sábado, 12 de outubro de 2024

Crónicas Musicais e Jornalismo -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A crónica é um género jornalístico, dizem alguns com os olhos repletos de ironias e cansaços, como se fossem alunos de José Régio. Não, crónica é literatura! Um dia ousei uma terceira via, defendi que crónica é música. Olharam para mim com pena, como se fosse um caso perdido. Ernesto Lara Filho brilhava com as suas reportagens erguidas das estórias de jinongonongo l Falei com ele da crónica musical. Como já existiam gravadores portáteis, os jornais deviam ter uma bolsa marsupial onde era guardada uma cassete com a música das crónicas de cada edição. O maior cronista de Língua Portuguesa olhou-me pesaroso e matou a conversa assim: Na crónica a música já está dentro das palavras!

Verdade! A crónica é música dentro das palavras. Um dia fui ao Caraculo e o deserto estava mesmo muito seco, moribundo de sede. De repente começou a chover. Tanta chuva. Lá na Tchicolonjira havia uma pensão sem nome mas passei a chamar-lhe Pensão Logo Existo”. Dormi com a chuva sem bebida nem comida. Acordei alucinado. Vi o deserto verdíssimo. Mas era verdade. Bastou uma chuvada para as sementes rebentarem de verde. Escrevi na minha máquina Hermes Baby uma crónica que acabava com a voz incandescente de Belita Palma cantando: Meu amor hoje venho dizer-te que choveu desde o Caraculo até às mulolas onde as zebras vão beber.

Regressado ao Palácio da Cuca entreguei a crónica ao Pedro Jara. Ele leu um tanto a contragosto. Depois entregou-me os dois linguados dactilografados com algum desprezo. Perguntei-lhe se sentiu a música nas palavras. Ele chamou a Mamã Guinhas: Maria Augusta! Este cagalhão já pega as bebedeiras umas nas outras. Acaba de acordar e já está bêbado! Incompreensões não são o fim do mundo. 

Ninguém precisa de ser bêbado da valeta só porque finge que é da oposição e recebe dinheiro fácil da TPA, da RNA e do Jornal de Angola ao mesmo tempo. Curva-se até ao chão para lhe darem uns trocos. Calma, o próximo dono vai ser mais compreensivo. Ninguém precisa de se embebedar até cair na valeta.

O meu bêbado da valeta caiu no jornalismo sem saber ler nem escrever. Mas a ausência de jornalistas após a Independência Nacional fez dele o mestre dos mestres sem nunca ter tido um mestre! Não posso acompanhar esse engano de alma. Em 1992, trabalhava na Rádio Nacional e fazia questão de acompanhar a realização dos jornais das 13 e 20 horas. Aos sábados o director-geral, Agostinho Vieira Lopes, organizava almoços-convívio com os trabalhadores e convidados externos. O bêbado da valeta era certinho na comezaina. Eu só convivia depois do Jornal das 13 ir para o ar. 

Num sábado aziago os registos magnéticos eram muito grandes. Tivemos de dar-lhes uma dimensão estética para serem devidamente consumidos pelos ouvintes. Fui para o convívio uma hora e meia depois de começar o repasto. Quando cheguei ao refeitório o bêbado da valeta estava a urinar à entrada. Disse-lhe que nem os macacos urinam onde comem. Virei costas e fui embora. Não podia conviver com um animal peçonhento. Até hoje o rapaz vomita sobre mim ódio natural e racismo. E daí? Imagino o que é alguém ter de se vender para beber. Está desculpado. Mas se começar a morder as mãos a quem lhe paga como me morde os calcanhares, fica sem colecta para beber até cair na valeta.

Em Angola triunfou a falsa teoria segundo a qual os jornalistas não podem responder em Tribunal. Isso é um atentado à liberdade de imprensa! A ignorância é mesmo muito atrevida e quem pode esclarecer, informar, formar, não tem paciência para aturar bêbados da valeta e outros bichos peçonhentos que já sabem tudo. “Já sei”, é o desastre nacional.

Os crimes por abuso de liberdade de imprensa são, antes de tudo, crimes contra os jornalistas e o Jornalismo. E sim, têm de ser punidos. Podem escandalizar-se mas defendo que quem rouba a honra e o bom nome de alguém, tem de ser punido exemplarmente. A ordem jurídica internacional, em nome da liberdade de imprensa, pune esses crimes com bagatelas. Discordo! 

Quem me rouba a honra mata-me. Morto vivo. Danos irreparáveis. Houve tempo que os crimes contra a honra se lavavam com sangue. Não vou tão longe. Mas os criminosos têm de ser exemplarmente castigados. O mesmo quando violam os meus jardins secretos. A esfera pessoal, do segredo e a história pessoal. Os criminosos têm de ser punidos sem contemplações. Até porque isso da liberdade de imprensa é coisa que não existe há muitos anos. Um truque que o poder usa para esmagar a concorrência. Os Media hoje não são espaços de liberdade. São simplesmente negócios e sedes de associações criminosas.

Neth Nayara ofendeu e caluniou gravemente o Chefe de Estado. Levada a Tribunal levantou-se o coro do costume: Atentado à liberdade de expressão! Condenada a uma pena de prisão efectiva, até “advogados americanos” exigem a sua libertação! Florindo Chivucute, empregado doo estado terrorista mais perigoso do mundo no balcão Friends of Angola (FoA) diz que “fui abordado por polícias de forma agressiva, tendo eu respondido também com algum nervosismo”.

 Um criado nervoso arranja problemas. Por isso foi levado para a esquadra da Maianga onde passou a noite “sem água nem comida”. Os donos abandonaram-no. Nem a Kamala Harris lhe levou um carinho. O Trump virou-lhe o traseiro. Quem se mete com os gringos tarde ou cedo descobre a índole dos terroristas. João Lourenço que se cuide. Já o dão como doente.

Finalmente o parasita Rui Ramos mostrou o seu lado usurpador. Publicou uma “carteira profissional” emitida pelo Sindicato dos Jornalistas, em 1988, onde está muito claro que a sua categoria profissional é “primeiro grupo”. O seu número de sócio é 1631. Neste ano, se não era o mais novo na profissão em Portugal, estava entre os mais novos. Em Angola só iniciou a profissão em 2013. Até Outubro de 1975 nunca foi jornalista. Depois dessa data também não.

No início dos anos 70 foram adpotadas regras no Jornalismo Português (Angola estava incluída) para valorizar a profissão. Até essa altura eramos “os rapazes dos jornais”. Mulheres praticamente não existiam. Em Angola tínhamos a grande Edite Soeiro. Mais nenhuma. Os jornais só podiam ser dirigidos por licenciados. Isso acabou. Qualquer jornalista sénior podia ser director. Segunda medida. Só podia seguir a carreira de Jornalista quem tivesse como habilitações mínimas o sétimo asno do liceu ou o curso dos institutos comerciais, industriais (ensino técnico) e Escolas Normais (formação de professores primários). Todos os que já estavam, foram cooptados para os novos grupos.

Os candidatos a jornalistas tinham de cumprir seis meses nessa posição. Se fossem aprovados, passavam a estagiários de primeiro ano. E depois estagiários de segundo ano. Cumprido o período de formação, eram promovidos a jornalistas do “primeiro grupo”. O de Rui Ramos em 1988. Faziam jornalismo tutelado. Para os patrões não abusarem, foram impostas as “densidades”. Uma Redacção não podia ter mais de 20 por cento de estagiários. Os jornalistas do primeiro grupo tinham de permanecer nessa posição pelo menos cinco anos. O mesmo com os do segundo grupo. Isto garantia que os jornalistas seniores (terceiro grupo) deviam ter pelo menos dez anos de experiência profissional

Também foram acauteladas as carreiras dos jornalistas seniores (terceiro grupo). O sistema tinha os “grupos de mérito” (quarto e quinto). O jornalista com muitos anos como sénior, podia ser levado para esses patamares. O quarto grupo era remunerado com o salário de chefe de redacção e o quinto grupo de director. 

O patrão Balsemão fez de Rui Ramos “jornalista” para impingi-lo a Savimbi. Os diamantes de sangue davam para comprar os Media e seus servidores mas ninguém gasta dinheiro a comprar turistas da Jamba. Jornalistas já vale a pena, nem que sejam falsos e usurpadores. Cumprido o papel, colocaram-no nos suplementos comerciais. DSem direito a carteira profissional porque é um trabalho incompatível!

A partir de hoje Rui Ramos já não pode continuar a usurpar o título de “decano dos jornalistas angolanos”. Ele próprio provou que iniciou a profissão em 1988, em Portugal. Conheço muitos jornalistas angolanos que começaram em 1974, em Angola. Ainda estão ao serviço. José Mena Abrantes era o responsável do Internacional no Jornal das 13 horas, na Emissora Oficial (RNA). Mas já tinha exercido a profissão na Alemanha. Em 1976, no Jornal de Angola existia um grupo grande de estagiários. Alguns ainda hoje estão no activo. Não compreendo como esses jornalistas admitem que um novato se apresente como decano dos profissionais.

Fui o último presidente do Sindicato dos Jornalistas, antes da Independência Nacional. Lutei sempre por um Jornalismo exercido na lógica do contrapoder. Fui eu que acomodei Rui Ramos no Jornal de Angola quando o escorraçaram do Hotel Tivoli. Tenho um fraquinho por vigaristas, mas com categoria. Muito antes lutei para que saísse da prisão e da situação de deportado em Cabinda. Fui solidário com ele quando foi preso por tentar derrubar o MPLA com a Organização Comunista de Angola (OCA). Mas não posso consentir-lhe que se apresente como aquilo que não é, nunca foi e já não tem condições para ser.

Ontem encerrou em Caracas o Congresso Contra o Fascismo e seus derivados. Leram, viram ou ouviram alguma notícia nos Media? Pois, é isso mesmo, liberdade de imprensa! E bem afinada! No ocidente alargado e seu satélite Angola, nem uma palavra. Como dizia o meu amigo Dario Fo, o patrão sabe mais palavras que o trabalhador, por isso é o patrão!

Amanhã escrevo um a crónica com música dentro das palavras. Lilly Tchiumba e Teta Lando. Apertem os cintos que a nave vai para os arredores da Lua!

* Jornalismo

Sem comentários:

Mais lidas da semana