terça-feira, 9 de abril de 2024

Angola | Crucificar os Vivos e Ressuscitar Mortos -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O General Higino Carneiro está a ser crucificado porque ousou lembrar que o Presidente João Lourenço era secretário-geral do MPLA quando decorria a Operação Kissonde nas matas do Moxico, em 2002. O resultado final foi o fim da aventura belicista de Jonas Savimbi. Nem um nem outro precisam que os defenda. Mas aproveito para avivar memórias adormecidas ou propositadamente mortas. Um dos dez mais ricos de Angola, quando lhe recordaram cenas do seu tempo de estudante em Agronomia, no Huambo, disse enfadado: Não me lembrem o tempo em que éramos pobres!

Vou lembrar umas coisas. Mas antes quero demonstrar, mais uma vez, que enquanto existir o partido UNITA, a democracia angolana fica diminuída ou mesmo em risco de vida. A propósito do 4 de Abril, os sicários da direcção do Galo Negro emitiram um comunicado no qual afirmam que “a paz alcançada em 2002 foi um objectivo da luta da UNITA pela qual o seu líder fundador, Jonas Savimbi, nunca regateou esforços e empreendeu múltiplas iniciativas diplomáticas junto de organizações internacionais, Estados e amigos para a sua efectivação”. Mentiras abjectas. Falsificações grosseiras dos factos históricos. Agressão à inteligência das angolanas e angolanos. Porque Savimbi e a UNITA fizeram exactamente o contrário.

Jonas Savimbi assassinou a sua esposa Isabel Paulino, porque ela lhe implorou para acabar com a guerra. Em nome dos filhos que mereciam crescer em paz. O criminoso de guerra saiu do local onde decorreu o congresso da UNITA, no Bailundo, para rasgar o Protocolo de Lusaka e prosseguir a sua aventura belicista, com quartel-general no Andulo. Os sicários da direcção da UNITA dizem no seu comunicado mentiroso e insultuoso:

“No seio da UNITA, o presidente fundador orientou as estruturas do partido, as então Forças Armadas de Libertação de Angola – FALA – e as populações para a iminência da paz, não poupou-se a sacrifícios físicos e de outra natureza, ao ponto de doar a sua própria vida no altar sagrado da pátria”. Se alguém tem dúvidas quanto à má-fé dos sicários da UNITA, estas palavras são suficientes para dissipar todas. Angola e o mundo sabem como acabou o criminoso de guerra. E sobretudo todos sabemos que o Presidente José Eduardo dos Santos poupou os criminosos da UNITA em nome da democracia, da paz e da reconciliação nacional. Além de mentirosos e assassinos, são ingratos.

Os sicários da direcção da UNITA afirmam que “cumpriram cabalmente a sua parte nos acordos de paz”. Ninguém em Angola acredita nisto. Nem eles! Os marginais armados do Galo Negro violaram todos os acordos e todos os compromissos. Continuam a violar pagando a bandidos para vandalizarem tudo o que foi reconstruído à custa do esforço e do sacrifício do Povo Angolano. Ninguém deu nada a Angola! E a “perda do poder de compra dos trabalhadores” tem a ver com o banditismo político da UNITA. Que depois de matar, destruir, escorraçar, causar um retrocesso de 100 anos,  se apresenta como o cordeirinho da paz!

Após as eleições de 1992, o Primeiro-Ministro Marcolino Moco participou em Bruxelas numa conferência de doadores. Veio de lá com as mãos a abanar! A “comunidade internacional” comprometeu-se a financiar a reconstrução nacional. Nem um centavo chegou! Meu caro Marcolino Moco por que razão nada dizes sobre isto, agora que tanto falas? O teu silêncio é cumplicidade com o que vem a seguir.

O General João Lourenço, na sua condição de secretário-geral do MPLA, fez declarações sobre esta matéria ao jornal português “Público”, em Maio de 2002. O jornal da UNITA e do Mário Soares disse, em forma de pergunta, que “há relutância por parte dos doadores internacionais em ajudar Angola, pelo facto das questões de transparência não estarem totalmente esclarecidas”. Resposta: 

“Nunca nos disseram de forma clara que a condição era essa. Podiam ser mais honestos e dizer por que razão, não estão a abrir os cordões à bolsa. Acontece que têm vindo a ser postas, umas atrás das outras, condições a Angola. Antes das eleições de 1992, a condição era a realização de eleições multipartidárias. Depois, apesar do perdedor das eleições ter pegado em armas, tínhamos que repartir o poder com ele. Isso foi feito com a criação do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN). As prometidas ajudas não vieram. Depois, disseram-nos que era preciso pôr fim à guerra. A guerra acabou há dois meses, e não estamos a ver sinais de boa vontade da parte dos doadores”. 

O então secretário-geral do MPLA insistiu:

“Lembro que na conferência de Bruxelas, depois do Protocolo de Lusaka, em 1994, prometeram ajudas que Angola nunca chegou a receber. O Governo tem feito e continuará a fazer tudo aquilo que estiver ao seu alcance para a reconstrução nacional. Mal de nós se ficássemos eternamente à espera da ajuda externa. A ajuda internacional é bem-vinda, necessitamos dela, mas de forma nenhuma, podemos cruzar os braços. Enquanto ela não chegar, continuaremos a trabalhar”.

O jornal da UNITA e de Mário Soares levantou o problema dos desmobilizados do Galo Negro. O jornalista afirmou que “há grandes carências materiais nos campos de aquartelamento dos militares da UNITA”. Resposta do secretário-geral do MPLA, João Lourenço: “O que posso dizer é que o Governo já disponibilizou 44 milhões de dólares, para fazer face às necessidades”. 

Angola nunca viu a cor do dinheiro da comunidade internacional, porque a UNITA perdeu as eleições. Só por isso. O comissário europeu João de Deus Pinheiro, português, anunciou mil milhões de euros disponibilizados pelos doadores. Nem um cêntimo chegou a Angola. O ministro dos negócios estrangeiros português, António Martins da Cruz, em Maio de 2002, anunciou “desenvolvimentos encorajadores em Angola” durante a reunião dos chefes da diplomacia da União Europeia. Ele tinha estado em Luanda no final do Abril da Paz. O ministro apelou aos seus parceiros para apoiarem Angola: “É altura da comunidade internacional, e sobretudo a União Europeia, ajudar Angola”. Nem um cêntimo!

Os sicários da UNITA e seus megafones deviam saber que o Plano Marshall, para reconstruir a Europa no final da II Guerra Mundial, vigorou entre 1947 e o final da presidência de Harry Truman, em 1953. Mas continuou com outro nome até final do mandato do Presidente Dwight Eisenhower em 1961. O governo colonialista e fascista de Lisboa ainda andou a matar angolanos com fundos desse programa! Correram rios de dinheiro durante 14 anos. Sabem quanto? Em números de hoje foram quase dois triliões de dólares! 

Os principais beneficiários desses triliões foram Reino Unido, França, Itália, República Federal da Alemanha, Holanda, Bélgica Suíça, Áustria, Dinamarca, Suécia, Noruega, Portugal, Turquia, Grécia e Islândia. A União Soviética recusou, em nome da Liberdade e da Paz.

Angola em 1992 estava mais devastada do que toda a Europa. Tinha saído da condição de colónia em 11 de Novembro de 1975. Não existiam infra-estruturas. Massa crítica zero. Investigação científica zero. Analfabetismo mais de 95 por cento. Quadros superiores e médios pouco mais do que zero! Operários especializados igualmente. Milhares de mortos. Milhões de refugiados. Um êxodo dramático forçado primeiro pelos portugueses (com o apoio da OTAN ou NATO), depois pelos racistas da África do Sul e seus ajudantes da UNITA. Uma tragédia humanitária.

A Reconstrução Nacional arrancou à nossa custa! E logo no início do processo, o criminoso de guerra Jonas Savimbi partiu para a rebelião armada porque ele e a UNITA perderam as eleições multipartidárias. Em vez de nos ajudarem, apoiaram o criminoso de guerra. A situação era tão dramática que o Cardeal Alexandre do Nascimento gritou: Ajudem-nos que perecemos! 

O Presidente José Eduardo dos Santos decidiu acabar com a rebelião armada sem dar ouvidos aos amigos e financiadores dos sicários da UNITA. Em boa hora. No dia 4 de Abril de 2002 chegou a Paz. Não tinha necessidade disso mas o General Higino Carneiro, num comunicado para calar a matilha, esclareceu: “Durante o período em que se alcançou a paz, o papel do Secretário-Geral do MPLA, João Lourenço, foi fundamental. Era o responsável pela coordenação prática e gestão corrente, auxiliando directamente o Presidente do Partido, que lhe delegava poderes para o efeito”.

Já escrevi mas volto a repetir. Nas eleições de 1992, João Lourenço era o dirigente do MPLA que estava na organização da campanha eleitoral. Desenhou a estratégia mediática e comandou as operações. O espaço mediático não lhe era estranho. Foi secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação. Poucos trabalharam tanto como ele para a vitória eleitoral.

Aproveito para corrigir um lapso de memória fatal. Num texto onde recordei o que ganhei com o 25 de Abril não referi o nome do jornalista Rui de Carvalho. Uma boa percentagem da vitória eleitoral do MPLA nas primeiras eleições multipartidárias deve-se a este gigante do Jornalismo Angolano. Meu amigo. Meu camarada. 

Entre muitos outros projectos, estivemos juntos na produção e edição do jornal do MPLA “Vitória Certa”. Quando a UNITA desencadeou o golpe de estado armado após as eleições, estive com ele na Rádio Nacional de Angola, enquanto durou a guerra contra os golpistas. Também lá estavam César Barbosa (director-geral) e José Guerreiro, na época membro da direcção da TPA. Um dia conto o que ali foi feito para derrotar o golpe de estado da UNITA. Nem só com tiros se derrota o inimigo.

* Jornalista

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