terça-feira, 12 de novembro de 2024

Angola | Os Pais do Embuste e da Traição -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Na hora da Independência Nacional nasceu o meu filho Kropotkine. Fui à Conservatória do Kinaxici com o Rola da Silva e o Tarique Aparício registar o rebento. Recusado. Esse nome não está na lista. Falei com a senhora que dirigia a repartição e expliquei que aquele menino era o sinal de que Angola também tinha anarquistas. Anarco-comunistas! A senhora respondeu: Nem pensar.

O Tarique resolveu logo o problema: Vamos chamar-lhe Nuno. Sempre quis ter um filho Nuno! A Senhora aceitou, mas eu não. Insisti no nome Kropotkine. E ela insistiu na recusa. O Rola da Silva, legalista e institucionalista, ordenou a retirada. Recusei sair sem registar o meu menino. Aí ele explicou: Vamos fazer uma exposição ao ministro da Justiça. Ele vai aceitar os teus argumentos.

O ministro era Diógenes Boavida, amigo e camarada. Penso que foi o primeiro requerimento que teve de deferir. Em dois dias veio a autorização e ficou assinalado, na Conservatória do Kinaxixi, que existe um angolano chamado Kropotkine. O Tarique exigiu que o seu afilhado se chamasse Nuno Kropotkine. E assim ficou para a posteridade. Os anarquistas existem. E lutam. Hoje o miúdo tem 49 anos e cabelos brancos. Repudia o anarquismo e chama-me esquerdista. Acredita piamente no “socialismo democrático”! Como o tempo passa.

A minha geração foi carregada com pesadíssimas responsabilidades. Mas apenas uma minoria assumiu o seu papel. Há 49 anos trabalhava na Emissora Oficial de Angola (RNA), realizava o Jornal das 13 horas e chefiava a Redacção que tinha os seguintes jornalistas: Maria Dinah, Victor Mendanha, José Mena Abrantes, Francisco Simons, Graça D’Orey, Catarina Gago da Silva, Isabel Colaço, Conceição Branco, Pena Pires, Quinta da Cunha e Anapaz o novato meu favorito. Poucos fazendo muito.

Meio ano depois mudei para o Diário de Luanda. Um jornal da tarde que liderava a Imprensa. Redacção: Raimundo Souto Maior, Luciano Rocha, João Serra, Artur Queiroz, os fotojornalistas Gouveia e Bernardo. Mais dois estagiários. Um era o Filipe de Sá. Do outro já não lembro o nome porque desistiu do Jornalismo. Ernesto Lara Filho trabalhou no jornal entre Maio e Setembro de 1975 mas foi para o Huambo dois meses antes da Independência Nacional.

Tão poucos punham as notícias na rua todos os dias. Nas páginas centrais do Diário de Luanda publicávamos sempre uma reportagem ou uma entrevista a partir das frentes de combate. Fizemos o primeiro jornal da Angola independente aos primeiros segundos do 11 de Novembro de 1975. Nessa data editámos um número especial que saiu de madrugada e foi distribuído no Largo da Independência, enquanto Agostinho Neto discursava. Depois saiu a edição normal da tarde. Ninguém dormiu. 

Dessa equipa pequenina mas fabulosa, que eu saiba, já faleceram Raimundo Souto Maior, o jornalista da banca, João Serra, repórter para todo o serviço, e o fotojornalista Gouveia. Longa vida aos outros e a minha gratidão por me terem proporcionado viver esses acontecimentos históricos.

Hoje puseram a circular nas redes sociais uma entrevista do General Tonta ao Jornal de Angola. Desconheço a data em que foi publicada. Tonta era militar do braço armado da FNLA. Falsifica a História despudoradamente porque a entrevistadora não se preparou para o trabalho. E sobretudo esqueceu que só se faz uma entrevista quando existem vazios de informação. As perguntas servem para tapar esses vazios com as respostas.

O militar do extinto Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA) minimiza a Batalha de Kifangondo. Diz que os elementos da PIDE/DGS que trabalhavam com a FNLA enganaram o comando das tropas invasoras, constituídas por mercenários de várias nacionalidades, forças regulares do Zaire de Mobutu, oficiais da CIA, militares sul-africanos e tropas do Exército de Libertação de Portugal (ELP) comandadas pelo Coronel Comando Gilberto Santos e Castro. 

Um movimento de libertação de Angola (FNLA) atacou Luanda com agentes da PIDE/DGS! Coisa estranha. O General Tonta não sabia que se tratava de uma polícia política e os seus membros só torturavam e matavam. Até os estrangeiros sabiam que o regime fascista e colonialista de Lisboa tinha uma polícia política. Tonta e Holden Roberto desconheciam!

O General Tonta diz que Gilberto Santos e Castro não conhecia o terreno em Kifangondo e por isso as tropas invasoras que queriam tomar Luanda de assalto antes de 11 de Novembro de 1975 foram enganadas. 

Impossível! Um oficial superior do Exército Português que foi comandante do Regimento de Comandos em Luanda (Belo Horizonte) conhecia melhor o terreno de Kifangondo do que o seu quarto ou a sua casa de banho. Um Coronel Comando sabia ler as cartas militares melhor do que ninguém. Depois Tonta diz que combateu contra o Exército Cubano. Ainda não teve tempo de se informar sobre o número de militares cubanos que combateram na Grande Batalha de Kifanfogondo. Mas pode ter a certeza de que eram poucas dezenas. Os invasores foram derrotados nas Grandes Batalhas da Independência Nacional pelo Povo Angolano. Não foi pela “tropa do MPLA” ou o “exército cubano”.

O mais grave foi a falsificação grosseira de um facto histórico. A entrevistadora mostrando a sua impreparação para fazer a entrevista, perguntou ao General Tonta: Quem comandava as tropas do MPLA? Quanto a isso não há vazio de informação menina! Até as criancinhas sabem que as tropas angolanas eram comandadas pelo General David António Moisés (Ndozi), nascido no Soyo quando era Santo António do Zaire, em 11 de Março de 1939. Tonta disse que o comandante das tropas angolanas era o General Ndalu. E o Jornal de Angola publicou a falsificação. 

A entrevista ao Genera Tonta serviu para afastar Holden Roberto do título de “pai da independência”. Quem estava às ordens da CIA, do ditador Mobutu, de agentes da PIDE/DGS e do ELP só pode ser pai da traição. De Jonas Savimbi nem se fala. Posou orgulhoso ao lado de P W Botha, o chefe máximo do regime racista de Pretória, durante uma caçada aos elefantes no Cuando Cubango. Este é servente dos pais do crime contra a Humanidade que foi o regime de apartheid da África do Sul.

 A Independência Nacional só tem um pai, Agostinho Neto. Esqueçam. Nunca conseguirão abolir dos nossos corações o Comandante Ndozi, quanto mais Agostinho Neto! Viva a Dipanda!

* Jornalista

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