terça-feira, 25 de junho de 2024

A DESCOBERTA DO SÉCULO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

E de repente descobriram que a corrupção é responsável pela fome no mundo. Graças à corrupção, os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais votantes no partido UNITA, que é uma arma de destruição maciça ao serviço dos ricaços. As nossas crianças estão famintas e não vão à escola por culpa da corrupção. A Humanidade assiste a uma descoberta ao nível da roda, do caminho marítimo para a Índia com ou sem Adamastor, da luta de classes, da penicilina ou do viagra.

Em 1992 fiquei em estado de choque porque descobri que dos partidos candidatos às eleições multipartidárias, nem um se apresentou ao eleitorado defendendo a nossa República Popular de Angola e o socialismo. 

O meu choque foi ainda mais violento porque entre os mastins que defendiam a democracia representativa e a “economia de mercado” estavam uns camaradas que entusiasticamente aderiram ao MPLA-PT marxista-leninista. E excrementaram-me porque recusei submeter-me ao “movimento de rectificação”. Confessei imediatamente que era um libertário apaixonado pela Conquista do Pão de Kropotkine, admirador de Ravachol e desconfiado do velho Bakunine. Mas marxista-leninista nunca. Só mesmo leitura.

Reaccionário! Traidor! Atirado para o lixo, decidi adormecer e esperar que a onda passasse. E não é que passou? Mas a direcção do MPLA sem “PT” e sem marxismo-leninismo virou-se para o “socialismo democrático” e até filiou o partido na Internacional Socialista, um clube exclusivo dos que vivem à custa da carne e do sangue dos trabalhadores. E eu, sem rectificação, sem juras de amor ao capitalismo e à democracia representativa, fui dando ao MPLA o que era pedido. Mais nada do que isso. É onde estou.

A turma do chefe Miala pôs em marcha uma operação mediática destinada a convencer as angolanas e os angolanos que não têm mundos e fundos de que a corrupção é culpada da incompetência dos ministros e das ministras. Por culpa da corrupção, João Lourenço assumiu uma política externa errática, incoerente e perigosamente subserviente ao estado terrorista mais perigoso do mundo. Por exclusiva culpa da corrupção os professores são pagos miseravelmente. Os médicos e outros técnicos de saúde, igualmente.

A corrupção lava a cara de Jonas Savimbi. Conseguiu transformar um assassino cruel, um criminoso de guerra, em patrono de uma fundação que nasceu para ajudar os pobres. Com dinheiro de quem? Onde arranjaram os fundos para as bolsas de estudo? Ninguém sabe. Mas só pode ser dinheiro sujo dos diamantes de sangue que a “fundação” vai limpar. Graças à corrupção, o ministro da injustiça e dos direitos desumanos não explica nada. 

Um dia destes, à boleia da corrupção, vai ser legalizada a Fundação do Chefe Poeira. E a Fundação do Governador Agapito. No Uíge vamos ter a Fundação Ferreira Lima, o financiador das milícias assassinas, em Março de 1961. Porque não? Todos esses, comparados com Jonas Savimbi eram meninos de coro, com asas e tudo.

A corrupção é a quinta-essência do sistema capitalista. Esse mesmo, que todos aplaudiram nas eleições de 1992. Que todos ansiavam. Que todos idolatraram. Quando perguntei o que iam fazer aos meios de produção nas mãos do Estado disseram que iam ser entregues as combatentes da liberdade. A quem mais havia ser? E o capital? Vamos cumular, rapidamente, como fizeram os outros. Como havia de ser? 

E assim enterrámos alegremente no capitalismo puro e duro, cuspindo e mijando na tumba do socialismo e da democracia popular. Em abono da verdade é preciso dizer que todos receberam pelo menos a casa onde viviam. Todos beneficiaram. Nenhum estrangeiro podia criar em Angola uma empresa sem um sócio angolano maioritário, no mínimo 51 por cento. Os novos empresários foram financiados pelo Estado tipo bar aberto. E daí? Estavam a criar a sacrossanta democracia representativa e economia de mercado.

A turma do chefe Miala descobriu agora que a Damer foi financiada pelo Estado! Queriam que os empresários fossem financiados por quem? Os fundadores fizeram em Luanda Sul a maior empresa gráfica de África. A mais bem equipada. Não chega? Descobriram agora que os fundadores da TV Zimbo foram financiados pelo Estado. O mesmo com a Rádio Mais. Pois foram. Ainda bem. Os dois projectos fizeram a diferença. E era isso que se esperava. Um sucesso! 

Angola não tinha empresas do ramo financeiro. Mas elas são essenciais ao sistema da “economia de mercado”. Alguns angolanos aventuraram-se no ramo. Uns falharam rotundamente. Outros, como Carlos São Vicente, tiveram grande sucesso. Malditos! 

Este tema fica para mais tarde. Hoje quero apenas dizer que a seguradora pública ENSA tem o exclusivo de negócios altamente rentáveis e não sai da falência. Muitos dos milhões que Carlos São Vicente tem no estrangeiro, é dinheiro ganho mesmo no estrangeiro, não saiu de Angola. Mas a turma do chefe Miala diz que esses lucros saíram dos cofres do Estado. Arranjaram uns juízes pagos a dez por cento que confirmaram a aldrabice.

A MOVICEL faliu porquê? Deixem lá isso da corrupção. A “telefónica” nacional faliu por incompetência. Negligência. Péssima gestão. A Sonangol estava falida quando Isabel dos Santos assumiu a gestão da petrolífera nacional, porquê? Má gestão. Incompetência. Negligência. Custa alguma coisa reconhecer que mais de 90 por cento dos nossos gestores são figuras decorativas? Nada. Nem têm o estatuto de incompetentes. São simples acomodados e nada mais do que isso. Destroem tudo em que tocam por inabilidade. Não é por maldade. É porque não sabem o que fazem.

O matraquilho que faz de ministro dos negócios portugueses com os estrangeiros está em Luanda, A TPA chama-lhe o chefe da diplomacia portuguesa! Hoje mesmo vai receber a primeira lição de como se combate a corrupção em Angola. Antes de existir uma acusação, antes de julgamento, antes de condenação, o suspeito de crimes de corrupção é espoliado de todos os seus bens. Confisco total dos activos. Depois arranja-se uma acusação, um julgamento e uma sentença que justifique o esbulho. Está feito. Graças à corrupção, o Estado de Direito é um abuso e a democracia representativa, uma espécie de tribunal da Inquisição. Valha-nos o Turismo impulsionado pelos camelos oferecidos ao Presidente João Lourenço.

* Jornalista

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