sexta-feira, 8 de setembro de 2023
Portugal | Dano institucional
Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
No balanço dinâmico entre estar atento ou participativo, Marcelo defende a primeira e pratica a segunda. Após a crise política de Maio, era o presidente da República que assegurava a manutenção em lume brando do conflito institucional com o Governo. A “crise Galamba” era muito mais do que uma questão pessoal em desalinho de “casting”, significava o fim da cronologia de coabitação que se foi mantendo entre Belém e São Bento, ambos os palácios em gestão de expectativas e movimentos tácticos que acabavam sempre por se encontrar num denominador comum: era a incapacidade da Oposição para se erguer como alternativa que fazia Marcelo e Costa esperarem por melhores dias de guerra.
Esse tempo acabou. E nem um mês de tréguas e dois de férias amansaram a ânsia de mostrar serviço na lógica do conflito em guerra fria. É António Costa que assegura ser “fazedor” e não comentador, é Marcelo que sustenta haver folga orçamental para o Governo responder às dificuldades dos mais carenciados. Depois, os actos. O veto ao diploma Mais Habitação e a forma indiferente como esse mesmo veto é recebido em Conselho de Ministros traçam uma ode à indiferença. Faça o que cada um fizer, é no campo vazio do regular-funcionamento-das-instituições-democráticas que ambos dirão, como vizinhos do território, que “no pasa nada”. Parece uma maratona mas está em contrarrelógio.
Quando se confundem os papéis “as coisas podem correr mal”, palavra de primeiro-ministro à boleia do instinto opinador do presidente. É difícil conceber a presença de Marcelo na Universidade de Verão do PSD, ainda que se considere a sua família política, sem um sinal claro de que está disposto a ultrapassar pela direita os deveres de equilíbrio que defende e diz proteger. Não há qualquer razoabilidade em Marcelo arrastar o seu papel enquanto presidente da República para o palco de promessas de rentrée de uma jota partidária. Entre isso e o Pontal vão apenas algumas portas giratórias de permeio.
O voluntarismo para novos discursos não acompanhou Marcelo na segunda parte do Conselho de Estado, agora retomado após a interrupção em Julho para que António Costa pudesse assistir à estreia da selecção de futebol feminino na Nova Zelândia. Saindo do intervalo em modo de omissão, Marcelo relança a segunda parte do Conselho assegurando já ter escrito o discurso sem cuidar de esperar por ouvir António Costa. Mal vai o regime quando os dois maiores protagonistas políticos da legislatura praticam esta leitura de desrespeito sobre a dimensão pública e institucional dos cargos que juraram proteger e elevar.
*o autor escreve segundo a antiga ortografia
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