Nuno Vinha* | Diário de Notícias | opinião
Hoje arranca, dez anos depois dos factos, o julgamento do Caso BES, um emaranhado de crimes financeiros que atirou para o charco um grupo bancário histórico, que resultou em prejuízos ao Estado, a empresas e a privados superior a 18 mil milhões de euros, e deu novas (e pouco hagiográficas) conotações ao apelido Espírito Santo.
Desconheço os argumentos que serão esgrimidos em tribunal; que desculpas serão usadas para os comportamentos dos responsáveis; que acusações se aguentarão. O caso está, desde já, coberto por uma película pastosa da lentidão que dificilmente sairá com a ação centrifugadora de uma sentença. Desconfio que os portugueses não ficarão mais ou menos contentes no caso de algum dos acusados vir a cumprir pena. Afinal de contas, a sentença passada aos contribuintes foi decidida em 2014 - com a separação do BES (banco mau) do Novo Banco (o banco bom) - e em 2017, com um acordo de venda à Lone Star. Estas duas decisões - a primeira de Carlos Costa e Passos Coelho e a segunda de António Costa e Mário Centeno - passaram-nos a todos uma fatura superior a 8,2 mil milhões de euros. É o valor estimado atualmente para a construção do novo aeroporto de Alcochete. Foi isto que os contribuintes pagaram até 2023, segundo o Tribunal de Contas. É claro que isto pagou a não-implosão total dos BES, salvando muitas empresas, famílias e, em última análise, a economia portuguesa nesses anos, uma vez que o custo da eventual liquidação do BES seria bastante superior. Foi o exemplo português do “Too Big to Fail”. Essa circunstância não nos deve impedir de escrutinar os erros políticos e de supervisão. Nem devemos desvalorizar o comportamento criminoso de quem movimentou milhões entre as contas das empresas do Grupo BES para ocultar um buraco que os portugueses têm de pagar.
Mas o colapso do BES não foi apenas o maior escândalo financeiro em Portugal desde o célebre caso protagonizado há 100 anos por Artur Alves dos Reis. Foi o colapso de um grupo empresarial que tinha uma influência relevante em vários setores da economia portuguesa, como a banca, os seguros, a energia, as telecomunicações, a comunicação social, a construção civil e a indústria. A sua influência nos principais partidos políticos era também evidente, com quadros do Grupo Espírito Santo a marcarem presença na maior parte dos Governos que estiveram em funções até então. O fim do BES foi um terramoto na economia e na política e o país que daí resultou é diferente a vários níveis. Temos uma economia mais concorrencial e livre. E, goste-se ou não, o poder que antes estava alegadamente concentrado nas mãos de Ricardo Salgado - justa ou injustamente, frequentemente descrito na época como o “DDT” (“Dono Disto Tudo”) - está hoje disperso por alguns grupos nacionais e por vários fundos estrangeiros que controlam áreas-chave da economia portuguesa.
* Diretor-Adjunto do Diário de Notícias
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