sábado, 4 de maio de 2024

BOM DIA HUMANIDADE -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Dia da Liberdade de Imprensa é uma espécie de chicote que os EUA e seus satélites europeus usam para castigar os países que não se submetem e recusam o estatuto de protectorados do estado terrorista mais perigoso do mundo. Graças à submissão das autoridades angolanas (acredito que o MPLA está inocente…) Angola subiu 23 lugares na “lista” dos países mais “livres”. Tanta liberdade até nos faz mal. Parecemos passarinhos acabados de sair do ninho, voando à toa. Lá vou eu arranjar mais uns quantos inimigos.

Liberdade de Imprensa só existiu enquanto os jornais eram espaços de liberdade. Estou a falar do Século XIX, ano de 1856, quando nasceu o “jornal literário e de entretenimento” A Aurora. Não tinha oficinas próprias e os fundadores pediram ao governador permissão para imprimirem o jornal na Imprensa Nacional, dotada com um prelo mecânico comprado em Londres por Arsénio Pompílio Pompeu do Carpo, que o ofereceu ao governo. O jornal foi estrangulado pela censura. Pouco tempo circulou.

Os intelectuais angolenses da época perceberam que Imprensa Livre só seria possível se tivessem oficinas gráficas próprias. Puseram mãos à obra e dez anos depois do “Aurora”, em 1866, começou a circular o jornal “A Civilização da África Portuguesa” com  o subtítulo “Semanário dedicado a tratar dos interesses administrativos, económicos, agrícolas e industriais de Angola e S. Tomé” .

O jornal entrou a matar e o governador-geral pediu autorização ao ministro das Colónias, Andrade Corvo, para proceder ao seu encerramento por ser “uma folha facciosa e turbulenta que publica artigos subversivos da ordem pública e provoca um clima de anarquia total”. Um ano depois da sua fundação, chegou a ordem de encerramento do jornal. A polícia irrompeu pela Redacção e prendeu os jornalistas Urbano de Castro e Alfredo Mântua. O prelo foi apreendido. Lá se foi a Imprensa Livre! Mas regressou.

Em 9 de Julho de 1870, nasceu “O Mercantil”, um jornal com grande qualidade gráfica e seis páginas! Na época, o usual eram jornais com a primeira, a última e as páginas centrais. De vez em quando era encartada uma quinta folha. E só excepcionalmente os jornais eram compostos de oito páginas. Este periódico possuía prelo próprio, nas suas oficinas da Rua Direita, ao Bungo.

“O Mercantil” foi um bastião da Liberdade de Imprensa. Um símbolo da Imprensa Livre em Angola. O director e proprietário era José Pinto da Silva Rocha, jornalista e publicista de grande mérito. Tinha correspondentes em Lisboa, Paris e na Baía, Brasil. Os textos doutrinários contra o governo de Portugal despertaram a fúria do governador que mandou o comandante da polícia de Luanda encerrar o jornal e apreender o prelo mecânico. O director e proprietário foi perseguido até ficar depauperado economicamente e crivado de dívidas. Para o escândalo não ser grande, o governo ofereceu-lhe o cargo de administrador numa aldeia perto do Lobito, Jixitu, hoje conhecida como Egito Praia e lá morreu sozinho e amargurado.

Em 1873 nasceu o semanário “Cruzeiro do Sul”. Liberdade de Imprensa e propagação das ideias independentistas. Acabou mal como os anteriores. Alfredo Troni, em 7 de Julho de 1878, fundou o “Jornal de Loanda”, com tipografia própria e sede na Rua Diogo Cão, junto ao porto. O governador-geral foi vítima da sua pena brilhante. E quando Troni, pelos seus afazeres de advogado, teve de se ausentar da trincheira do jornal, contratou um jornalista de primeira água, Ladislau Batalha, na época, um dos mais brilhantes arautos do socialismo. Um ano depois a polícia acabou com a Liberdade de Imprensa.

Alfredo Troni perdeu o seu “Jornal de Loanda” mas não cruzou os braços. Em 1888, da sua tipografia privada saía o celebérrimo jornal “Mukuarimi “. As oficinas gráficas do Bungo passaram a chamar-se Typographia do Mukuarimi. 

A Imprensa Livre chegou a Benguela em 1870 com o jornal “O Progresso” (1870), Depois à Catumbela “A Ventosa” (1886). E ao Ambriz “A Africana” (1893). Dificuldades económicas insuperáveis acabaram com esses espaços de liberdade.

O jornal “Echo de Angola” (12 Novembro de 1881) foi o primeiro jornal exclusivamente propriedade de angolanos e cuja Redacção era composta também por jornalistas africanos negros. Entre os seus redactores estava José de Fontes Pereira, justamente considerado um mestre do jornalismo luandense do último quartel do século XIX. Seu contemporâneo e concorrente era o jornal “O Desastre”, dirigido pelo jornalista negro Mamede de Sant’Anna e Palma que também era o proprietário. Os textos doutrinários reclamavam a Independência Nacional.

O jornalista negro Arantes Braga fundou o jornal “Pharol do Povo”, com o subtítulo Folha Republicana. Foi o primeiro jornal de Angola que em plena monarquia, numa fase de tremenda repressão, se declarou defensor dos ideais republicanos. Na Redacção pontificava Pedro da Paixão Franco considerado o mais brilhante jornalista angolano do Século XIX. Morreu envenenado. 

Júlio Lobato era igualmente um jovem e talentoso jornalista que começou a sua carreira profissional na Imprensa Livre do último quartel do século XIX. Explodiu nos primeiros anos do século XX e em 1908 fundou o jornal “A Voz de Angola” que tinha como legenda: “Libertando pela Paz; Igualando pela Justiça; Progredindo pela Autonomia”. A repressão caiu sobre Lobato e o seu jornal, mas a semente ficou, germinou e o fruto chama-se República de Angola.

A comunicação à distância mudou tudo no Jornalismo. A notícia ganhou espaço de tal forma que Antero de Quental escrevia no jornal A Revolução de Setembro (1840-1901): “Andam a circular umas folhas muito informativas, a dez reis, que estão a matar a Liberdade de Imprensa”. Os génios são assim, têm sempre razão antes do tempo. A notícia passou a ser uma mercadoria e os jornalistas, de proprietários dos jornais, passaram a assalariados. Ao serviço do negócio.

Assim estamos. Os Media deixaram de ser espaços de liberdade há muitos anos. São sim, espaços de poderes ilegítimos. Não há ética e deontologia que resistam a um patrão ganancioso ou a salários rastejantes. Imprensa Livre sou eu, mas escrevo para amigas e amigos. Quando não estão de acordo com os meus escritos não me mandam prender, julgar nos tribunais dos donos ou mesmo matar. De pouco serve esta Liberdade de Imprensa que vos sirvo.

Bom dia Humanidade! Estudantes norte-americanos, franceses e alemães (para já…) explodiram em protestos contra o genocídio na Palestina. Os governos soltaram as polícias de choque que agrediram e prenderam. Há milhares de detidos e agredidos por ousarem lutar contra o extermínio dos palestinos.

Os EUA estão a ferro e fogo. Neste Dia da Liberdade de Imprensa informo que na Universidade de Columbia, Nova Iorque, os jornalistas foram impedidos de cobrir os acontecimentos. O mesmo em Paris. Mas se forem ver, França e EUA estão muitos furos acima de Angola na “lista” dos países que respeitam a Liberdade de Imprensa.

Na Guerra do Golfo mandei imprimir cartões-de-visita onde estava escrito abaixo do meu nome: Presidente da Comissão de Abate dos Gringos No Iraque. Agora vou imprimir outro com este cargo: Presidente da Associação de Apoio aos Refugiados Gringos em Cuba. Por favor, camaradas cubanos! Recebam os estudantes contestatários. O trio assassino Biden, Blinken e Austin querem matá-los. Se aportarem às praias cubanas em balsas improvisadas, recebam-nos e sirvam-lhes chicharron, um copinho de rum carta blanca e animem-nos com “son” de Don Portillo de La Luz.

Bom Dia Humanidade! O meu amigo (espero não estar a prejudicar-te…) Álvaro Macieira está a expor as suas últimas obras de arte (Angola Kiesse). Este artista plástico vem de Sanza Pombo, a terra do melhor arroz do mundo, O irmão dele era um craque no futebol. Até jogou no Desportivo do Negage, naquele tempo em que João Ferreira contratou futebolistas do Benfica de Portugal para a equipa. Artur, Ferrão, Garcia e outros.

Bom Dia Humanidade. Não se esqueçam que hoje, liberdade já não mora na Imprensa. Contentemo-nos com a liberdade de estabelecimento. Mas tenham sempre presente que a publicidade e o tráfico de “notícias” por encomenda são os combustíveis da empresa jornalística. Se os ricaços cortarem as encomendas e os anúncios vamos todos pedir esmola ao chefe Miala.

* Jornalista

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