votar nem ser eleito, até 2030. Porque pôs em causa o processo eleitoral, usou os Media brasileiros, públicos e privados, para propagar mentiras sobre uma hipotética fraude eleitoral. Pôs em causa a idoneidade do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil. No acórdão da última instância está escrito que Bolsonaro “fez declarações sem provas que punham em dúvida a segurança das urnas e o processo eleitoral”.

Angola, 1992. Eleições declaradas pela ONU como livres e justas. Super vigiadas por observadores internacionais e particularmente de Portugal, EUA e Federação Russa. A UNITA rejeitou os resultados, Pôs em causa as instituições. Fez uma guerra contra o Povo Angolano de 10 longos anos. Milhares de mortos. Ninguém alterou a Lei Eleitoral.

Angola 2008. A UNITA perdeu asa eleições e ate hoje fala em fraude eleitoral, pondo em causa as instituições. Ninguém mudou a Lei Eleitoral. Angola 2012. A UNITA perdeu as eleições e voltou a invocar a fraude. Pôs em causa a idoneidade das instituições e seus servidores. Ninguém alterou a lei Eleitoral. Angola 2017. A UNITA perdeu as eleições. Invocou a fraude e até hoje diz que ganhou. Ninguém alterou a Lei Eleitoral. Angola 2022. A UNITA perdeu as eleições fala em “fraude generalizada” e diz que ganhou, Abandalha a Comissão Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional. Até ameaça a Veneranda Presidente, Laurinda Cardoso. Ninguém altera a Lei Eleitoral.

Os sucessivos deputados do MPLA, sempre em maioria, não querem mudar a Lei para acontecer aos sicários da UNITA o mesmo que aconteceu a Bolsonaro. Mais hienas de estimação alimentadas pela Casa da Democracia!

*Jornalista

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