Tania Krämer, de Belém | Deutsche Welle | # Publicado em português do Brasil
Conhecida como local de nascimento de Jesus, cidade na Cisjordânia ocupada costuma ficar cheia no período natalino. Neste ano, em meio ao conflito Israel-Hamas, maioria das comemorações foi cancelada.
A espera pelo Natal sempre foi a melhor coisa, diz Nuha Tarazi, enquanto dispõe uma tigela de biscoitos natalinos na mesa da cozinha. Mas este ano está muito diferente: não há decorações de Natal em sua casa.
"Sempre aguardávamos ansiosamente as festas de fim de ano, todos os anos", lembra a professora de inglês aposentada. "Quem quer pensar em comemorar o Natal agora, com o que acontece em Gaza?"
Há seis anos, Tarazi tem sido negada pelas autoridades de Israel a visitar seus familiares na Cidade de Gaza. No Natal, eram eles que geralmente recebiam permissão para visitá-la na Cisjordânia ocupada.
Tarazi nasceu na Cidade de Gaza,
mas vive
Em festividades como o Natal ou a Páscoa, autoridades israelenses geralmente concedem as cobiçadas permissões de saída aos cristãos palestinos em Gaza, que é governada desde 2007 pelo grupo fundamentalista islâmico Hamas.
Um Natal diferente
A permissão de saída, contudo, nem sempre é garantida. E muitas vezes nem todos os membros de uma mesma família obtêm permissão para deixar o enclave. Em determinados anos, o número de permissões foi severamente reduzido dependendo da situação política.
Mas sempre havia esperança de reencontrar os familiares durante o Natal. Agora, tudo está diferente novamente. A passagem de fronteira de Erez, em Israel, está fechada desde os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro e o subsequente conflito com as forças israelenses. Isso significa que a rota para a Cisjordânia ocupada e para Jerusalém também está fechada.
Além de tudo, Tarazi está de
luto: sua irmã foi morta em um ataque israelense a um prédio no terreno da
Igreja Ortodoxa Grega Porphyrius, na Cidade de Gaza,
"Estou sozinha aqui e não sei como lidar com isso. Meus pensamentos só giram em torno do que está acontecendo lá em Gaza", diz Tarazi, que não pôde comparecer ao funeral da irmã. A preocupação com outros irmãos e parentes é constante, pois a comunicação também é difícil. "A única coisa que me ajuda é ir ao meu jardim, ver minhas flores e cuidar delas", relata.
Sem comemorações em Belém
Tarazi não é a única que deixará de comemorar o Natal neste ano. Em Belém, conhecida como o local de nascimento de Jesus, também não haverá festividades natalinas. A Praça da Manjedoura, em frente à Igreja da Natividade, normalmente lotada com milhares de visitantes locais e estrangeiros durante a época do Natal, está vazia. A cidade não montou a grande árvore de Natal nem o presépio, e não há enfeites nem luzes de Natal em lugar algum.
"Não há clima para festa, não há festividades, por causa do que está acontecendo na Palestina, em Gaza", diz Basel, que vende frango grelhado na Rua da Estrela, uma via histórica que leva à Praça da Manjedoura.
"Normalmente, haveria muitas pessoas de todo o mundo, de diferentes religiões, mas não há nenhuma atmosfera natalina", concorda Yara Alama, que mora em Belém. "A sensação é de que não se pode sentir nenhuma alegria por causa da guerra e do que está acontecendo com as pessoas em Gaza."
A Igreja da Natividade, construída sobre o local onde se acredita que Jesus tenha nascido, também está excepcionalmente vazia e silenciosa. Não há longas filas de pessoas esperando para visitar a estreita gruta abaixo, onde uma estrela de prata marca o local sagrado.
Primeiro a pandemia, agora a guerra
Issa Taljieh, nascido em Belém, é o pároco da comunidade greco-ortodoxa da Igreja há 12 anos. Em todo esse tempo, ele diz que nunca viveu uma época de Natal tão triste.
"As pessoas estão sofrendo e tristes com o que está acontecendo em Gaza", conta o padre. "Esta é a primeira vez que a Igreja da Natividade, o lugar onde Jesus nasceu, está vazia assim. Mesmo durante a covid-19 ainda havia os locais que vinham e celebravam o Natal conosco."
Durante a pandemia, visitantes estrangeiros não puderam viajar a Belém, e o setor de turismo do qual a cidade depende foi muito afetado. Desde 7 de outubro, o acesso à cidade, que já está isolada de Jerusalém pela barreira de separação israelense, tornou-se ainda mais difícil. O exército de Israel instalou barreiras em muitas estradas de acesso, que as pessoas precisam atravessar a pé e os carros só podem circular em determinados horários.
Em Gaza, até este sábado (23/12), a ofensiva de retaliação israelense já havia matado mais de 20 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde do enclave.
Já na Cisjordânia, pelo menos 491 palestinos foram mortos, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês). O número faz de 2023 o ano mais mortal para os palestinos na Cisjordânia desde que o Ocha começou a registrar as vítimas, em 2005.
Em Israel, os ataques do Hamas em 7 de outubro mataram 1.200 pessoas. Acredita-se que cerca de 129 reféns ainda sejam mantidos em cativeiro pelo grupo terrorista em Gaza.
"Uma mensagem de paz"
O padre Issa, cujo nome significa "Jesus" em árabe, tenta ajudar sua congregação a superar esses tempos difíceis. "Não podemos celebrar em Belém enquanto pessoas são mortas lá em Gaza, enquanto suas casas são destruídas. Elas ficam desabrigadas, sem comida, sem um lugar seguro e no meio do inverno. Devemos incluí-las em nossas orações e rezar pela paz e segurança", diz.
Embora as festividades na cidade tenham sido canceladas, as liturgias de Natal na Igreja da Natividade foram mantidas. Em 24 de dezembro, o patriarca latino de Jerusalém fará sua entrada em Belém, mas neste ano sem a música de acompanhamento dos grupos de escoteiros palestinos. A tradicional missa da meia-noite também será realizada. Cerca de duas semanas depois, as comunidades ortodoxas celebrarão suas festividades de Natal, de acordo com seus calendários.
Com o sofrimento contínuo e a situação desesperadora em Gaza, é importante extrair força da fé, afirma o padre Rami Asakrieh, pároco da paróquia latina da Igreja de Santa Catarina, em Belém.
"Precisamos do Natal agora. Sim, será uma celebração sem música, sem os escoteiros, sem festividades", diz. "Mas é importante que mantenhamos os rituais religiosos, que haja uma mensagem de paz desta cidade para o mundo, uma mensagem de paz que emana do local de nascimento de Jesus."
Imagens: 1 - Neste ano, a Igreja da Natividade em Belém, na Cisjordânia ocupada, segue vazia; 2 - Nuha Tarazi: "Quem quer pensar em comemorar o Natal agora, com o que acontece em Gaza?"
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