Fernanda Câncio | Diário de Notícias | opinião
Em 2015, o PSD defendia que para a Segurança Social ser sustentável tinha de "ganhar" 600 milhões anuais. Em 2023, o PSD faz promessas que implicam gastar muito mais que isso - sem sequer fazer as contas. E pede: "Acreditem."
Nós temos as contas feitas e vamos apresentá-las com detalhes, acreditem."
A frase é de Luís Montenegro este sábado, no congresso do PSD, depois de prometer que, se o PSD sair governo das eleições de 10 de março, aumentará o Complemento Solidário para Idosos (CSI) para 820 euros até 2028.
820 euros, recordemos, é o valor fixado para o salário mínimo em 2024. Montenegro também disse que quer que em duas legislaturas o valor mínimo das pensões (todas?) iguale o salário mínimo - o que significa uma de duas coisas: ou se for primeiro-ministro não tenciona pugnar por mais aumentos do salário mínimo (criticou-os, de resto) ou está ainda mais mãos largas do que parece à primeira vista.
E à primeira vista já parece mesmo muito. Desde logo porque, como se percebeu nas horas e dias seguintes ao anúncio, ninguém no PSD parece fazer ideia ou quer dizer a quanto orça a medida.
Vejamos: Joaquim Miranda Sarmento, o presidente da bancada parlamentar do PSD, por acaso doutor em finanças, tem dito que o universo de beneficiários é de 170 mil, mas afirmou à CNN que a medida "custará dezenas (ou poucas centenas) de milhões de euros"; em conferência de imprensa esta segunda-feira, António Leitão Amaro, vice-presidente do partido, fala de "uma massa de despesa com um valor contido".
Comecemos pelo número de beneficiários: em agosto, de acordo com o que foi noticiado, eram 131 mil, e é pouco provável que tenham aumentado tanto (para 170 mil) em tão poucos meses. Mas vamos partir do princípio de que Miranda Sarmento está já a contar com o facto de que, crescendo o valor de referência para a prestação, mais gente "caberá" no critério, o que é correto.
Vamos então fazer contas usando o
número de Miranda Sarmento. Sendo o valor médio recebido pelos 131 mil
beneficiários contabilizados em agosto de quase 144 euros (o CSI é um
complemento atribuído pela Segurança Social para que os idosos tenham um rendimento
mínimo mensal; foi fixado em 488 euros em 2023 e será de 550 euros em 2024),
podemos concluir que em média estes idosos tiveram em 2023 um rendimento base
de 344 euros. Para que em
Agora façamos as contas à promessa de Montenegro: a diferença entre 550 e 820 é de 270 euros; dividindo esses 270 euros por quatro anos, dá 67,5 euros/ano.
Tal implica, para os 170 mil beneficiários apontados pelo PSD, mais 137,7 milhões anuais. Que terão de se somar aos valores anteriores. Assim, em 2025, teremos 408 milhões mais 137,7 - 545,7 milhões; em 2026, 683,4 milhões; em 2027, 821,1 milhões, e em 2028, 958,8 milhões.
Está muitíssimo longe das "dezenas ou poucas centenas" referidas por Miranda Sarmento (e desde logo diga-se que é espantoso que se fale de dezenas ou centenas de milhões como se fosse tudo o mesmo) e decerto não é "uma massa de despesa com valor contido". Até porque, como já referido, quanto mais o valor de referência do CSI aumentar, mais idosos caberão no critério estabelecido - não ter rendimentos acima do valor fixado - e mais o número potencial de beneficiários aumenta. Esse aumento no número de beneficiários implicará ainda mais despesa, pelo que facilmente mil milhões não chegarão para cumprir a promessa.
E menos ainda se, como Montenegro diz desejar, em duas legislaturas todos os pensionistas tenham uma pensão igual ao salário mínimo - uma velha reivindicação da esquerda, a chamada "convergência das pensões mínimas com o salário mínimo", que creio que pelo menos o PCP ainda defende (o PS afastou-se dela há anos, por considerar que, não havendo condição de recursos nas pensões mínimas, não deve ser essa prestação, mas o CSI, que tem condição de recursos, a aumentar; o PSD, que durante o governo Passos aumentou as pensões mínimas e desorçamentou o CSI, diz agora o mesmo que o PS).
Mas voltemos à promessa de Montenegro e ao seu custo aqui estimado: podemos considerar que é dinheiro bem gasto e que o país está disposto a gastá-lo para certificar que os idosos necessitados têm um rendimento razoável. Deixemos para já de lado considerações, que fazem sentido, sobre dessa forma se estar a equiparar a pensão de quem toda a vida descontou por inteiro sobre ordenados baixos e de quem descontou pouco ou nada.
Lembremos que o PSD e Montenegro não apareceram no sábado, e que há apenas oito anos e meio garantiam como absolutamente necessário, para que a Segurança Social fosse sustentável, a "Introdução de uma medida para a sustentabilidade da Segurança Social (cerca de 600 milhões de euros)".
Era o que se lia (e lê ainda) na página 39 do Programa de Estabilidade 2015-2019, desenhado pelo governo de Passos em abril de 2015: "As pensões em pagamento não são suportadas pela carreira contributiva dos beneficiários das mesmas, mas antes pelas contribuições dos trabalhadores no ativo e respetivos empregadores, bem como por transferências do Orçamento do Estado. (...) Num contexto de envelhecimento da população, assiste-se simultaneamente à diminuição da população ativa que contribui para o sistema e ao aumento da despesa com pensões por aumento do número de beneficiários e da longevidade. Este problema agravou-se substancialmente nos últimos 15 anos, tornando-se urgente adotar uma solução de médio prazo, uma vez que o modelo de financiamento não permite assegurar a cobertura das responsabilidades dos direitos em formação, nas próximas duas décadas."
O documento não detalhava a forma de chegar a esse absolutamente urgente "impacto positivo de 600 milhões no sistema de pensões", porém "para efeitos meramente quantitativos de modelização do cenário", assumia-se que tinham sido "utilizadas as hipóteses técnicas assumidas no Documento de Estratégia Orçamental para 2014-2018 (...) salientando que, dada a decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, a configuração da medida será necessariamente diferente."
A decisão de inconstitucionalidade referida tinha-se aplicado ao corte permanente, aprovado pela maioria PSD-CDS/PP, entre 2 e 3,5% nas pensões acima de mil euros - a chamada "contribuição de sustentabilidade" -, com a qual o executivo tinha previsto poupar cerca de 372 milhões de euros anuais a partir de 2015. As outras medidas previstas no referido Documento de Estratégia Orçamental (página 42), e com as quais se previa uma poupança de 577 milhões nas "prestações sociais", incluam "ajuste na idade de acesso à pensão de velhice" (menos 205 milhões), introdução de condição de recursos nas pensões de sobrevivência (100 milhões, medida chumbada pelo Tribunal Constitucional em 2014) e "outras medidas setoriais" (198 milhões).
Pelos motivos conhecidos, nunca se soube como iria um governo presidido por Passos poupar (leia-se cortar) os ditos 600 milhões que assegurava essenciais para a sustentabilidade do sistema previdencial. Mas sabe-se que, como líder da bancada do PSD entre 2011 e 2015, Luís Montenegro nunca demonstrou discordar da necessidade dos cortes nas pensões e outras prestações sociais propostos pelo executivo - votou-os todos favoravelmente - e da emergência na Segurança Social tal como caracterizada no documento citado.
Então das duas uma: ou nunca acreditou naquilo que passou anos a defender ou não acredita naquilo que defende agora. Pelo que, a não ser que considere que a governação do PS permitiu que o cenário negro predito por Passos, pelo PSD e por si próprio deixou de fazer sentido, e os amanhãs passaram a cantar, não há como crer numa palavra do que diz sobre pensões.
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