Cândida Almeida* | Jornal de Notícias | opinião (12.11.2023)
A justiça portuguesa é, afinal, a mais célere do Planeta! Com estrondosa e censurável violação do segredo de justiça, esquecida que foi a discrição até então, o país foi acordado na passada terça-feira com notícias sobre a realização de várias diligências, de detenção, buscas e apreensões domiciliárias e não domiciliárias, no âmbito do processo relativo à exploração do lítio e hidrogénio verde. De imediato, os média rodearam-se de alguns espertos nestas matérias, e não só, que rapidamente se organizaram, nomeadamente sobre a égide dos vários canais de televisão, em mesas redondas, quadradas e de outras formas possíveis. Passaram, desde logo, à análise e crítica dos poucos factos efectivamente conhecidos, e, com mais ou menos arranjos e floreados, parte deles, com conivência de alguns dos entrevistadores, determinaram a condenação dos suspeitos, arguidos e nem uma coisa nem outra. As vozes sensatas presentes nesses debates foram desconsideradas e abafadas. Era preciso condenar, sem recurso, pelos crimes de que aqueles eram indiciados, corrupção activa e passiva, prevaricação e tráfico de influências. Registe-se que os detidos nem sequer tinham sido interrogados pelo juiz de instrução. A justiça da praça pública serve interesses ocultos e entusiasma os pretensiosos e ignorantes. O processo encontra-se em segredo de justiça (!), porém os justiceiros já decidiram a causa, no conforto de uma cadeira estrategicamente colocada num espaço de TV. Onde e como fica o segredo de justiça? Como se preserva e garante o princípio da presunção de inocência? Expostos os rostos, as respectivas funções, a localização das residências dos envolvidos, a imputação de factos que não estão confirmados, ainda que indiciados, rasga as regras de defesa e até do MP sobre a transparência e isenção na condução das investigações. O processo penal está sujeito a formalismos e a regras consagradas processual e constitucionalmente que se não compaginam com julgamentos nos média. Com maior gravidade ainda foi a revelação de que corria no STJ inquérito contra o primeiro-ministro António Costa por actos relativos à investigação sobre o lítio. Rompendo com todas as normas deontológicas, alguém informou a imprensa da existência do inquérito, não obstante sem suspeitos ou arguidos constituídos. Por curiosidade, na passada quarta-feira, o Expresso online referia que são praticamente inexistentes indícios do cometimento de crime por António Costa, que até pode não ser constituído arguido. Entretanto, são constantes as referências a escutas contidas na investigação. Esta transformou-se, parece, num livro aberto. Pela primeira vez na história da nossa liberdade assiste-se de forma grave e perigosa a uma negativa conexão entre a Justiça e a Política. Receio que a nossa democracia não esteja de boa saúde. E falta esclarecer o porquê e para quê a Senhora PGR foi a Belém!...
* Ex-diretora do DCIAP
* A autora escreve segundo a antiga ortografia
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