segunda-feira, 10 de junho de 2024

Angola | Notícias da Grande Família -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O livro “Itinerário do MPLA através de documentos e anotações de Lúcio Lara” (antetítulo) “um amplo movimento… “ (título), publicado no final dos anos 90, é de leitura obrigatória até para os analfabetos. Quando soube que a obra estava na forja, visitei o autor na sua casa do Bairro de Alvalade. O original estava pronto mas faltavam fundos para a sua edição. Ofereci-me para encontrar patrocinadores que apostavam no mecenato cultural. Ruth e Lúcio levaram a mal. Eles haviam de encontrar fundos, sem concessões à “economia de mercado”. Nessa altura Lúcio Lara andava à procura do “malandro que nos meteu nisto”. Mas também dos “milhares de quadros que formámos e desapareceram”.

Nessa altura entrevistei Lúcio Lara mas no fim pediu-me para não publicar a entrevista. Foi pena porque ele falou do nascimento do MPLA em termos que explicam o seu itinerário, até hoje. Mas como teceu críticas violentas à liquidação da República Popular e Angola e do socialismo, para não atrapalhar, Lara preferiu que nada fosse publicado.  

Sobre o MPLA, ele explicou que no início era um amplo movimento, onde cabiam todos os que defendiam e lutavam pela Independência Nacional, politizados ou não. Moderados e radicais de todas as cores até comunistas. Os colonialistas reagiram brutalmente ao nascimento do movimento. Os membros da direcção e militantes foram presos ou forçados ao exílio. Deram razão aos mais radicais. Mas nunca deixou de ser um amplo movimento aberto a todos os patriotas que queriam a Independência Nacional

Neste quando, falar de esquerda e direita é demasiado redutor para definir o MPLA de ontem e de hoje. O amplo movimento vai-se adaptando e às circunstâncias. Quando a direcção decidiu partir para a Luta Armada de Libertação Nacional todos eram guerrilheiros. Após o 25 de Abril de 1974 o amplo movimento correu sérios riscos de se fechar. Graças a Agostinho Neto e seus companheiros de luta mais próximos, foi possível manter a matriz inicial. As chamadas “Revoltas” (Activa e de Leste) foram afogadas pelo cerrar fileiras à volta do líder. Nesta altura, o amplo movimento também passou a ser uma grande família, que irmãos desavindos não conseguiram destruir.

O amplo movimento enfrentou o desafio mais difícil da sua existência quando a direcção do MPLA decidiu abandonar a democracia popular e o socialismo, adoptando a democracia representativa e a economia de mercado. Quando Lúcio Lara quis saber “!quem foi o malandro que nos meteu nisto” eu respondi-lhe que foi toda a direcção do MPLA e muitos militantes influentes na sociedade, que apoiaram a decisão. 

As FAPLA, braço armado do Povo Angolano, venceram a Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. A direcção do MPLA nem teve tempo para saborear a estrondosa vitória e aceitou pôr em disputa o poder. Aceitou jogar no terreno dos adversários de sempre, indo a eleições multipartidárias. Espantosamente ganhou! Exactamente por ser um amplo movimento e uma grande família!

Este amplo movimento e esta grande família continuam a ter amplo apoio popular. Nas eleições de 2022 o MPLA teve mais de 50 por cento dos votos expressos, apesar de a sua direcção ter dado rajadas de tiros nos pés e empurrar para fora das mesas de voto mais de 40 por cento da sua base social de apoio, que apostou na abstenção, nos votos brancos e nulos mas também no voto de protesto (uma pequena percentagem). O tiroteio nos pés continua. Se os combatentes das FAPLA tivessem a mesma pontaria, não tínhamos ganho as guerras e estávamos todos coxos. 

Este mandato de João Lourenço tem uma característica inquietante: Deixaram de disparar contra os pés e começaram a acertar nos joelhos. Se continuam assim, em 2027 já estão a acertar no peito. A direcção do amplo movimento e da grande família, pela voz de Rui Falcão, explicou que isso de terceiro mandato, nem pensar. O MPLA respeita escrupulosamente as Leis e a Constituição da República da qual é pai e a UNITA inimiga. Aos desmemoriados lembro que os deputados do Galo Negro não votaram a favor da Lei Magna. Não votaram contra. Não se abstiveram. Abandonaram o plenário! Não querem ter nada a ver com a democracia.

Rui Falcão foi chamado a funções no Executivo. Tem a pasta do Desporto e já fez mais em poucos meses do que os seus antecessores em anos. É pena que não possa substituir João Lourenço. O líder ia descansar, merecidamente, e o amplo movimento seguia a sua rota vitoriosa. A grande família reconciliava-se. Mas não se pode querer tudo.

O porta-voz do MPLA disse que isso de terceiro mandato “nunca esteve na agenda”. E para ninguém ter dúvidas sublinhou: “O terceiro mandato do Presidente João Lourenço é um não assunto”. O partido está focado nas próximas eleições autárquicas. Vai ser um festival. As populações dos municípios e comunas ainda não se esqueceram dos hediondos crimes cometidos pela UNITA durante a guerra e sobretudo entre 1992 e 2002, quando Savimbi desencadeou a rebelião armada. Vamos ser inundados com alegações de “fraude eleitoral”. Eles nem ganham na aldeia do Savimbi!

Esteves Hilário aproveitou para dizer aos jornalistas que “as estruturas do partido estão coesas e com os seus órgãos a funcionar na plenitude”. O amplo movimento “está de boa saúde, tudo o resto que se diz são especulações e antecipação de assuntos que serão discutidos no congresso ordinário previsto para Dezembro de 2026”. Se os sicários da UNITA não ouviram ou viram as declarações do dirigente do MPLA eu recordo esta parte: “A Constituição da República é a bússola orientadora da vida nacional. Não está em causa qualquer tentativa de desrespeito à Lei Magna”. A partir de agora isso de terceiro mandato é conversa de bêbados da valeta, tombados no jornalismo.

No final de 2026 o amplo movimento vai reunir os delegados da grande família e todos juntos escolhem o novo líder que, por inerência, é candidato às eleições de 2027. Já temos uma certeza. O poder não vai cair na rua. O partido que tem milhões de militantes, apoiantes e amigos encontrará um líder e um candidato à altura das suas responsabilidades políticas, sociais e históricas. O General Higino Carneiro anunciou à Rádio Correio da Kianda: “Estou a ponderar concorrer à liderança do MPLA, mas o nosso partido tem estatutos, é necessário que o Comité Central defina os passos para que surjam candidaturas. Havendo essa oportunidade, estarei na linha da frente”.

Ninguém pense que esta intenção é uma rutura com o actual líder. Higino Carneiro definiu-o como um amigo, um irmão, um companheiro de armas. A grande família está unida. Mas aqui e ali há equívocos perigosos. Manuel Homem, governador de Luanda e líder provincial do MPLA, disse que o partido tem de descer às bases e ficar lá, no meio delas. Essa não é a doutrina.

O partido é a bandeira do Povo Angolano. O seu dever é descer às bases e elevar o seu nível político e social até ao máximo. Descer ao nível das massas e ficar por lá é populismo e demagogia. Fazer elevar o nível das massas é a missão o “EME” desde a sua fundação. Manuel Homem precisa de frequentar umas sessões de politização. Qualquer jovem da JMPLA lhe explica esta parte.

Membros do Executivo também precisam de saber que a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA) é vital para elevar o nível político e social das massas populares. E se fazem parte do gabinete ministerial muito devem aos sindicalistas da UNTA. 

* Jornalista

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