quarta-feira, 10 de abril de 2024

Angola | Populismo e Kamanga -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A Lei de Combate à Actividade Mineira Ilegal está desde hoje a ser discutida na especialidade pelos deputados da Assembleia Nacional. Os parlamentares são chamados a acabar com a maquineta que destrói a economia angolana, há décadas. O Executivo reconhece que a kamanga é controlada por “grupos criminosos organizados”. Já todos sabíamos mas agora também sabe quem governa. Mais vale tarde do que nunca.

Todos viam os milhões de garimpeiros, ano após ano, exaurindo as zonas diamantíferas. Roubos a céu aberto, como sempre com o apoio dos sicários da UNITA e o barulho do condecorado de João Lourenço, Rafael Marques. As riquezas nacionais a saque, à vista desarmada. Mas a turma da “recuperação de activos” só vê as contas bancárias e os bens de quem acumulou capital no âmbito das políticas de Estado, lançadas quando passámos do regime socialista para o capitalismo. Pita Grós e os seus sequazes queriam que os bens do Estado Socialista passassem para a posse dos macacos, leões, elefantes ou mesmo hienas, ainda que estas gostem mais da podridão.

Intervalo. Jonas Savimbi lançou a UNITA no Leste de Angola em Março de 1966. Poucos meses depois o balão estava cheio, graças à demagogia e ao populismo. Os militantes e activistas do MPLA ficaram preocupados mas a direcção deu um sinal de confiança: Calma, em breve o povo vai perceber que a demagogia não liberta ninguém. O balão vai esvaziar e o Galo Negro acaba. 

O balão esvaziou. Mas os sicários continuaram em grande, combatendo ao lado da tropa portuguesa contra a Independência Nacional. Savimbi, demagogo, populista, era sobretudo um traidor. Continuou a sua rota da traição.

João Lourenço entrou na Cidade Alta com uma agenda populista e cavalgando a onda da demagogia. Não hesitou em encostar o MPLA às cordas. Excrementou o seu antecessor, José Eduardo dos Santos. Colocou em camaradas o rótulo de corruptos e ladrões. O povão exultou. Na sua ingenuidade, acreditou que os “marimbondos” iam ficar sem nada e os pobres com tudo! Como aconteceu com Savimbi em 1966. Nesse tempo as populações perceberam que Toka, Iko, Xietu, Dilolwa, Kapango, Bula, Dangereux, Vunda e tantos outros é que tinham razão. O demagogo populista acabou sem honra nem glória numa mata do Lucusse.

Se o Presidente da República souber ler os sinais da História, ainda acaba bem o seu último mandato. Em três anos até milagres consegue fazer. Basta desfazer-se da demagogia e do populismo. Entregar esses truques baixos aos sicários da UNITA. Governar também ajuda. 

Já não é mau o Executivo considerar que a exploração mineira ilegal “é uma ameaça à segurança nacional”. O Executivo reconhece que há 1,3 milhões de garimpeiros (mais do que os 1.153.060 da população na Lunda Norte) que usam “300 dragas ilegais de grande porte”, exaurindo as minas legais de diamantes. Ninguém vê na Lunda Norte quase um milhão e meio de kamanguista! Ninguém vê 300 dragas gigantescas. Competentíssimos governantes mas ceguinhos. 

O senhor secretário de Estado Correia Victor recentemente lamentou que algumas cooperativas que exploram diamantes artesanalmente “recorram ao garimpo ilegal”. A Cooperativa Watacassossela abusa da ilegalidade. Desafia a autoridade do Estado. Os seus membros actuam na maior das impunidades. É uma peça visível dessa terrível maquineta da kamanga. 

O secretário de Estado Correia Victor informou que os diamantes contribuem com 0.5 por cento para o Produto Interno Bruto (PIB). O Presidente João Lourenço tem razão quando afirma que “o garimpo ilegal é um factor negativo na economia de Angola”. Muito bem. Pelo menos a maquineta da kamanga é conhecida ao mais alto nível do Estado. Venha daí a Lei, senhoras e senhores deputados. 

O civismo de mãos dadas com o patriotismo obriga-me a informar suas excelências que no Botswana os diamantes representam 35 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). A Federação Russa exportou em 2023 mais de quatro mil milhões de euros em diamantes. Angola ficou pelos 1,7 mil milhões, menos de metade. Venha daí essa Lei de Combate à Actividade Mineira Ilegal, para acabar de vez com a maquineta da kamanga.

De volta ao populismo e demagogia. Nesse terreno pantanoso, nessa kibanga, só ganham os sicários da UNITA. Os políticos dos outros partidos saem sujos. Nas eleições de 2022 soaram as campainhas de alarme. O MPLA perdeu nos círculos eleitorais de Luanda, Zaire e Cabinda. Perdeu para o populismo e a demagogia. Mas também perdeu porque o seu líder passou todo o primeiro mandato a usar e abusar dessas políticas de resultados fáceis e rápidos, mas que também desaparecem rapidamente. 

O MPLA obteve 51,17 por cento dos votos e elegeu 124 deputados. UNITA 43,95 por cento e 90 mandatos. Os outros partidos tiveram votações residuais. Em grande esteve a abstenção que passou os 55 por cento. Mais de oito milhões de eleitores não foram votar. Voto de protesto contra o populismo e a demagogia. Um aviso do povo do MPLA ao líder do partido. Felizmente nem 2027, o cabeça de lista vai ser outro. Mas a mudança pode não significar vitória.

Nada de torrar milhões para saber isto: O desgaste da governação até 2027, só por si, pode significar uma perda de cinco pontos percentuais. Isso quer dizer que “naturalmente” o MPLA desce para os 46 por cento. Se metade desses votos for para a UNITA, temos um empate em 2027! Tradução: Angola fica ingovernável. Mais um aviso. Se a abstenção aumentar em 2027, o MPLA será o principal prejudicado. 

Luanda, Zaire e Cabinda estão a ser governados por políticos com provas dadas. Sobretudo Mara Quiosa. Atenção, muita atenção. Imitar a UNITA no populismo e na demagogia não é o melhor caminho para recuperar essas praças eleitorais. Mas é isso que estamos a ver, em quantidades industriais, sobretudo na província de Luanda. Se o objectivo da direcção do MPLA é perder as eleições de 2027, está no caminho perfeito. Vai conseguir. 

Assim o Executivo consiga, com a mesma eficácia, acabar com a maquineta da kamanga.

* Jornalista

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