Artur Queiroz*, Luanda
Em tempos que já lá vão abastecia-me de Vinul, Castelvinho e Bangasumo, o propriamente dito de ananás. Líquidos fulminantes que embebedavam à velocidade dos telegramas. Eu gostava e desgostava. Com esses produtos baratuchos aprendi a sonhar e a sonhar vivi. Viajava tão alto que chocava com as estrelas do Cruzeiro do Sul. Empoeirava-me de luar. A meio caminho poisava suavemente no regaço de meninas da vida desprevenida. O sonho ganhava asas e voava para outros sonhadores. Amei e chorei de amor. No dia seguinte acordava todo partido, ressacado, boca sabendo a papel apanhado no lixo. Todo amarrotado.
Meti-me na vida de repórter e um dia assisti ao julgamento de um velho acusado de roubar plantas no horto municipal, de portas abertas ao negócio da planta e da flor. Roubou ou não roubou quatro pés de buganvílias com folha perene? Roubou. Vai preso. Insultei os polícias, o juiz e não deixei levar o velho. Levei nos cornos e a autoridade quis julgar-me por desacatos e falta de respeito ao Tribunal. Um advogado bondoso salvou-me. Fui curar as feridas com uma litrada de Vinul. A vida de repórter é dura.
Os soldados do RIL invadiam o Bairro Operário e levavam tudo à frente. Para os invasores, as mulheres eram todas prostitutas. Meteram-se com a minha amada e enfrentei os tropozoides. Levei tanta porrada de cinturão que meses depois ainda tinha no corpo os vincos do couro e as marcas das fivelas. Entrevistei a Maria Luísa: Qual foi a maka então?
Esse aí queria porcarias. Eu lhe falei que não metia a minha boca de comer naquilo. Nem que fosse atrás! Sou uma mulher de respeito. Entreguei o texto da entrevista e foi para o cesto dos papéis ao qual o Bobela Mota chamava a cesta secção!
Tantos anos passaram e continuo na mesma vida. Mas hoje perdi a cabeça. Fui ao supermercado e paguei 60 euros por uma garrafa de vinho. Vou dizer a marca porque ninguém vai repetir a linha loucura: Quinta do Côto Grande Escolha. Tenho um copinho de tasco chamado “negus” e desde a meia-noite que vou debicando. Tem que durar até ao último segundo deste 11 de Novembro.
Lúcido, com o fígado em sossego, fixo os olhos no livro “Paraísos Artificiais” de Charles Baudelaire. O Vinho dos Amantes. Partamos cavalgando o vinho pelo céu feérico e divino. A Alma do Vinho. Uma noite a alma do vinho cantava nas garrafas: Homem, vai de mim para ti, ó caro deserdado. Estava neste encanto de melodias e palavras desmedidas quando chegou Hana, a Mamã de Gaza. Trazia na mão uma carta de recomendação. Caro Kitó fala com esta mulher é nossa Mãe. Uma mukanda do Ernesto Lara Filho. Não me larga desde que morreu. A Cesaltina tinha razão. Não lhe varremos as cinzas e nunca mais nos perdoa.
Hana quem és tu? Donde vens, donde vieste? Diz lá o que trouxeste.
Sou Mãe de Kalil e venho da cidade de Gaza, das ruínas do hospital onde meu filho respirava.
Onde deixaste a cabeça, Mamã Hana?
Ficou nos escombros da bomba.
Teus braços e pernas ainda mexem?
São danos colaterais da bomba de mil quilos explosivos.
O que trazes embrulhado nesse lenço?
O meu filho Kalil. Acabado de nascer. Respirava tão bem o meu menino.
E agora?
Está aqui.
Hana abriu o lenço e lá estava um pedaço e carne humana ensanguentada. Era o menino de sua mãe! O resto de si ficou soterrado nos escombros do hospital.
Acabou a entrevista. Eu mereço o meu gole de vinho 60 euros a garrafa.
O senhor Emanuel Macron, com seus olhos chispando dinheiro fácil de banqueiro foi a Telavive e disse aos nazis: Matem os palestinos até onde for preciso.
Hoje quer fazer-se passar por salvador e roncou: Israel não pode continuar a matar bebés e mulheres. Dito isto piscou o olho ao nazi Netanyahu e segredou-lhe em surdina: Matem, os palestinos até onde for preciso. Porcos árabes! Eu sou um pied-noir!
Escuta salaud! Tu nunca ouviste os sons de uma música enervante e carinhosa/semelhante ao grito distante da dor humana. O trio assassino Biden, Blinken e Austin também não. Nada os salvará.
Hoje, dia 11 de Novembro de 2023
ainda estou em 1975. Não quero sair do ventre da Mamã Angola. Nunca! Na edição
do dia seguinte, no Diário de Luanda, demos voz aos representantes da
Organização de Libertação da Palestina (OLP), da FRETILIN e da Frente Polisário
Não saio do 11 de Novembro de 1975, seus filhos da puta!
Palestina, hoje, 11 de Novembro 1975. Civis mortos 11 mil, 80 por cento crianças e mulheres. Civis feridos 20.000, mais de 80 por cento mulheres e crianças. A ONU informou que metade das habitações na cidade de Gaza estrão destruídas e inabitáveis. A esta hora (qualquer hora) os nazis de Telavive estão a bombardear um hospital porque estão lá terroristas. Também estavam Hana e seu filho Kalil.
Em Londres um milhão de pessoas manifesta-se contra o genocídio na Palestina, transmitido em directo nas lixeiras televisivas.
Em Luanda o MPLA ainda não convocou o Povo para manifestar solidariedade com os palestinos vítimas de genocídio, executado cruelmente pelos nazis de Telavive. A direcção do MPLA tem medo do embaixador de Israel em Luanda e do capataz do estado terrorista mais perigoso do mundo Tulinabo Mushingi. Se me tiram o 11 de Novembro eu viro bicho. Avisei!
* Jornalista
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