domingo, 24 de novembro de 2024

TRIBUNAL DE POSTO E PALMATÓRIA -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A sociedade colonial era suportada pelo latrocínio, a desumanização e a injustiça. Nos velhos tempos coloniais Angola era um imenso campo de concentração para os angolanos negros, que não tinham qualquer direito, nem à vida. A justiça era no posto administrativo. Os juízes eram chefes de posto, administradores e intendentes. Além de condenação à prisão arbitrária esses tribunais podiam sentenciar as vítimas com palmatoadas, chibatadas nos dorsos nus, trabalhos forçados e à morte. Uma criança que vê desaparecer seus companheiros de brincadeiras porque foram levados para trabalharem na granja do chefe de posto ou nas estradas esburacadas, fica revoltada. Odeia o sistrema. Repudia as injustiças.

Cresci neste ambiente e em mim cresceu o ódio às injustiças que dura até hoje. Foi a injustiça que me levou a lutar contra o colonialismo, sob a bandeira do MPLA. Dei o meu contributo ao nascimento de Angola Independente. Ajudei como pude Diógenes Boavida e Agostinho Neto a lançarem os alicerces da Justiça. Eles apostaram na construção de um Estado de Direito no regime de Democracia Popular. A criação da primeira Faculdade de Direito na Universidade Agostinho Neto foi um marco no edifício do Poder Judicial. Garcia Bires e Fernando Oliveira foram os construtores. Do zero chegámos longe. Muito longe. Mas em 2017 retrocedemos. E o retrocesso continua, imparável.

Hoje temos em Angola tribunais ao estilo do chefe de posto e sentenças muito parecidas, ainda que a chibata e a palmatória sejam mais sofisticadas. Os ocupantes do Poder matam sem dó nem piedade a Honra, o Bom Nome, a Consideração Social de quem não se submete. Como têm à disposição os Media do sector empresarial do Estado, verdadeiramente os que contam, a palmatória é a TPA e a RNA, a chibata o Jornal de Angola. Os trabalhos forçados foram substituídos por exílios forçados. As prisões arbitrárias avançam imparáveis sem que a sociedade solte um grito de revolta.

Noite de sexta-feira. A TPA incluiu na sua tortura das 20 horas uma sentença do chefe de posto e uma condenação de sipaio. Infringiu uma pena de chibatadas e palmatoadas. Isabel dos Santos foi a sentenciada. Mas a sentença veio da embaixada britânica em Luanda. O juiz foi o ministro das relações exteriores do Reino Unido. O chefe Miala e a sua criadagem apenas cumpriram ordens dos patrões em Londres.

O Reino Unido entrou em falência quando saiu da União Europeia. Já se sabia que isso ia acontecer mas os governantes britânicos pensaram que ficava tudo bem, roubando mais as suas colónias africanas disfarçadas de países independentes. Bateram às portas erradas. Hoje há no Reino Unido milhares de pessoas sem-abrigo. Os jovens são em maior número. Uma tragédia. O governo de Londres tentou sair da falência com a guerra contra a Federação Russa por meio da Ucrânia. Falharam. Neste quadro, a embaixada do Reino Unido em Luanda emitiu um comunicado no qual afirma que foram sancionados “três notórios cleptocratas que desviaram as riquezas dos seus países de origem”.

Uma “cleptocrata” é Isabel dos Santos, empresária angolana de sucesso. E como teve sucesso, vai presa! Fica sem nada. O Reino Unido tem um longo passado de latrocínio. Hoje continua nessa senda mas está a correr mal. Poucos se deixam roubar e já não há muito para roubar. Vai daí a sua embaixada em Luanda comunica que Isabel dos Santos tem os seus bens congelados e está proibida de entrar no país. 

O ministro das relações exteriores, David Lammy, é citado nestes termos: “Esses indivíduos sem escrúpulos privam egoisticamente os seus concidadãos de financiamento tão necessário para educação, saúde e infra-estruturas para o seu próprio enriquecimento. Quando me tornei ministro dos negócios estrangeiros comprometi-me a enfrentar os cleptocratas e o dinheiro sujo que os fortalece. Hoje dou o primeiro passo para cumprir essa meta”. Paleio de populista e demagogo, na pele de “trabalhista”.

Um ministro dos “negócios estrangeiros” condenou Isabel dos Santos a ficar sem os seus bens. Proibiu a sua entrada no Reino Unido para ter mais dificuldades em defender-se nos verdadeiros Tribunais (isso ainda existe?) e coloca-lhe o rótulo de cleptocrata. Garante que a empresária Isabel dos Santos “desviou pelo menos 350 milhões de libras esterlinas, equivalente a 440 milhões de dólares”. Isto é uma sentença extra judicial, tão ao gosto dos colonialistas e, já agora, dos nazis.

A TPA é uma sucursal do chefe Miala. Isso é público e notório. Mas nunca imaginei que descesse tão baixo e desse a “notícia” sem sequer exigir cópia de uma sentença transitada em julgado, onde esteja escrito que a empresária Isabel dos Santos é cleptocrata. Que desviou dinheiro do Estado Angolano. O tribunal é uma kitanda algures em Londres. O juiz é o ministro dos negócios estrangeiros do Reino Unido. E está feito. Os jornalistas da TPA nem sequer pediram ao Ministério Público de Angola, cópia de uma acusação contra a empresária. Ou um despacho de pronúncia. 

A TPA, sucursal dos negócios do chefe Miala nem sequer se dignou ouvir o advogado de Isabel dos Santos em Luanda. Nada. A sentença do ministro britânico não tem direito a recurso. Condenação sem apelo. Menos de 50 anjos depois da Independência nacional e 70 anos mais velho do que nos meus tempos da Kapopa do Negage, eis que regressou à sociedade angolana a justiça do chefe de posto. O meu coração não aguenta semelhante tragédia. Socorro!

Isabel os Santos ficou com os bens congelados/perdidos. Pena acessória: Proibida de entrar no Reino Undo onde reside a mãe e estudam os filhos. A empresária veio imediatamente a público dizer que a decisão do chefe de posto britânico “é incorreta e injustificada”. Nega que alguma vez se tenha apropriado de dinheiro da Sonangol e da Unitel. 

Remata assim: “Nenhum tribunal me considerou culpada de corrupção ou suborno”. Mas ingenuamente espera que “ o Reino Unido me dê a oportunidade de apresentar as minhas provas e contestar estas mentiras fabricadas contra mim pelo regime angolano”. Ingenuidade pura e dura. Engenheira Isabel dos Santos, eles já dividiram com Luanda o kumbu e os imóveis. 

Se pensam que escrevo isto porque me vendi à empresária Isabel dos Santos, estão enganados. Eu vendo-me. Mas o meu preço é este: Todo o dinheiro, todos os bens móveis e imóveis que João Lourenço acumulou desde 1991 (foi dos primeiros a ir ao pote). Se pensam que me vendo por pouco, estão enganados. Cobro uma das maiores fortunas de Angola, África e do Mundo. Cada um tem o seu valor e Isabel dos Santos não pode pagar o meu. O filho de enfermeiro, se pagasse o meu preço, ficava reduzido à fortuna da senhora sua esposa que também foi avidamente ao pote e à caixa das bolachas. 

Porque hoje é sábado e estou em festa, vou dar uma de escuteiro. Este comunicado asqueroso dos falidos do Reino Unido é um aviso a todas e todos os angolanos que têm dinheiro e bens nos países do esclavagismo e o colonialismo. Ponham-se a pau. Eles vão dividir as vossas fortunas com a turma de João Lourenço. 

O Doutor Mário Pinto de Andrade é um dirigente do MPLA de grande categoria. Tenho por ele especial consideração e respeito. Ngola Kabangu, num debate público, propôs que seja colocada uma estátua de Holden Roberto na Praça da Independência. Isaías Samakuva defendeu que tem de estar lá também uma estátua de Jonas Savimbi.

Muito modestos. Ngola Kabangu podia exigir também uma estátua de Mobutu e outra do coronel Santos e Castro. Mais os bustos dos mercenários, que o líder da FNLA atirou contra o Povo Angolano. Já agora vai também a estátua do colonialista e genocida Ferreira Lima, ao lado do qual Kabangu proclamou a “independência” na cidade do Uíje!

Isaías Samakuva, se abrisse muito a boca exigia que ao lado esquerdo de Jonas Savimbi fossem erguidas estátuas de Marcelo Caetano, dos generais Luz Cunha e Bettencourt Rodrigues, mais o chefe da PIDE/DGS São José Lopes. Do lado direito todos os chefes do regime de apartheid da África do Sul. A estátua de Agostinho Neto sai e colocam no lugar a de João Lourenço.

O dirigente do MPLA opôs-se e explicou porquê com fundamentos imbatíveis. Penso que esta é a primeira vez que vou estar em desacordo com o ilustríssimo académico e esclarecido dirigente político. Qual é o problema de colocarem esse lixo humano na Praça da Independência? João Lourenço está no Palácio da Cidade Alta e é bajulado por chusmas de ajudantes. É tudo porcaria do mesmo saco. Enganei-me. Hoje não estou em festa por ser sábado. Virei bicho.

O ministro dos negócios com o estrangeiro português é muito enraçado. Parece um boneco evadido do jogo de matraquilhos E fala pelo nariz o que lhe dá ainda mais graça. O homenzinho disse que o Tribunal Penal Internacional foi excessivo quando comparou Israel ao HAMAS. Não comparou. 

O TPI Apenas emitiu mandatos de captura contra o líder do HAMAS, o primeiro ministro de Israel (nazi) e o seu antigo ministro da defesa, simpatizante de nazi. Mas ao matraquilho fugiu o nariz para a verdade. É inaceitável comparar o governo de Israel ao HAMAS. Porque a organização palestina, desde a sua fundação até hoje, matou menos civis inocentes do que os nazis de Telavive matam numa hora de ataques à Palestina, Líbano e Síria. O seu a seu dono.  

* Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana