Artur Queiroz*, Luanda
A pastora Paulina Chilombo, da Igreja Ministério Jesus Cura Divina Angola, foi detida pelas autoridades por suspeita de burla qualificada. O sistema angolano deu um passo importante no sentido da civilização e a detida vai ser presente ao juiz das garantias, que tomará uma decisão de acordo com a Lei. Nos países em que o Poder Judicial não recebe ordens do chefe porque existe a separação de poderes, todas e todos gozam da presunção de inocência até existir uma sentença transitada em julgado.
A pastora Paulina ainda nas mãos dos agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC) foi condenada à morte. Violada selvaticamente. A sua honra esmagada. Rasgada em mil pedaços a sua imagem. Atropelada a sua esfera pessoal. Irremediavelmente condenada na TPA, canal público de televisão. Um carrasco executou a sentença ante as câmaras, exibindo uma arma terrível: A sua carteira profissional. As Câmaras seguiam a condenada até uma viatura da polícia. Depois exibiam um grande plano da vítima e a legenda Burla Qualificada.
Acusação dos carrascos: A pastora Paulina é enfermeira. A pastora Paulina cobrou dinheiro em troca de pensões da Segurança Social das Forças Armadas Angolanas. E ela encarou a câmara com dignidade e ao mesmo tempo desprezo pelos carrascos que a executavam na praça pública. Era assim no Largo do Pelourinho, em Luanda, há 400 anos. Nesse tempo as vítimas eram executadas pela Inquisição ou os militares da guarnição da Fortaleza de São Miguel. A pastora Paulina foi violada, esmagada, executada pelos serventuários de um Media público.
A pastora Paulina é tão inocente como a mãe do Cabingano Manuel, o chefe da alcateia que a executou na praça pública. A pastora Paulina é tão honrada como a Kieza Silvestre. É tão digna como todas e todos os que recebem o seu salário na TPA.
Enquanto não existir uma sentença transitada em julgado, a pastora Paulina é tão inocente como Carolina Cerqueira, Esperança da Costa, Ana Dias Lourenço, ou qualquer ministra do Executivo. Não acredito que a TPA apresentasse a imagem de uma destas personalidades se chegasse às mãos do Ernesto Bartolomeu um papelito “exclusivo” a dizer que suas excelências andam a vender pensões de reforma. E com uma agravante: São da OMA!
Teixeira Cândido, presidente do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, manifestou a sua solidariedade com o jornalista Carlos Alberto, detido pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC), em cumprimento de um mandado de captura emitido pela Procuradoria-Geral da República. Foi detido porque agrediu gravemente no seu portal “A Denúncia”, o magistrado do Ministério Público Mota Liz. Difamou e caluniou. Foi condenado. O Tribunal foi benevolente (não devia ser, mas já lá vou) e suspendeu a pena desde que o agressor pedisse desculpas públicas ao ofendido. Como trabalha às ordens do Miala foi praticamente absolvido. Com as costas quentes, não pediu desculpa. Vai cumprir a pena.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas, na dupla qualidade de jurista e sindicalista disse: “Embora não conheça oficialmente as razões da prisão do jornalista Carlos Alberto, o Sindicato dos Jornalistas Angolanos, enquanto associação que defende a liberdade de imprensa no país, solidariza-se com o profissional de comunicação”. Se o Carlos Alberto violar uma mulher, em nome da “liberdade de imprensa” o sindicato solidariza-se com o violador. Se o Carlos Alberto abusar sexualmente de uma criança, em nome da “liberdade de imprensa” o Teixeira Cândido solidariza-se com o abusador. Se o Carlos Alberto assaltar a casa do Teixeira Cândido, ele solidariza-se com o salteador em nome da “liberdade de imprensa”.
Teixeira Cândido leva os seus delírios ao ponto de afirmar que “a criminalização da actividade jornalística inibe o exercício da liberdade de imprensa”. Portanto, nenhum jornalista pode ser chamado a Tribunal e muto menos condenado. Quando um dirigente sindical pensa assim está mais do que justificada a morte do Jornalismo Angolano. Estes aprendizes de feiticeiro não conseguem compreender que os chamados crimes por abuso de liberdade de imprensa são antes do mais crimes contra os Jornalistas e contra o Jornalismo.
Em 1975, eu era presidente do Sindicato dos Jornalistas. A meu pedido, a Dra. Maria do Carmo Medina assumiu a direcção do gabinete jurídico. Dois jornalistas do jornal O Comércio foram processados por um cidadão que se sentiu difamado e o seu direito à imagem espezinhado. Ambos pediram apoio jurídico ao sindicato. A directora do gabinete deu-nos este conselho: “Quando existir a suspeita de crimes por abuso de liberdade de imprensa, o sindicato não deve apoiar os suspeitos. Eles que contratem um advogado”. E assim se fez.
O ponto de conflito entre a Liberdade de Imprensa e os Direitos de Personalidade reside no chamado Direito à Inviolabilidade Pessoal. Já o disse mil vezes mas vou repetir. Este direito tem uma projecção física (direito à imagem e direito à palavra escrita e falada). Uma projecção moral (direito à honra, ao bom nome, à consideração social). Uma projecção vital (esfera privada, esfera pessoal, esfera do segredo e história pessoal). Como não há liberdades ilimitadas, quem pisar estes riscos vai a Tribunal e arrisca uma condenação.
Num trabalho académico defendi que um jornalista com duas condenações por violar Direitos de Personalidade deve perder a carteira profissional. Tem de mudar de profissão. Os Media que forem veículos desses crimes gravíssimos devem pagar uma multa pesada. Primeiro abuso, um milhão de dólares. O segundo, dois milhões. E acumula um milhão por cada nova violação. Porque os Direitos de Personalidade incluem o Direito à Honra, o Direito à Vida, o Direito à Imagem, o Direito à Imagem, o Direito ao Bom Nome, o Direito à Reserva da Intimidade da Vida Privada.
Os Direitos de Personalidade são irrenunciáveis e intransmissíveis. O catálogo nasceu no final do Século XIX com o Direito à Vida, o Direito à Honra e ao Bom Nome. Hoje constam na lista mais de uma dezena. Mas na velha Roma já existia a “Actio Injuriarum” protegendo contra os atentados à pessoa, físicos ou morais.
Os Direitos da Personalidade estão ligados de forma indissociável ao reconhecimento da Dignidade Humana, qualidade necessária para o desenvolvimento das potencialidades físicas, psíquicas e morais de todos os seres humanos. Jamais a Liberdade de Imprensa pode sobrepor-se a estes direitos que têm igualmente protecção constitucional. Nunca se esqueçam: Os crimes por abuso de Liberdade de Imprensa são gravíssimos. Ainda que sejam punidos com bagatelas penais. Os lobos que atacaram a pastora Paulina vão ficar a lamber a beiça. Neste sistema a pessoa humana nada vale. Os Direitos de Personalidade ainda menos.
*Jornalista
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