Mais de cem jornalistas palestinos foram mortos em Gaza, aponta relatório. Muitos vestiam coletes de imprensa quando atacados pelas forças israelenses. Seis redações foram destruídas. É outra face do genocídio: cercear o direito humano básico à informação
Sergio Ferrari | Outras Palavras | Tradução: Rose Lima
Na última semana de junho, o Forbidden Stories (Histórias ou Investigações Proibidas) divulgou amplamente os resultados do que chamou de “Projeto Gaza”, uma investigação exaustiva sobre o assassinato de mais de cem jornalistas na Faixa de Gaza, hoje o epicentro da guerra no Oriente Médio.
Essa plataforma e rede de investigação, com sede em Paris, sustenta, com base em vários relatórios, que “desde o início da guerra de Israel em Gaza em resposta ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023, mais de 100 jornalistas e pessoal dos meios de comunicação foram mortos”. Durante quatro meses, o Forbidden Stories e vários parceiros de mídia investigaram as circunstâncias desses assassinatos, bem como inúmeros casos de jornalistas sendo atacados, ameaçados ou feridos na Cisjordânia e em Gaza. “Essas investigações”, denuncia a rede, “apontam para um padrão assustador e sugerem que alguns jornalistas podem ter sido atacados, embora tenham se identificado como tal”.
Importantes meios de comunicação contribuíram para o Projeto Gaza, como o Le Monde, da França; The Guardian, do Reino Unido; o semanário alemão Der Spiegel; o grupo Tamedia, da Suíça; Rádio França; a agência de notícias francesa AFP; a rede de televisão alemã ZDF; a revista independente +972; Local Call (Chamada Local); o alemão Der Standard, Associação de Repórteres Árabes para Jornalismo Investigativo (ARIJ) e Paper Trail Media, entre outros, com o apoio e a colaboração do Sindicato dos Jornalistas Palestinos. Cinquenta jornalistas investigaram a morte de vários colegas em Gaza e as prisões e ameaças contra outros na Cisjordânia. Eles também contabilizaram ataques direcionados/seletivos, bem como a destruição de infraestruturas devidamente classificadas como sedes de veículos de comunicação (como aconteceu em 3 de novembro de 2023 com o escritório da agência francesa AFP correspondente em Gaza), após apresentação de provas condenatórias contra o governo israelense.
Durante a investigação, os jornalistas do Projeto Gaza contataram remotamente mais de 120 testemunhas em Gaza e na Cisjordânia, algumas das quais testemunharam atividades militares. Cerca de 25 especialistas em balística, armas e análise de áudio também foram consultados. Como os jornalistas estrangeiros só podem entrar em Gaza como parte de “visitas” organizadas e sob escolta israelense, eles não puderam investigar livremente de dentro de Gaza. Por essa razão, tiveram que combinar depoimentos remotos com imagens de satélite da Planet Labs e da Maxar Technologies. As provas coletadas foram salvas em formato digital na plataforma Atlos, um espaço de trabalho colaborativo que permitiu a todos os participantes reunir documentos em um único local, onde foram devidamente classificados.
As conclusões são contundentes: pelo menos 40 jornalistas e trabalhadores da imprensa foram mortos em suas casas. Foi possível identificar 18 jornalistas mortos, feridos ou atacados por drones, e seis prédios da redação total ou parcialmente destruídos. Pelo menos 14 jornalistas usavam coletes com as palavras “Imprensa” quando foram assassinados, feridos ou atacados.
Todas as canetas valem o mesmo
Diante do número recorde de comunicadores palestinos vítimas, o Forbidden Stories (Histórias Proibidas), como apontam no prólogo, assume a tarefa de “continuar o trabalho de jornalistas assassinados”. “Em resposta ao consórcio, um porta-voz militar israelense disse: ‘A narrativa de que as Forças de Defesa de Israel visam intencionalmente jornalistas é completamente infundada e fundamentalmente falsa’”.
Durante a apresentação do Projeto Gaza, Shuruq As’ad, porta-voz do Sindicato dos Jornalistas Palestinos, refletiu que, “se 100 ou 140 jornalistas israelenses [ou ucranianos] tivessem sido assassinados, não creio que a reação internacional teria sido a mesma”. Criticando uma certa indiferença de uma parte da comunidade internacional para com o drama palestino, acrescentou: “Não quero que nenhum jornalista morra, seja israelita, ucraniano ou palestino. Os jornalistas devem poder trabalhar e ser protegidos, independentemente da sua nacionalidade e do país em que se encontram”.
Por sua vez, Irene Khan, ex-secretária-geral da Anistia Internacional e atual relatora especial da ONU para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão, reconhece que a presença de jornalistas em zonas de guerra é vital: “Eles são nossos olhos no terreno. Podem evitar que os crimes de guerra se multipliquem impunemente e permitir que o público esteja ciente do que está acontecendo. Quando há uma forte possibilidade de que um crime de guerra seja cometido, a transmissão ao vivo se torna uma prova fundamental”. E sublinha que, para os especialistas da Forbidden Stories, a natureza do trabalho jornalístico num contexto de conflito implica que os jornalistas “devem estar o mais próximo possível dos confrontos, porque é precisamente isso que cobrem, embora isso os torne particularmente vulneráveis aos ataques”.
Imagem: AFP
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