sexta-feira, 26 de abril de 2024

Abril inteiro (esta newsletter não foi visada por qualquer comissão de censura)

PORTUGAL DO ABRIL INTEIRO

David Dinis, diretor-adjunto | Expresso Curto

Neste dia, por esta hora, os jornais portugueses de há 50 anos já mostravam nas bancas os títulos de uma revolução. Alguns, como a República, carimbavam uma mudança histórica com a frase que lhe deixei no título: “Este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura”, uma frase que dizia mais do que o que deixava ler. Não era apenas a DGS que já não impedia os jornalistas de descrever o país real, mesmo o escondido. Eram os jornalistas que avisavam que, fosse qual fosse o caminho final daquele 25 de Abril, não aceitariam voltar ao ponto de partida.

Hoje, cabe-me o privilégio de lhe contar como a celebração dos 50 anos de Abril foi muito mais do que um pró-forma, como parecia encaminhar-se para ser quando eu próprio comecei a descer a Avenida da Liberdade, alguns anos atrás no tempo. Foi “um desfile sem princípio nem fim", com um mar de gente tão incontável que fez com que Elvira Gonçalves nos atirasse, feliz, um saudoso “isto parece o 1.º de Maio de há 50 anos”. Eu não sei, porque não tinha nascido ainda. Mas Elvira estava e foi com a mãe – a primeira vez que puderam gritar a plenos pulmões a liberdade e ouvir quem não fazia reverência ao poder político. ”Acredite em mim, eu estive lá”, jurou ela à minha colega Rita Ferreira, que fez um título tão verdadeiro desta descida da Avenida de ontem: Abril fez-se inteiro na Avenida.

Inteiro. A palavra não nos diz, com rigor, que estivesse Portugal todo ali, nem que Abril se tivesse, num passe mágico, tornado unânime. Quer dizer que havia um mar de gente, de sorrisos largos e passagem apertada. Que havia gente de todas as cores, de tantas nacionalidades quantas Abril comporta. E que estava lá – talvez como nunca antes – gente de esquerda e de direita, de braços dados e abraços apertados.

Mas Abril foi também inteiro no Parlamento, horas antes. A cerimónia tradicional trouxe o que Abril permitiu: um Presidente que trocou a política pela história, tentando reconciliar todos com todos; uma direita que criticou Marcelo, trocando críticas e concordando com os festejos do 25 de Novembro; uma esquerda em alerta para o risco de retrocesso, apontando a arma maior da democracia (a palavra) aos “novos e velhos inimigos” da democracia.

Inteiro, pois. Porque de Abril nasceu a divergência antes proibida.

Ou, como disse José Pedro Aguiar-Branco, o novo presidente de um Parlamento que acaba de viver a alternância (também antes impensável), agora “há a certeza de que a diferença exige mais de nós, que soma e acrescenta. Isso é sabedoria e bom senso”. Podia ter sido o epitáfio. Mas como aquele dia, há 50 anos e um dia nos ensinou, é só o primeiro dia do resto das nossas vidas.

Mais Abril inteiro

Mais comemorações: em São Bento, Montenegro prometeu quebrar o “ciclo negativo” para travar a emigração e evitou perguntas. No CCB, ao final da tarde, as reparações às ex-colónias estiveram ausentes de cerimónia de Marcelo com presidentes dos PALOP.

Mais história, a que nos faz reviver: o Expresso continua a publicar uma série de trabalhos sobre o 25 de Abril. Ontem foi a novela gráfica de uma Revolução, ou dos caminhos (interativos) do 25 de Abril. Nas últimas horas juntámos este – O 25 de Abril nasceu na Guiné: a história dos homens que começaram a Revolução.

Por cá e mundo fora

Frio. Queda de neve e descida da temperatura coloca hoje oito distritos do continente em aviso amarelo.

Saúde. A nova ministra da Saúde inicia hoje reuniões negociais com os sindicatos do setor e já tem uma crise para resolver: 28 ambulâncias do INEM pararam ontem por falta de técnicos.

Justiça. "Foi difícil, mas cá estamos": como a Operação Maestro mexeu com a internacionalização da indústria têxtil portuguesa.

Espanha. O Ministério Público espanhol pediu o arquivamento de uma queixa contra mulher de Sánchez, que o levou a ameaçar com a demissão.

EUA. Um Tribunal de Nova Iorque anulou a condenação de Harvey Weinstein por violação em 2020.

Médio Oriente. Mais de mil colonos extremistas invadem Esplanada das Mesquitas; EUA iniciam construção de porto em Gaza: a guerra, no dia 202.

Ucrânia. Ministro da Agricultura ucraniano pede demissão por suspeitas de corrupção: resumo do 793.º dia de guerra.

Para ouvir

No Expresso da Manhã, Bugalho comenta Bugalhosob moderação, claro, de Paulo Baldaia.

No Bloco Central, Pedro Siza Vieira avisa os saudosistas: “Quando nos fartamos de um líder forte, ele não se deixa substituir e oprime os que o querem afastar”.

No Geração de 80, o desabafo de Joana Marques: “Não penso muito nisso, mas o meu pai telefona-me e pede-me para não falar deste ou daquele quando deteta um grau de loucura”.

E, para fechar por onde comecei, esta coleção da Blitz: 50 anos do 25 de Abril: as 50 Canções que Anunciaram a Revolução.

Tenha um feliz 26 de abril,
Vemo-nos por aqui, sem censura, sempre que quiser.

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