Artur Queiroz*, Luanda
No dia 16 de Janeiro de 1991, às três da manhã, os vidros das portas-janelas do meu quarto no Hotel Al Rasheed, Bagdade, foram pulverizados. Fui à varanda e vi que caíam bombas sobre a capital do Iraque em toda a sua extensão.
Os bombardeamentos incessantes obrigaram-me a procurar o refúgio da unidade hoteleira. Estava cheio de funcionários mais os poucos hóspedes que não abandonaram o Iraque no dia anterior. Tinha começado a Guerra do Golfo.
De manhã fui com os jornalistas Jorge Uribe e Zurita Reys ver os estragos dos bombardeamentos. A Bagdade das Mil e Uma Noites foi gravemente atingida. Um bairro residencial moderno estava completamente arrasado. Os sobreviventes choravam seus mortos, feitos em pedaços ou soterrados nos escombros dos prédios e moradias. Ali viviam cinco mil pessoas. Poucas dezenas sobreviveram. O ocidente alargado matou e houve aplausos desde Lisboa até Helsínquia. O Comandante Yasser Arafat disse-me que a coligação agressora ia ganhar a guerra mas perdia para sempre a paz.
O atentado contra as Torres
Gémeas
Os cinco mil mortos naquela madrugada de Bagdade não comoveram o mundo, só a mim. Os 2.977 mortos das Torres Gémeas suscitaram um clamor de vingança. Manifestações assustadoras de barbárie. Os Media propalaram que aquele foi o dia que mudou o mundo. Pelos vistos só eu percebi que os cinco mil mortos num bairro residencial de Bagdade começaram a ser vingados. Desde então, de vingança em vingança, há um cortejo de mortos, sobretudo crianças. Joe Biden diz que isso é justiça. O outro lado fala de libertação da Palestina ocupada. De um lado genocidas, do outro martírio e orgulho nos martirizados.
Os colonialistas portugueses
assassinaram Eduardo Mondlane. Pensavam que matando o líder da FRELIMO ganhavam
a guerra
Spínola e seus sequazes da PIDE assassinaram Amílcar Cabral. Levaram com Aristides Pereira e Nino Vieira. A luta armada atingiu um nível tal que no dia 24 de Setembro de 1973 foi proclamada a Independência da Guiné-Bissau, em Madina do Boé.
EUA, França, Reino Unido e Alemanha Federal coligaram-se para destruir a Luta Armada de Libertação Nacional em Angola, sob a bandeira do MPLA. Através do infiltrado Daniel Chipenda (chegou à direcção como João Lourenço!) montaram uma operação para assinar Agostinho Neto numa das áreas libertadas da Frente Leste. A traição foi descoberta momentos antes de se consumar o assassinato do líder.
Face ao falhanço, a coligação
mais agressiva e reaccionária que alguma vez se formou no planeta, partiu para
operações que visavam divisões no seio do MPLA. Foi assim que nasceu a Revolta
do Leste, liderada por Daniel Chipenda, já desmascarado como infiltrado. Em
Assassinar líderes de organizações que fazem a luta armada pode piorar tudo. O estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) e os nazis de Telavive vão perceber isso à sua custa. A “comunidade internacional” é conivente com genocídios e assassinatos selectivos. O ocidente alargado impõe sanções a quem não se submete. Apoia os genocidas e assassinos. João Lourenço está com o estado terrorista mais perigoso do mundo, que comanda os genocidas. Ontem a TPA, canal oficial do chefe, disse que Israel “atacou o eixo do mal”. Mais claro é impossível.
A nova embaixadora dos EUA em Luanda, Abigail Dressel, informou que vem para Angola ensinar a respeitar os direitos humanos. Está desculpada. Tem de ser rápida nas lições porque João Lourenço já só tem meio mandato e nem que Jesus Cristo desça à terra, em 2027 vai para casa gozar os rendimentos.
O Instituto Pio XII, ali no Bairro do Café, entrou em convulsões depois do 25 de Abril de 1974. Ali eram formadas assistentes sociais e as alunas exigiam o “saneamento” da direcção da escola, onde pontificava o padre Alexandre do Nascimento. Fiz a reportagem. Ouvi duas líderes estudantis, Graça D’Orey, depois minha colega na Emissora Oficial da Angola (RNA), e Ester Roda. De seguida fui ouvir os membros da direcção contestados.
O padre Alexandre do Nascimento ficou muito admirado por lhe pedir uma declaração sobre a greve das alunas. Expliquei que ouvi as grevistas e tinha que dar a palavra à direcção. Ele riu-se e chamou a sua colega de direcção cujo nome me escapa: - Venha ver uma ave rara! E disse-me que estava admirado porque os jornalistas só ouviam as alunas e ignoravam a direcção. Quebrei essa tradição. A greve acabou e a direcção do Instituto Pio XII continuou. O padre Alexandre do Nascimento explicou tudo muito bem explicado e as alunas confiaram.
Muitos anos depois, a administração da Empresa Edições Novembro distinguiu o Cardeal D. Alexandre do Nascimento com o Prémio Jornal de Angola. Fui entrevistá-lo. No final pedi-lhe uma declaração sobre o que viveu quando a UNITA o raptou. Olhou para mim e respondeu: “Nem sob tortura direi uma palavra sobre isso. Já prescreveu!”
O Cardeal Alexandre do Nascimento, pouco tempo antes tinha feito um apelo dramático ao mundo, em plena rebelião armada de Jonas Savimbi: “Ajudem-nos que perecemos!”
A TPA mostrou imagens do meu amigo cónego Apolónio Graciano anunciando o falecimento do Cardeal Alexandre do Nascimento. Tristeza não tem fim. Perdemos um angolano excepcional. Digo eu que não frequento religiões e estou de relações cortadas com os deuses.
* Jornalista
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