sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Uma Guerra à Civil -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O mundo pode mudar os dias para as noites e as noites para os dias. A Terra pode parar as rotações ou acelerar. Os homens podem virar burros e os burros zurrarem como alguns homens. Mas nada vai alterar a História Contemporânea de Angola. O MPLA fez a Luta Armada de Libertação Nacional. Derrotou os colonialistas e seus aliados. Conduziu Angola à Independência Nacional. Derrotou os invasores sul-africanos na Batalha do Cuito Cuanavale esmagando o regime racista de Pretória. Ajudou a libertar a África Austral. Nenhuma organização política no mundo conseguiu tão importantes e retumbantes vitórias. 

Militantes e dirigentes do MPLA que participaram na Luta Armada de Libertação Nacional são angolanas e angolanos excepcionais. São o orgulho da Nação. Devemos-lhes respeito e gratidão. Ninguém espere que um país que há 49 anos era uma colónia fornecedora de escravos e contratados à força (séculos de dominação estrangeira!) hoje tenha recursos humanos suficientes para resolver todos os problemas que se colocam à governação, num mundo em profunda crise política, social e económica. 

Ninguém espere que tudo corra bem quando as forças imperialistas e colonialistas de sempre impõem em Angola a desinformação e compram por 30 makutas os mentores do banditismo mediático. Aderimos à democracia popular e ao socialismo. O sistema ruiu. Optámos pela democracia popular e o capitalismo O sistema está em desintegração. Os problemas e as dificuldades continuam. 

No dia 11 de Novembro de 1975 não tínhamos recursos humanos qualificados para governar Luanda. Em 49 anos não conseguimos formar massa cítica que coloque Angola entre os países desenvolvidos. Somos um dos mais pobres do mundo! Em Angola até os ricos são pedintes. Vivem de mão estendida ao chefe de turno. Calma, vamos vencer. 

A parir de 2027 a aposta na Educação vai triunfar. Como entre 1975 e 1988 triunfou a aposta na Defesa. Formámos os melhores militares do mundo, que derrotaram a coligação mais agressiva e reaccionária que alguma vez se formou no planeta: Colonialismo Português, OTAN (ou NATO), EUA, França, Reino Unido, Alemanha Federal e África do Sul racista! Para disfarçar atiravam para a frente a FNLA e a UNITA. Ninguém aguentava tanta carga. As FAPLA aguentaram e venceram.

À guerra do Povo Angolano contra esta coligação agressiva e reaccionária um tal Eugénio Costa Almeida chama “guerra civil”. Para estas vígaros doutorados a Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial é à civil. O Adalberto é engenheiro à civil. Os desinformadores são bandidos à civil. 

O mestre na vigarice política escreveu isto hoje no Novo Jornal: “O MPLA, que se tornou o partido no poder e tinha o apoio político-militar da União Soviética e de Cuba, enfrentou a UNITA que, por sua vez, contava com o apoio de várias potências estrangeiras, como os EUA e a África do Sul”. Este desinformador bem sabe que o regime racista de Pretória fez dezenas de operações militares com as tropas especiais portuguesas durante a Guerra Colonial, na Frente Leste. Também sabe que entre Setembro de 1975 e a Batalha do Cuito Cuanavale o regime racista de Pretória desencadeou dezenas de operações militares de grande envergadura em Angola. 

Numa entrevista ao Jornal de Angola o antigo inspector da PIDE/DGS Óscar Cardoso, fundador dos Flechas, fez esta revelação: “O pessoal da PIDE e do comando da Frente Militar Leste começou a estabelecer contactos com Jonas Savimbi e os seus oficiais. Conseguimos resolver o problema dos madeireiros. Logo nos primeiros contactos verificámos que o Savimbi tinha muito gosto em trabalhar connosco. O general Bettencourt Rodrigues, um militar extraordinário, deu luz verde e a UNITA passou a combater ao lado das tropas portuguesas”. O vígaro doutorado em desinformação sabe disto. Mas fala em guerra civil.

Em Julho de 2011 a Âncora Editora publicou o livro “Angola – O Conflito na Frente Leste” de Benjamim F Almeida. É um instrumento de propaganda à UNITA. Eis o que está escrito na sinopse: “O MPLA iniciou a luta no Leste angolano, com vista à ocupação de uma vasta área e respectiva ligação à Frente Norte através da chamada Rota Agostinho Neto. Falhou ambos os objectivos devido à forte oposição, não apenas das Forças Nacionais mas também da UNITA, graças à Operação Madeira. Esta operação marcou o relacionamento das autoridades militares com aquele movimento durante longo período. Nesta obra é realçada, com algum detalhe, a natureza dessas relações, suportada por documentos inéditos. Entre estes destaca-se alguma correspondência trocada entre o presidente da UNITA e o autor, bem como o relatório do encontro entre ambos, que teve lugar em 20 de Outubro de 1973”.

Benjamim F Almeida era capitão de artilharia e comandava uma companhia que na prática defendia o acampamento militar de Jonas Savimbi. Publicou no livro cartas que Savimbi lhe enviou. Numa pedia umas botas de cano alto e um bom creme para os pés. Noutra queixava-se que o comando das tropas portuguesas no Luso (Luena) não acabava com os guerrilheiros do MPLA, enfraquecidos com a chamada Revolta do Leste. Isto em plena Guerra Colonial. 

Este Eugénio Costa Almeida sabe que a UNITA lutou contra a Independência Nacional mas chama a essa traição “guerra civil”. O tenente-coronel Passos Ramos, chefe da inteligência militar portuguesa na Frente Leste, em 1996 declarou: “A UNITA, como o MPLA não dava sinais de abrandar as acções armadas, tomou o compromisso de dar informações sobre o posicionamento dos seus guerrilheiros.” O bufo da “guerra civil”.

O tenente-coronel Passos Ramos foi também o responsável da Polícia de Informação Militar, instituição que em Angola substituiu a PIDE/DGS logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. E também nesse cargo assinou o cessar-fogo com Jonas Savimbi, em Junho de 1974. Esse oficial revelou que para Savimbi, nessa data, a independência de Angola “não significava que fosse já a correr. E eu trouxe do encontro uma proposta em que Savimbi preconizava sete anos de descolonização para Angola. E recordo-me perfeitamente do desabafo do general Costa Gomes, quando lhe dei a informação: - Se fossem cinco ou até dois anos, era tão bom! Cinco anos era o que eu gostava, mas se fossem dois anos já era muito bom”.

Ngola Kabangu, “número dois” da FNLA presidiu à cerimónia do 11 de Novembro de 1975 no Uíje ao lado de Ferreira Lima, o colono que em Março de 1961 organizou, armou e financiou as milícias que cometeram hediondos crimes contra a população civil. Fez esta declaração sobre a Batalha de Kifangondo:  

“A batalha de Kifangondo enquadrou-se nos esforços empreendidos pela FNLA que, depois de expulsa da capital, decidiu organizar forças e marchar para a ela voltar. A chegada estava prevista para antes do 11 de Novembro, dia em que o MPLA previa proclamar a independência. O objectivo era impedir a realização do acto e também intimidar a população luandense para desencorajá-la a participar no evento. Isso passava por acções de flagelamento à cidade com artilharia pesada a partir do Morro da Cal, seguido de um assalto à capital com o apoio de mercenários e tropas zairenses. 

A derrota do ELNA ou da FNLA foi o resultado da falta de estratégia concreta por parte da direcão política. Não houve coesão, nem de ideias nem de acções. Os exércitos ELNA, zairenses, mercenários e os sul-africanos entendiam que cada um devia actuar à sua maneira, o que desvirtuava o princípio de comando único. Desbaratadas as nossas tropas em Luanda, a FNLA viu o seu exército enfraquecido em homens e materiais, sendo obrigada a recorrer ao auxílio de outros exércitos e a sustentar mercenários. 

Dos exércitos, destacam-se as tropas zairenses dispensadas pelo Presidente Mobutu Sese Seko, compostas por três batalhões de infantaria, um pelotão de morteiros de 120mm, um pelotão de carros blindados Panhard, duas peças de D30 120mm e uma companhia de comandos, enquanto no tocante aos mercenários registou-se a adesão de portugueses comandados pelo coronel Santos e Castro. 

Estrategicamente o ELNA tinha organizado o seu dispositivo de força em pequenas unidades, nas cidades e vilas a partir da fronteira com o Zaire (actual República Democrática do Congo) nas áreas de Banza Congo, Soyo, Nzeto e Ambriz, nas localidades dos Libongos, na Barra do Dande e na cidade de Caxito, por um lado. Por outro, na faixa Uíje, Negage, Vista Alegre, Camabatela, Quitexe e Caxito. Durante a ocupação dessas localidades, as nossas forças não encontraram resistência pelo facto de se assistir à fuga para as matas de todas as populações, bem como de militares residuais do MPLA. 

A marcha para o assalto a Luanda partiu do Morro de Cal, às 05h00 da manhã do dia 09 de Novembro de 1975, marcando o dia 10 de Novembro de 1975 como dia “D”, data para entrada em acção ofensiva (ataque). As informações sobre o inimigo, as FAPLA, eram dispersas e controversas. Não se conhecia nada sobre o seu dispositivo, a sua linha dianteira, o armamento e demais equipamentos (tropas blindadas, artilharia, etc.). 

O mais grave ainda é que ninguém detinha a mínima informação sobre o terreno e não havia nenhum mapa. Algumas informações tinham sido fornecidas por um tal Senhor Xavier, ex-agente da PIDE, que dizia ser fácil entrar em Luanda e que o terreno não apresentava contornos nem obstáculos intransponíveis. Presume-se ter havido inclusive um trabalho de acção psicológica muito forte, pois veiculava-se por todos os cantos, mesmo até no seio dos mercenários, em jeito de desinformação, que o povo de Luanda estava agastado com o MPLA, que esperava ansioso pela chegada da FNLA.

 Para sustentar a desinformação, as FAPLA foram simulando rebentamentos de engenhos. E alguns portugueses, conhecedores de Luanda e da sua população, apregoavam aos quatro ventos que a entrada em Luanda era uma questão de horas. Esta desinformação prevaleceu até ao dia 09 de Novembro de 1975. Reconhece-se não ter existido nenhuma unidade especializada de reconhecimento do ELNA, o que permitiu uma penetração sem precedentes do inimigo nas fileiras das forças da FNLA, desde a preparação da operação até a própria batalha.” O vígaro doutorado tem aqui mais um documento importante para sustentar a sua tese da guerra civil.

Vamos ao Sul. Antes do arranque da Operação Savana, os sul-africanos começaram a dar armas e a fornecer instrutores à UNITA, FNLA e ao Esquadrão Chipenda. Mas o apoio dos angolanos ao MPLA era imenso. Nunca na História Universal uma organização política chegou ao poder com tão grande apoio popular. Em meados de Setembro de 1975 o MPLA controlava todas as principais cidades do país. A África do Sul decidiu tomar medidas drásticas e começou a instalar o comando da Operação Savana. Nesta altura em Angola estavam duas dezenas de assessores cubanos!

A Operação Savana começou a 19 de Outubro de 1975 e as forças racistas ocuparam rapidamente Ondjiva, Xangongo e Humpata. A capital da Huíla, Lubango, foi ocupada a 24 de Outubro. Os invasores chegaram a Moçâmedes, capital do então distrito do Namibe, no dia 28 de Outubro. No dia 5 de Novembro, poucos dias antes da data da Independência Nacional, a coluna invasora tomou a vila de Quilengues, depois caiu Chongoroi e Catenge, onde se subdividiu. Uma parte das tropas da Operação Savana seguiu para Benguela, Lobito e Sumbe. A outra seguiu para o Cubal, Ganda, Alto Catumbela, Lépi, Caála e atingiu a cidade de Nova Lisboa (Huambo) capital do Planalto Central.

No Sumbe (Novo Redondo), capital do Cuanza Sul, os invasores registaram as primeiras baixas. Mas o pior veio a seguir. Na Batalha do Ebo registou baixas tão pesadas que o alto comando decidiu recuar para a fronteira Sul. A retirada das tropas invasores para a Namíbia começou em 22 de Janeiro de 1976 e só terminou a 27 de Março. Nesse dia Angola ficou livre dos invasores. Para a libertação concorreram milhares de angolanos em armas: Civis, políticos e militares. Jovens e idosos. Mulheres e adolescentes. Kifangondo e Ebo foram palcos do heroísmo do Povo Angolano. Mas também a Grande Batalha do Luena (Frente Leste), onde os invasores foram igualmente esmagados.

A distância entre Grotfontein, base donde partiram os invasores, e o litoral centro de Angola é de 2.500 quilómetros. Durante os combates, os racistas sul-africanos lançaram sobre território angolano 333 toneladas de bombas, 1.774 roquetes de 68 milímetros e 18 mísseis AS30. Pretória cantou vitória porque, segundo os seus propagandistas, o Cunene estava livre das FAPLA e do movimento de libertação da Namíbia SWAPO. Além disso, as forças sul-africanas passaram a controlar Ondjiva e Xangongo, o que permitiu introduzir a UNITA, para impedir que a SWAPO restabelecesse as suas bases. Falharam. 

O vígaro doutorado chama à Operação Protea e a todas as outras lançadas por Pretória, uma guerra civil. Só um país muito pobre publica tamanha vigarice. Só um país onde o Jornalismo tem a forma de banditismo mediático um qualquer Eugénio Costa Almeida vende aldrabices deste calibre. 

* Jornalista

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