Há quem diga que estes três aspectos andam todos ligados. A verdade é que, muitas vezes, somos confrontados com situações que levam a dar razão aos que assim pensam.
A composição dos tribunais arbitrais, que proferem decisões com a mesma força dos tribunais públicos, resulta da escolha feita pelas partes. São três pessoas, que não são juízes de carreira, uma escolhida pelo privado, outra pelo Estado e uma terceira escolhida pelos outros dois.
O Estado recorre à arbitragem como forma de resolução de litígios administrativos e fiscais, uma situação incompreensível, considerando que, perante a existência de tribunais públicos, deveria dar exemplo e ser o primeiro a recorrer a eles. Aliás, durante a última década o Estado perdeu centenas de milhões de euros do erário público com as decisões dos tribunais arbitrais.
Recentemente, na Assembleia da República, o deputado António Filipe relatou o caso de um consórcio privado que intentou uma execução contra o Estado no montante de 202 milhões de euros, decorrente de uma condenação em tribunal arbitral. O Estado celebrou com o referido consórcio um contrato de concessão, cujo visto foi rejeitado pelo Tribunal de Contas, impedindo desta forma que o Estado executasse o contrato. Refira-se que o acórdão do Tribunal de Contas (TC) negando o visto prévio a um contrato, após trânsito em julgado, é obrigatório para todas as entidades públicas e privadas.
Apesar da decisão do TC, o consórcio apresentou ao Estado o pedido de constituição de um Tribunal Arbitral, com o objectivo de obter a compensação que entendia ser-lhe devida face à recusa de visto por parte do Tribunal de Contas. Em consequência, o tribunal arbitral condenou o Estado a pagar uma indemnização de cerca de 150 milhões de euros. Isto é, o Estado foi condenado a indemnizar o consórcio privado porque não cumpriu um contrato que não poderia cumprir por ter sido declarado ilegal pelo Tribunal de Contas.
Em 2023, na sessão de encerramento do XII Congresso dos Juízes Portugueses, com a presença da então ministra da Justiça, Manuel Soares, à época presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, alertava: «Não está certo, não pode estar certo, que o Estado seja condenado por um tribunal arbitral, secreto, sem controlo de legalidade do Ministério Público, a pagar a uma empresa privada centenas de milhões de euros por violação de uma cláusula contratual que o tribunal de contas já tinha considerado nula».
A verdade é que, tal como afirmou o deputado comunista, se esta forma privada e opaca de composição de litígios por via de arbitragem ad hoc, envolvendo em regra muitos milhões de euros de dinheiros públicos, não é um escândalo, o que será um escândalo. Entretanto, é público que o PCP, por mais de uma vez, apresentou na Assembleia da República propostas para proibir oEstado de recorrer à arbitragem para a resolução de litígios que envolvamdinheiros públicos. Propostas chumbadas por deputados de PS, PSD, CDS, IL e Chega, que, conforme sublinhou António Filipe, «no dia seguinte, voltam a ser todos contra a corrupção, a dizer que o problema é a falta de regulação do lobbying, a bater com a mão no peito ou a exigir limpezas não se sabe bem de quê, porque quando se aponta a sujidade fazem de conta que não a vêem, porque quando se tenta tocar em interesses dos grandes negócios privados, aí é tudo limpinho».
Por outro lado, o lobbying, «representação organizada de interesses», que agora surge, pela mão de alguns, como um remédio para os males da corrupção, não passa de uma, eventual, nova frente de negócio para agências de comunicação ou grandes escritórios de advogados com o objectivo de vender serviços e influenciar os decisores políticos no sentido dos interesses dos seus clientes.
Talvez, por isso, a regulamentação do lobbying esteja longe de ser a panaceia no combate à corrupção prometido pelo Governo que, na chamada Agenda Anticorrupção, deixa de fora questões como o recurso aos tribunais arbitrais, o combate às chamadas portas giratórias e aos paraísos fiscais.
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