terça-feira, 21 de novembro de 2023

Portugal | Tudo rareia e se esvai. Até a Justiça, a Democracia, a Constituição Objetiva

PORTUGAL

Na opinião de uma quantidade significativa de portugueses a crise política em curso que levou à queda do governo da maioria do Partido Socialista vem de uma cabala, de um golpe de estado que se mantém à tona e em que até já visitou e visita outras demissões além da do primeiro-ministro António Costa. Isso não foi conseguido, e bem. Foi tentada a demissão do governador do Banco de Portugal e também do Presidente da Assembleia da República. Desconhecemos se a direita e a extrema-direita se ficarão por aqui. Logo veremos.

Sobre a PGR/Ministério Público sacrossantos nem merece pronunciarmo-nos (Ler no PG “Buscas sem utilidade”, “abuso de poder” e “meios de recolha de prova humilhantes”). Os portugueses lá sabem o que dizem sobre a Justiça e bastas vezes não a compreendem. Como não compreendem Marcelo Rebelo de Sousa - PR que de “o senhor dos afetos” passou a significar para muitos o “sapatadas viscerais”. Coisas dos do passado que atacam os do passado e mais uns quantos.

O que importa sempre é defender a democracia de facto e a Justiça – não esta em que mal e porcamente sobrevivemos. Vamos a eleições. Veremos a 10 de Março os resultados. Esse dia ditará o futuro dos portugueses, para melhor ou para pior. Também se irá perceber da veracidade do já muito popularmente propalado e suspeito golpe de estado, ou não – afinal poderá somente não passar de mais uma teoria da conspiração.

Era muito bom e desejável que os portugueses não tivessem de tanto lutar pela sobrevivência num país injusto, pseudodemocrático e de políticas, governos e Justiça superiormente intransparentes e pouco limpas. País assim foi o sonho que vislumbrámos há quase 50 anos após o 25 de Abril de 1974. Sonho que na realidade tem sido irrealizável. O fascismo, as máfias políticas e económico-financeiras, entre outras, tem sido sobreposto até a estes dias. É a dura realidade deste país, desta sociedade lusa que após ter conseguido quase tudo está quase a perder tudo. A miséria apegou-se a quase três milhões de portugueses, a pobreza cresce, os que eram “remediados” já não o são e de dia para dia ainda mais crescem uns quantos mafiosos e podres de ricaços que sustentam as tramas que até nos privam da dignidade imprescindível à humanidade e a todos os portugueses.

Tudo rareia e se esvai. Até a Justiça, a Democracia, o Respeito Pelos Direitos Humanos e pela Constituição Objetiva de 1976 (sem tantos alçapões). Herança longínqua e derrotada constantemente após Abril de 1974. Resultado dos lobies das máfias políticas, económicas e financeiras, entre outras.

Bom dia. Vem aí a seguir o Expresso Curto.

MM | Redação PG

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Miguel Prado, jornalista | Expresso (curto)

Bom dia.

Antes de mais, deixo-lhe o convite para a nossa conversa com assinantes de quarta-feira, às 14h00. Sobre "Que cenários para depois das eleições?" com Daniel Oliveira e David Dinis. Pode inscrever-se aqui.

Chegou o frio. São temperaturas “perfeitamente normais” para a época, mas mais vale agasalhar-se. Para hoje não se prevê chuva. Porém, mesmo sem uma gota de água por estes dias, estamos encharcados. De reformas inacabadas, burocracia, intriga. O governo tinha maioria parlamentar mas caiu a meio da legislatura. O país tem contas certas, mas quase metade das urgências enfrentam constrangimentos. A oposição gostaria de falar num pântano, mas talvez só encontre um charco. Precário, como os de Sines. Até março viveremos imersos em incerteza.

Há duas semanas uma estrondosa operação de buscas comandada pelo DCIAP levou à demissão do primeiro-ministro. O país mergulhou na crise política que conhecemos. E o passar do tempo ajuda-nos a ganhar um certo distanciamento dos dias fervilhantes de escutas bombásticas sobre os bastidores da governação e da relação dos decisores com os agentes económicos.

Depois fomos descobrindo que o inquérito da Operação Influencer não era à prova de bala. Uma escuta mal transcrita trocou um Costa por outro. Uma portaria treslida imputou uma suspeita indevida. E uma interpretação errada inventou uma reunião no Largo do Rato. Onde alguns procuradores encontraram indícios de corrupção um juiz de instrução viu suspeitas ainda por fundamentar. Foram vários percalços em catadupa num processo que teve consequências políticas sérias.

No meio de tudo isto, encontrar mais de 75 mil euros em dinheiro vivo no escritório do ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro foi o rastilho perfeito para discursos incendiários, metendo no mesmo saco de indignação todos os indícios e suspeitas de um inquérito judicial inacabado.

O tema tem suscitado enorme controvérsia. Esta terça-feira, no Público, a procuradora-geral adjunta, Maria José Fernandes, pôs o dedo na ferida, num exercício crítico notável sobre o funcionamento do Ministério Público. “Acontece haver quem entenda a investigação criminal como uma extensão sobre outros poderes, sobretudo os de natureza política. Daí que sejamos surpreendidos, de vez em quando, com buscas cuja utilidade e necessidade é nenhuma”, escreveu. E ironizou: “procuradores que não hesitem em meios de recolha de prova intrusivos, humilhantes, necessários ou não, são o top da competência”.

O sindicato dos magistrados não gostou e o seu presidente, Adão Carvalho, imputou a Maria José Fernandes “claras deficiências de argumentação”, acusando-a de “profunda deslealdade”, por se pronunciar sobre processos ainda não concluídos e cujos magistrados estão sujeitos a um dever de reserva.

Não obstante a crise política instalada não ter assustado, para já, os “mercados” (os juros da dívida pública portuguesa não subiram nas últimas duas semanas), a verdade é que agitou a cena política. Com o Chega a capitalizar intenções de voto com as suspeitas de corrupção e tráfico de influência levantadas pelos procuradores da Operação Influencer, André Ventura disse esta segunda-feira que António Costa “não tem feito outra coisa a não ser atacar as instituições da Justiça”. E prometeu que “o Chega será uma garantia de estabilidade”. Vale a pena ver (ou rever) o trabalho que a SIC difundiu há dias sobre como o partido tem vindo a alterar a sua estratégia comunicacional, optando crescentemente por tons mais moderados, a piscar o olho ao eleitorado de centro-direita.

E também vale a pena ler as reflexões que esta crise política nos tem trazido. Daniel Oliveira critica “o jogo infantil entre Costa e Marcelo”, António Filipe escreve que “a democracia e o tráfico de influência justificam sérias preocupações” e Henrique Raposo alerta que nas próximas eleições teremos pela frente “duas forças populistas”. Os líderes (e candidatos) estão a aquecer para as eleições de março. Enquanto na arena socialista Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro vão contando espingardas (é esse o tema do mais recente episódio do podcast Comissão Política), fora dela a economia portuguesa enfrenta alguns riscos.

A taxa de desemprego subiu para 6,5% em setembro, e em outubro o número de desempregados no país voltou a aumentar. A aprovação do Orçamento do Estado para 2024 dá algumas garantias de que o país entrará no novo ano com as contas públicas bem encaminhadas. Mas o clima económico poderá deteriorar-se, resultado do abrandamento que se vai registando na Europa, mas também da incerteza política dentro de portas… e ainda dos bloqueios e receios burocráticos de quem equaciona investir no país. Como a Operação Influencer mostrou, cada vez mais terá de ser ponderado o risco de hipotéticos entraves que saltem disparados de potenciais charcos escondidos no meio do mato. A cada novo projeto, um promotor sempre poderá questionar-se sobre quantas rãs de focinho pontiagudo ou quantas lagartixas de Carbonell encontrará no caminho.

Temos feito uma enriquecedora aprendizagem sobre o património natural do país. Que o diga a Iberdrola, que viu chumbada uma das quatro barragens na região do Tâmega, para proteger o mexilhão do rio, e que terá de cumprir uma extensa lista de condições para proteger o lobo ibérico e aves várias, se quiser avançar com um grande parque eólico na mesma área. Agora ficamos também a conhecer a vida das rãs de focinho pontiagudo nos habitats de Sines que estavam há décadas entalados entre esses exemplos supremos de biodiversidade que são a central termoelétrica e a refinaria.

Os charcos mediterrânicos foram objeto de estudo de uma equipa de investigadores entre 2013 e 2018, no projeto Life Charcos, que visou estudar e propor medidas de conservação dos charcos temporários na região sudoeste de Portugal. O projeto custou quase 2 milhões de euros, dos quais 1,48 milhões de euros com fundos europeus, e permitiu cartografar 133 charcos temporários, restaurar alguns deles e ainda fazer ações de sensibilização (entre as quais as destinadas às escolas, envolvendo mais de 3 mil alunos). Os fundos comunitários, mostra o relatório do projeto, também custearam o fabrico de 10 mil brochuras, mil porta-chaves, 18 mil autocolantes, 2 mil exemplares de um conto infantil, 50 pólos e 100 t-shirts, entre outros materiais. Pelo bem da natureza.

Entretanto, uma investigadora que participou naquele projeto foi contratada em 2021 pela Start Campus para avaliar os valores naturais presentes na área prevista para o centro de dados. E relatou agora ao Expresso que em 2022 constatou que duas áreas identificadas no projeto Life Charcos tinham desaparecido mas havia sinais de um terceiro habitat de matos de urzes, o qual terá entretanto sido ocupado por um edifício. O ICNF prometeu investigar. Esta segunda-feira a Start Campus emitiu um comunicado apontando para “equívocos” sobre o impacto ambiental do seu projeto. A empresa garantiu, aliás, que cumpriu uma das condições para avançar com o primeiro edifício do centro de dados, que passou por remover as plantas identificadas (chamam-se “Erica ciliaris” e “Erica erigena”) para um viveiro, juntamente com 200 toneladas de solo, para posteriormente as replantar na área junto ao primeiro bloco do centro de dados.

As minudências do projeto da Start Campus, agora reveladas à luz da Operação Influencer, vieram expor o conflito entre o lobi económico e o da conservação da natureza. Há dias, o advogado Carlos Lobo, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, criticava a “interpretação estalinista dos condicionalismos ambientais”, que criará “uma burocracia hermética, geradora de opacidade”. Notando que o terreno da Start Campus se situa na zona industrial de Sines, Carlos Lobo diz ser “muito duvidoso que solo urbano infraestruturado possa ser onerado com zonas especiais de conservação”. “Ainda mais quando estas “classificações” são realizadas com base em estudos académicos co-financiados para o efeito, sem qualquer discussão alargada no foro exterior aos peritos sectoriais”, acrescentava, alertando que sem se ponderar todos os valores em causa “nenhum grande projeto de investimento em Portugal será alguma vez possível”.

A ironia em tudo isto é que, entre restrições ambientais, fundamentalismo e obstáculos burocráticos, muitos dos projetos que mais dificuldades enfrentam para ver a luz do dia são aqueles de que o país mais precisa para sair da penumbra que é viver na dependência de combustíveis fósseis.

Se precisava de um indício de que o bater de asas de uma borboleta numa investigação judicial pode provocar uma tempestade na vida do país, aí tem.

OUTRAS NOTÍCIAS

Saúde. Depois da Covid-19, a resistência a antibióticos emerge como “pandemia silenciosa”, que poderá até causar mais mortes. Aqui explicamos porquê.

Política. O primeiro-ministro, António Costa, afastou a possibilidade de vir a exercer um cargo europeu enquanto não ficar esclarecida a investigação judicial da Operação Influencer. As declarações foram feitas durante a sua passagem pela Alemanha.

Espanha. Contamos-lhe aqui o que pode esperar do novo governo de Pedro Sánchez, que conta com mais mulheres e que passa para a frente de esquerda Somar o espaço que anteriormente pertencia ao Podemos.

Cultura. O pianista húngaro András Schiff vai dar sete concertos em Berlim nos quais irá tocar toda a obra de Bach.

Economia. Esta manhã revelamos aqui no Expresso que a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, promete responder às questões dos eurodeputados europeus que acusaram o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, de uma “violação grave” dos deveres de independência, ao ponderar o convite para primeiro-ministro.

Internacional. Qual o futuro de Vladimir Putin e da Rússia? Concorrendo às eleições de março próximo, poderá Putin permanecer no poder até 2030? Saiba o que esperam os analistas.

FRASES

“A política não é um carreira, é uma atividade cívica, que se exerce das mais variadas formas”

António Costa, primeiro-ministro, em declarações aos jornalistas na Alemanha

“Não é só o Ministério Público que deve fazer uma auto-refelexão e autocrítica, também o poder político deve avaliar em que medida as leis que produziram poderão ter contribuído também para aqueles erros que apontam aos procuradores e ao MP”

António Cluny, procurador-geral adjunto, em declarações à agência Lusa

“Portugal é uma espécie de milagre económico. […] É um pouco misterioso como é que as coisas correram tão bem”

Paul Krugman, economista, prémio Nobel da Economia, em entrevista ao “Jornal de Negócios” esta terça-feira

PODCASTS

Expresso da Manhã. Esta terça-feira Paulo Baldaia conversa com Joel Neto sobre a iminência de uma crise política nos Açores. Pode ouvir aqui.

O Mundo a Seus Pés. No podcast semanal da editoria internacional do Expresso analisamos a vitória de Javier Milei nas eleições presidenciais na Argentina. Acompanhe aqui.

No Princípio Era a Bola. Rui Malheiro e Tomás da Cunha fazem o rescaldo da qualificação de Portugal para o Euro 2024 de futebol e falam sobre as perspetivas para a seleção nacional, que pode conhecer aqui.

Que Voz é Esta? O mais recente episódio do podcast do Expresso sobre saúde mental é dedicado ao tema do trauma. Lara Diana conta as situações marcantes da infância e da adolescência e a sua relação com o álcool e com a medicação. Também ouvimos o psicanalista Rui Aragão Oliveira.

E termina aqui esta edição do Expresso Curto. Continue a acompanhar a atualidade na nossa edição digital. Se for nosso assinante, veja a seleção de exclusivos que temos para si. E acompanhe também a Blitz e a Tribuna. Votos de uma boa terça-feira!

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