domingo, 9 de junho de 2024

Angola | Corrupção em Regime de Exclusividade -- Artur Querioz

Artur Queiroz*, Luanda

Até João Lourenço a corrupção era democrática, tocava a todos. O roboteiro podia ser corrupto. O agente regulador de trânsito tocava as teclas do instrumento sem makas. A criadagem do poder dava murros nos cofres e se tinha padrinho na cozinha, podia ficar com dinheiro de todos. A partir de 2017 o clube da corrupção tornou-se muito selecto, exclusivo, só mesmo a turma do chefe pode entrar. Os indisciplinados entravam na mesma e isso exigiu medidas radicais. Hoje Adão de Almeida anunciou a aprovação da Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção. Corrupção passa a ser exclusiva do Estado.

Apesar dos indisciplinados, Adão de Almeida está satisfeito com os resultados obtidos desde 2017. São tão bons que Angola subiu 50 pontos no Índice de Percepção da Corrupção, uma brincadeira anual da ONG Transparência Internacional, com sede em Berlim. A coisa é muito séria. Foi fundada por três altos funcionários do Banco Mundial, instrumento financeiro ao serviço do estado terrorista mais perigoso do mundo: Peter Eigen, Michael Wiehen e Frank Vogl. Mais um membro da inteligência militar dos EUA, Michael J. Hershman. E gente miúda para compor e enganar os incautos. 

Adão de Almeida é um governante jovem, por isso ainda vai a tempo de aprender línguas e mais umas coisitas. Primeira: A corrupção é combustível insubstituível do sistema capitalista. Sem essa energia, a “economia de mercado” morre. Segunda: A corrupção só acaba quando acabar o capitalismo. Mas pode ser domesticada se o Poder Judicial controlar os actos dos governos. Em Angola é o contrário, o Executivo controla o Poder Judicial. Quando fica sob o controlo dos governos, o povo sofre muitíssimo. Quando a Justiça é comprada a dez por cento como acontecia com o Decreto Presidencial 69/2021 a corrupção fica um exclusivo do Estado. 

Adão de Almeida garante que em Angola o combate à corrupção tem “resultados visíveis”. Pois tem. O Grupo Carrinho era coisa de roboteiros e agora conduzem ferraris. Excelência, não me provoque que eu abro o livro todo da corrupção depois de 2017. Publico a lista dos dez mais ricos desde que João Lourenço é Presidente da República, Titular do Poder Executivo e nomeador das cúpulas do Poder Judicial. Angola subiu 50 pontos no Índice de Percepção da Corrupção. Mas se pagarem mais, sobe 200 pontos. E se pagarem mais ainda desalojam a corrupta Dinamarca. É uma questão de kumbu.

A Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção tem três eixos: Prevenção, detecção (Detenção para a TPA e a turma do Chefe Miala) e repressão. Sem querer, o canal público de televisão tocou na ferida. O combate à corrupção em Angola faz-se com a tomada de reféns, a tal detenção. Os ricos anteriores a 2017 são todos reféns, presos ou ameaçados de prisão. 

Para não parecer mal, a partir de agora não é o chefe Miala, o Pita Grós ou o ministro Adão de Almeida que andam atrás dos corruptos. O senhor ministro anunciou a adopção de “uma cultura de denúncia”. Tipo delacção premiada. Promoção dos bufos. A Procuradoria-Geral da República “vai estar mais bem preparada para abordar o fenómeno, uma nova dinâmica”. A partir de agora vão à Suíça abocanhar o dinheiro dos outros e conseguem! O Pita Grós vai à vida. Atenção! Esta estratégia vai só até 2027. E tudo fica nas mãos de uma “comissão intersectorial (mais tachos a granel!)

A Comissão multissectorial é coordenada pela PGR e a IGAE. As raposas no galinheiro! Vão gerir melhor os “activos recuperados, ao serviço da sociedade”. Qual sociedade, senhor ministro? Não entreguem tudo ao Grupo Carrinho, ao Minoru Dondo e aos outros milionários do clube exclusivo. 

O senhor ministro da Defesa, João Ernesto dos Santos, ex-Liberdade, foi aos EUA negociar a compra de armas para as forças armadas. Mesmo que consiga um desconto, fica no ar uma questão: O que vão fazer ao armamento das Forças Armadas Angolanas (FAA) comprado até agora a outros fornecedores e desde antes da Independência Nacional? Espero que não vendam as armas ao Exército Revolucionário Congolês (M23) ou aos golpistas que tentaram derrubar o presidente eleito da República Democrática do Congo. Mas o que espero mesmo é outra coisa. Não andem a vender o país por meia makuta ao estado terrorista mais perigoso do mundo. Já entrei na cultura de denúncia, sou muito rápido.

Corrupção é isto. Há cada vez mais concessões para exploração do petróleo. O preço do barril aumentou. Mas em 2023 Angola teve menos recursos financeiros oriundos do sector petrolífero, do que em 2022. E este ano vai pelo mesmo caminho. As receitas com a exportação do crude caíram para 8,6 mil milhões dólares no terceiro trimestre de 2023. O Pai Querido anda a meter a mão na massa? Os concessionários levam o petróleo sem pagar ao Estado? A Dona Vera dá borlas fiscais às petrolíferas? O senhor ministro que responda.

No sector dos diamantes a situação é muto mais grave. A nova legislação é inócua. Não serviu de nada. Quem fez o fato pronto-a-vestir nem sequer consultou os empresários do sector. Aquilo é só para beneficiar a maquineta da kamanga com a Cooperativa Watacassossela ao comando. Ninguém toca nessa ferida. A última “operação de limpeza” no Mussulobela pouco ou nada mudou, no que diz respeito ao garimpo ilegal. Minto. Mudou sim. A nova Pauta Aduaneira acrescentou mais cinco por cento aos custos para exportação de diamantes. Exportação legal. Porque a ilegal continua em grande. E protegida!

Esta medida penaliza gravemente os produtores. O mercado internacional está em queda há mais de um ano. Os preços hoje são 40 por cento mais baixos do que em 2021/2022. Com a nova Pauta Aduaneira, por cima dos 25 por cento dos encargos fixos, os produtores vão agora sofrer o desconto dos cinco por cento na compra, uma vez que os compradores vão imputar esta taxa ao preço de oferta. 

A maior parte dos projectos mineiros tem estado a funcionar com grandes dificuldades financeiras. Algumas empresas  já fecharam as portas. Outras vão fechar em breve se nada for feito. Quem de facto trabalha para extrair os diamantes, suporta todos os custos da operação, tem os problemas do garimpo, de segurança e da logística. Os operadores garantem o maior número de empregos mas acabam por ser os mais penalizados com uma carga fiscal pesadíssima, sem nenhum incentivo. O negócio legal dos diamantes deixou de ser atractivo. Só a maquineta da kamanga e a exploração ilegal de diamantes vivem bem, porque passam ao lado das obrigações legais. Estou a falar de corrupção em grande escala. 

A Empresa Nacional de Comercialização de Diamantes de Angola (SODIAM) só participa no final da cadeia. No processo da venda. E muitas vezes contra os interesses do produtor. Só em taxas arrecada 10.9 por cento, de cada dólar por quilate de diamantes. Nenhum mercado normal funciona assim. Estou a falar de Corrupção exclusiva do Estado.

O senhor ministro Adão de Almeida é jovem, provavelmente não sabe, mas o garimpo ilegal e a maquineta da kamanga são protegidas por altas figuras do Estado. E no terreno até autoridades que deviam reprimir o roubo dos nossos diamantes, alinham com os beneficiários da maquineta. Angola é paraíso dos kamanguistas. As falsas licenças agrícolas continuam a servir os kamanguistas que usam à luz do dia equipamentos pesados no garimpo. Causam imensos danos ao Estado Angolano. Milhões de diamantes saem todos os dias pela fronteira, ilegalmente. 

Quem ganha com o esbulho é um pequeno grupo patrocinado por mafias internacionais. Querem mesmo combater a corrupção? Vão às Lundas. E controlem a exportação de petróleo. O resto é conversa que não enche barriga.

* Jornalista

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